A civilização, como hoje a conhecemos, sofreu sifnificativas modificações relativamente às primeiras descobertas da humanidade.
O avanço tecnológico em todas as áreas do conhecimento nos permitiu o acesso a panoramas da existência antes apenas vislumbrados, sujeitos a hipóteses de confirmação extremamente dificultada.
Contudo, o ser humano, exceto algumas individualidades, não se alertou para a necessidade de trabalhar a sua própria forma de ser, o eu mais profundo, no nível das emoções que comandam diretamente o sentido do que representa o seu lugar no universo, no planeta, no país, até o limite de sua comunidade mais ampla, que abrange a porção territorial que chamamos de Estado, à mais restrita, a sua vizinhança imediata.
A grande razão dos desentendimentos humanos é profundamente arraigada ao âmbito das emoções - o modo como cada um se coloca dentro de uma coletividade, consideradas as formas de como se vê e de como é visto pelos demais membros.
O padrão associado a esta interação entre o se ver e o ser visto incide no status sócio-econômico alcançado. A emoção envolvida neste contexto, a auto-estima, determina a ambição por se ter cada vez mais, como índice regulador da importância assumida pelo indivíduo numa coletividade.
A mais persistente forma de ascensão sócio-econômica, e historicamente buscada pela humanidade, é o domínio territorial. Quanto mais abrangente for a poligonal da cerca de cada um, quanto maior for a porção de terra pessoal, mais poder é atribuído ao indivíduo, por si e pelos demais membros da coletividade.
Certamente não foi por outra razão que a discórdia sempre esteve instalada
Roma ampliou os seus limites territoriais como símbolo de poder sócio-econômico. E comprava a adesão de soldados com promessas de terras
Nações sempre lutaram entre si pela ampliação de limites territoriais. E não importam, nem importavam, se as porções de terra envolvidas são ou foram relativamente pequenas.
Não é por outro motivo que nos limites territoriais brasileiros ocorreram, e ocorrem, arrufos, arruaças, disputas judiciais e até mesmo crimes pela posse da terra.
O caso específico do Distrito Federal em nada difere deste odioso mecanismo do querer cada vez mais. O Plano Urbanístico que norteou a implantação do Plano Piloto de Brasília, considerados os méritos contidos em sua proposta, tornou a cidade, por sua própria excelência urbanística e arquitetônica, um dos territórios mais valorizados do mundo. Este efeito, somado à atração exercida por sua condição de capital federal, provocou uma ocupação das áreas localizadas no território do DF sem o condão de um planejamento eficaz que norteasse o crescimento.
Por crescimento urbano entende-se, resumidamente, a ampliação dos limites de núcleos, decorrente das novas implantações de usos e atividades ou, de uma segunda forma, a criação de novos núcleos urbanos. O crescimento não pode prescindir do planejamento, envolvido por análises do território quanto às possibilidades de ocupação, considerados os aspectos ambientais, geográficos e geológicos, além dos fatores relacionados à energia, saneamento ambiental, estruturação viária, densidade demográfica, mobilidade urbana, uso e ocupação do solo, desenvolvimento econômico e, acima de tudo, o macrozoneamento e o zoneamento. A isto se chama estabelecer as condições básicas para o desenvolvimento.
O crescimento não fundamentado nestes fatores nada mais representa que um inchamento desordenado e altamente pernicioso para o bem-estar das atuais e futuras gerações.
A despeito do meticuloso tratamento urbanístico oferecido ao Plano Piloto de Brasília, e das tentativas em conter e ordenar as demais ocupações do DF, o fator humano, lastreado pela ânsia desenfreada pela ocupação de terras, associou-se à sempre crescente valorização imobiliária do nosso polígono territorial, funcionando como poderoso mecanismo de alastramento da desordem urbana.
A punição de culpados pelas iniciativas de invasões ,e pela inoperância dos procedimentos de contenção, geraria, no mínimo, a necessidade de significativa ampliação de estabelecimentos prisionais.
As invasões de área pública no DF são, basicamente, dos seguintes tipos:
A) Invasão de terras para construções predominantemente residenciais.
Nesta modalidade, as áreas são "escolhidas" em função dos seguintes fatores: Proximidade em relação ao Plano Piloto; Proximidade em relação a outros núcleos urbanos.
Motivos declarados para justificar a invasão:
* Altos preços praticados pelo mercado imobiliário nas áreas regularizadas.
B) Subdivisão de chácaras pertencentes à extinta Fundação Zoobotânica, com a criação de lotes residenciais. Motivos alegados:
* O mesmo do item A.
C) Invasões lindeiras a lotes comerciais, dentro dos núcleos urbanos regularizados. Motivos:
* O espaço disponível internamente à loja é insuficiente para o pleno exercício das atividades comerciais
D) Invasão de áreas lindeiras a lotes residenciais para a construção de piscinas, churrasqueiras e garagem coberta. Motivo:
* Necessidade de área de lazer para os filhos e segurança da edificação.
Obs: nesta modalidade específica, já encontramos invasões de áreas verdes onde foram construídas, pelo menos, seis quitinetes encostadas à edificação principal.
E) Cercamento de área verde pública, e de estacionamento público, lindeiros às habitações coletivas, para a construção de área de lazer exclusiva do condomínio e exclusividade das vagas de veículos para os moradores. Motivo:
* Segurança dos moradores e de seus veículos.
Evidentemente, alguns dos motivos alegados têm lá a sua procedência, consideradas as suas características relacionadas ao interesse público. Mas não se pode aceitar que razões de segurança ,e outras mais, justifiquem as abusivas ocupações de áreas públicas.
Na verdade, as razões impeditivas destas apropriações são bem mais relevantes.
. A carência de unidades residenciais no DF, estimado em 120 mil, segundo recentes pesquisas, não é fator determinante na invasão de terras. Aliás, terras constantemente comercializadas.
. As invasões lindeiras a lotes comerciais e residenciais prejudicam a circulação de pedestres, afunilando calçadas públicas. A segurança alegada para a edificação implica na insegurança dos transeuntes, que se desdobram para transitar pelas vias de circulação de veículos, ou por becos minúsculos, ou precisam cobrir grandes percursos até atingir o seu ponto de chegada.
. A privatização de estacionamentos públicos representa ato de extremo egoísmo, na medida em que impede a circulação de pedestres, além de proibir a utilização das vagas por parte de usuários de outras edificações.
. O fechamento dos pilotis com grades, impedindo a circulação de pedestres, retira deste espaço o motivo maior de sua invenção - a livre circulação.
As razões que fundamentam estes atos residem na forma distorcida das visões de mundo.
O distanciamento no tempo não foi suficiente para depurar comportamentos. O ser humano não se livrou da associação do sentimento de auto-estima ao significado do ter. Como herdeiros de romanos, as ampliações de espaços de vivência ou comercialização permanecem vivos como símbolos de poder sócio-econômico, oferecendo as condições essenciais para se sobrepor e subjugar os demais. É lamentável que o temor às leis punitivas não tenha armonado alguns ímpetos, essencialmente bárbaros, de tomar à força o que pertence a outros. Principalmente quando a terra é valorosa.
A correção do problema ultrapassa, em muito, os limites de qualquer legislação que pretenda coibir invasões em áreas públicas. Sobretudo em função de ter sido instalado, no decorrer dos anos, não só a certeza da impunidade, mas também o que já podemos chamar de mecanismo de regularização.
Se mais de dois mil anos não foram suficientes para ensinar o respeito ao que é coletivo, não será um mero século 21 que levará ao entendimento de que o inchamento exterior corresponde, apenas, ao vazio interior. Enfeita-se de adereços o esteticamente imperfeito.