A primeira reportagem de que tomei conhecimento sobre prática da “Grilagem” – isto faz muito tempo - denunciava as ocupações irregulares de terras da Amazônia.
O termo me pareceu obsceno no som e muito mais ainda no significado. A imagem imediata foi semelhante a uma das sete pragas do Egito, quando gafanhotos exterminavam tudo o que crescia sobre a terra.
As designações, idênticas em som, mas diferentes em signos, impressionam pela semelhança do resultado predatório.
O tempo passou desde aquelas primeiras incursões, mas a pilhagem do solo permaneceu e se adaptou às condições físicas e sócio-econômicas de cada local.
No entorno das Cidades Satélites de Brasília foram adotados meios muito semelhantes àqueles iniciais: o solo foi devastado e arrasado, mas as armas utilizadas se sofisticaram. Diferentemente do que acontecia na Amazônia, já não era necessário defender a pilhagem pelo uso de armas. O instrumento adotado foi a própria subdivisão das glebas e venda rápida das parcelas demarcadas.
Ninguém desconhece a histórica carência de imóveis residenciais no Distrito Federal. Esta enorme dificuldade não está na insuficiência da oferta, mas no valor do metro quadrado do solo. Neste contexto, o lote caro só pode ser economicamente viável se o retorno for compensativo.
A reprodução vertical do solo através da criação de pavimentos sucessivos e sua repartição em várias unidades imobiliárias independentes representam o princípio do “solo criado”. O que foi investido no solo nu retorna, compensativamente, na comercialização das unidades. Logo, a construção de apartamentos é lucrativa e quanto maior for o número de pavimentos, mas interessante se torna o produto. Contudo, mesmo nas construções mais altas e mais densas, o preço do imóvel é proibitivo para o cidadão comum.
A solução oferecida a muitos habitantes do Distrito Federal foi o lote irregularmente parcelado. Mais baratos e de dimensões na maioria dos casos razoáveis, necessitavam de rápida construção. Sempre sob o olhar de soslaio e bonachão do Poder Público que, curiosamente, não interferiu no processo. Sabe-se lá a razão.
Esta, que podemos chamar de Grilagem – I, sofreu uma série de movimentos evolutivos e descambou na Grilagem – II, quando os lotes de maiores dimensões foram subdivididos em vários outros sub-lotes, com suas divisas retorcidas, de formatos irregulares, determinadas ao bel – prazer dos interesses dos pós-grileiros.
Contemporâneas desta forma de apropriação são as invasões de área pública no entorno imediato de estabelecimentos comerciais. De há muito conhecidas, surgiram sob o pretexto da exigüidade de espaços internos para o exercício de suas atividades.
Impressionam pela forma como evoluíram.
Inicialmente, eram apenas cadeiras e mesas nas amplas calçadas públicas, como acontece em muitas brasileiras e em outras cidades do mundo, garantido o espaço livre para a circulação de pedestres. Esta ocorrência é extremamente positiva sob o ponto de vista da vitalidade urbana das áreas, agradável de ver e aprazível sob o aspecto da convivência.
Mas, em pouco tempo, as calçadas públicas foram inteiramente ocupadas por cadeiras e mesas, outra forma de ocupação, bloqueando a circulação dos passantes.
Há, ainda, as torres de circulação vertical, admitidas em área pública, que têm as escadas de emergência excluídas do cálculo do coeficiente de aproveitamento se, em vez de construídas em área pública, forem internas ao lote ou projeção. No mesmo bojo, são admitidas varandas, marquises e subsolos em área pública, sob a proteção legal.
Em síntese, as grilagens horizontais estão em processo de regularização e as verticais são permitidas em lei. Contestações destes processos encontram o argumento do inevitável crescimento (correto, quando devidamente planejado), da justificativa da criação de paisagem urbana com pontos referenciais marcados por edificações com diferentes características (correto, se não fosse a excessiva densidade demográfica e a impossibilidade de acesso ao cidadão comum). Há, ainda, o argumento do necessário progresso. Mas o progresso material deve atrelar-se, firmemente, ao desenvolvimento humano, respeitando os princípios intrínsecos ao ser – a cultura, o meio ambiente, a escala, a segurança, a leitura facilitada do espaço urbano, a mobilidade, a acessibilidade e outros requisitos imprescindíveis ao verdadeiro bem-estar social.