quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Breve História do Sistema Viário de Brasília

                           
            O planejamento urbano de Brasília observou, em quase a sua totalidade, os princípios básicos contidos no Relatório do Plano Piloto de Brasília proposto por Lúcio Costa.
            O Relatório prevê dois eixos ortogonais atravessando toda a cidade. Um na direção Norte/Sul e outro Leste/Oeste. O cruzamento entre ambos se dá onde foi construída a Estação Rodoviária de Brasília.
            Ao longo do eixo Norte/Sul foram previstas as áreas residenciais, as Superquadras, entremeadas pelos respectivos comércios locais. Considerando o seu objetivo simultâneo de acessar as superquadras e direcionar para as entradas e saídas da cidade, foi denominado como Eixo Rodoviário.
            O eixo Leste/Oeste interliga os principais órgãos das áreas administrativa, legislativa e judiciária (Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Palácio da Justiça). Na extremidade leste deste eixo foi implantado o sistema federal e a oeste, o sistema distrital. Por conter, às suas margens, as instituições mais significativas em nível nacional, concebidas por Niemeyer como monumentos, foi denominado Eixo Monumental.
            Como vias complementares, foram construídas, a oeste, as vias W3, W4 e W5 e, a leste, as vias L2, L3 e L4. Todas paralelas entre si e em relação ao Eixo Rodoviário.
            Da mesma forma, foram implantadas vias auxiliares paralelas ao Eixo Monumental.
            Logo no início da década de 1960, uma alteração ao plano de Lúcio Costa provocou a primeira mudança no sistema viário.
            Para toda a faixa de terra a oeste da via W3 Sul o plano original previa a destinação ao uso rural. Desta forma, pensava-se, estaria garantido o abastecimento da cidade. Em decorrência, as edificações ao longo da via W3 seriam destinadas a armazéns ou depósitos da produção.
            Mas, já em 1960, as áreas que seriam destinadas ao uso rural passaram ao uso residencial unifamiliar (Quadras 700). Do outro lado desta mesma via, portanto, as edificações não se destinaram a armazéns, mas a lojas nos térreos e salas comerciais nos pavimentos superiores.
            Assim, a via W3 Sul (a W3 Norte ainda não estava totalmente implantada) era considerada a rua de comércio do Plano Piloto, mesmo que apenas parcialmente ocupada.
            Por aquela época, o número de veículos existentes na cidade era irrelevante. O trânsito não despertava atenção, senão pelos retornos da W3, precedidos de faixas de desaceleração e sem qualquer semáforo. A população, proveniente de cidades grandes, exultava com aquele sistema que se auto controlava.
            Mas novos moradores chegaram e, naturalmente, a situação mudou. Mais carros passaram a circular por aquela via e os conflitos começaram a surgir, sobretudo nos cruzamentos. Em pouco tempo, noticiavam a implantação de semáforos – o que desgostou muito a população da época que viu sucumbir a brilhante ideia inicial.
            Paralelamente às residências das quadras 700 foi criado o Setor de Edifícios Públicos (SEP), destinado ao uso institucional. Nesta área, no início da década de 1960, a ocupação era muito reduzida. Na Asa Sul, apenas os colégios CASEB e Elefante Branco chamavam a atenção. As vias de acesso a esta área eram a W4 e W5 Sul. A via W4 acessava as residências e a W5 atendia o SEP/Sul.
            Mas, ao longo do tempo, numerosas edificações surgiram nesta área e os conflitos viários impuseram soluções. Foi então que se instalou o sistema binário – a via W5 encaminha para o sentido norte/sul e a W4 propicia o sul/norte.
            Outra alteração significativa surgiu com a construção dos Anexos dos Ministérios, paralelos ao Eixo Monumental.
            Inicialmente, apenas o Eixo Monumental dava acesso aos Ministérios. Mas os Anexos exigiram a  abertura de via própria de acesso, localizada entre eles e os Ministérios.
            Muitas outras modificações foram necessárias no decorrer do tempo. Mas para que fossem efetivamente implantadas foram realizados estudos e consultas, diante da legislação que prevê a preservação do Plano Urbanístico de Brasília.

            Obviamente, a dinâmica própria da cidade e do Distrito Federal  irá requerer novas intervenções. Isto será inevitável. Contudo o tombamento do Conjunto Urbanístico de Brasília, em nível nacional e mundial será, sempre, o principal instrumento balizador.

sexta-feira, 15 de julho de 2016

Pilotis – O Princípio Esquecido

                                          
            Os pilotis, elementos da maior expressividade na arquitetura residencial do Plano Piloto de Brasília, representaram significativa inovação positiva na linguagem adotada para o pavimento térreo das edificações.   
            Ao mesmo tempo em que liberou o solo para a livre circulação de pedestres por todos os espaços, integrando-se às áreas verdes e aos passeios públicos, também contribuiu com o princípio singular da liberdade visual do horizonte, alçando o bloco edificado como se pairasse no ar.
             A área livre sobre a construção é ocupada por jardins, por compartimentos de acesso aos pavimentos superiores, residência para zelador e eventual salão de festas.
             Como forma de garantir que todas as edificações obedecessem a esta tipologia, as normas urbanísticas estabeleceram a função dos pilotis, restringindo o seu uso à circulação de pedestres, à convivência e ao lazer. Definiu, ainda, a porcentagem máxima permitida para as vedações, estabeleceu o comprimento máximo de vedações e vedou a utilização como garagem de veículos.
            Nos edifícios com seis pavimentos ( superquadras 100 a 300, Norte e Sul), as garagens devem ocupar, obrigatoriamente, os subsolos, com acessos pelas extremidades da projeção. Nas Superquadras com três pavimentos (400, Norte e Sul), não são obrigatórios os subsolos. Mas os pilotis permaneceram com as mesmas destinações das demais Superquadras. Logo, não foi permitido o uso como garagem.
            Ainda no início da década de 1960, quando parte das Superquadras 400 estava concluída, alguns moradores confundiram aquele espaço como destinado a garagem por não haver subsolo nas edificações. Mas a atitude foi devidamente corrigida.
            A despeito da evolução significativa na concepção das Superquadras, ao que parece houve uma distorção na linguagem adotada.
            Do Código de Obras vigente nos anos de 1980 constava um artigo que proibia a reprodução dos elementos mais representativos da arquitetura monumental de Brasília. Impedia que fossem empregados os signos da peculiaridade das obras.
            Neste contexto, inclui-se a forma dos pilares do Palácio da Alvorada, as cúpulas e sua separação pelas lâminas verticais do Congresso Nacional, o tronco de pirâmide do Teatro Nacional, entre outros símbolos.
            Mas as formas das projeções e os pilotis do Plano Piloto, elementos que, igualmente, particularizam as áreas da Superquadras, não sofreram qualquer restrição quanto à aplicação em outros locais.
            No Cruzeiro Novo e em parte do Guará I, as projeções foram contempladas com esta linguagem arquitetônica.
            Contudo, em muitas cidades do Distrito Federal e até em quadras das Quadras 900 do Plano Piloto, enorme retrocesso se instalou.
            Por desconhecimento do profundo significado dos pilotis e sua intrínseca associação com a cota de soleira da edificação, em muitos casos os pilotis foram construídos abaixo ou acima da referida cota. A partir daí foram favorecidas duas circunstâncias:
1.     Os pilotis só podem ser acessados através de uma rampa externa, encravando-se um pavimento adicional (com destinação comercial).
2.     A cota de soleira, observada apenas no ponto de acesso ao lote, onde existe uma portaria, permitiu que os pilotis fossem relegados ao nível do subsolo, onde também foram instalados os acessos aos pavimentos superiores. Logo, a edificação não dispõe de térreo.
       Como complicador, o pedestre só chega a este nível depois de descer uma enorme escada logo após a referida portaria de acesso ao lote. Não existe rampa para acesso de pessoas com dificuldade de locomoção.


3.     Em ambos os casos os pilotis estão presentes. Mas de modo lamentável. Não passam e pilares da edificação, auxiliando na demarcação de vagas para veículos sob área coberta.
            A consequência deste desvio funcional é o inevitável conflito entre veículos e pedestres, trazido para dentro do lote, em detrimento das áreas para circulação, de convivência e lazer.
            Do ponto de vista estético é o mais completo desastre. A edificação perde a leveza, se assemelhando a um enorme volume assentado sobre uma pilha de carros.
            O Código de Edificações permite que as vagas estejam localizadas na superfície dos lotes. As normas urbanísticas exigem um número mínimo de vagas (conforme o uso presente), em superfície ou subsolo. Mas as normas de acessibilidade determinam que exista circulação de pedestres livre e desimpedida, referindo-se a pessoas com ou sem dificuldade de locomoção.

            A criação dos pilotis, significativo resgate do térreo das edificações, nunca teve o seu princípio suficientemente entendido. Ou, talvez, nunca se quis entende-lo.

terça-feira, 5 de abril de 2016

A Acessibilidade e as Áreas Centrais de Brasília

                         
            O conceito de acessibilidade refere-se, basicamente, às condições adequadas de circulação pelos diferentes locais de um núcleo urbano e entre núcleos urbanos de uma cidade.
            Muito se tem feito para possibilitar os acessos e a livre circulação isenta de barreiras arquitetônicas. Mas, curiosamente, no centro do Plano Piloto o conceito de acessibilidade perde a sua eficácia.
            O Plano Piloto, concebido na década de 1950, quando a busca pela renovação do traçado urbano sobrepujava os condicionantes especificamente humanos, com suas muitas limitações físicas, o relevo da proposta incidiu mais na grandiosidade plástica e formal do que, convenhamos, na qualidade dos percursos de pedestres.
            A concepção urbanística de todo o Plano Piloto foi centrada na Estação Rodoviária de Brasília.
            Proposta absolutamente inovadora sob os aspectos da interelação entre forma, função e acessos ao entorno próximo e remoto, aquela estrutura marca o centro físico do Plano Piloto. De sua base inferior partem os Eixos Monumental e Rodoviário, que cortam a cidade nos sentidos Norte-Sul e Leste-Oeste.
            Implantada em três pavimentos, surpreende pela audácia de ter sido escolhido um marco rodoviário como função centralizadora da capital do país. O que sempre se viu foi o afastamento desta função relativamente às demais atividades urbanas.
            Por sua própria natureza constitui-se em poderoso polo gerador de tráfego, não apenas por sua função,  mas, sobretudo, por ser o elemento urbano direcionador da maioria dos fluxos de veículos que demandam tanto as áreas vizinhas quanto as mais distantes.
            Para que este marco fosse implantado, grandes movimentos de terra foram executados. Esta providência nivelou o térreo com os acessos aos eixos monumental e rodoviário e o terceiro pavimento  com os Setores de Diversões Norte e Sul e suas respectivas vias de acesso.
            Contudo, problemas de acessibilidade, específicos de pedestres, surgiram e se mantiveram.
            Nas proximidades do Setor de Diversões Norte, onde foi construído um dos shoppings mais antigos de Brasília, encontra-se o Setor Hoteleiro Norte. Apesar da relativa proximidade entre os dois setores, entre estas duas áreas formou-se um enorme talude com cerca de dez metros de altura. A sua transposição pelos pedestres que saem dos hotéis em direção ao shopping só é possível através de duas alternativas: ou contornam o talude, numa caminhada considerável, ou descem por uma escada acoplada ao talude, desafiadora de crianças e idosos e proibitiva para pessoas com deficiência de locomoção.
            Outro local igualmente perturbador do ponto de vista da acessibilidade é o Setor Bancário Sul.
            Construído à margem Leste do Eixo  Rodoviário Sul e próximo à Rodoviária, teve as cotas de soleiras das edificações tomadas a partir do nível do Eixo. Em consequência, um talude também muito alto se formou nas bordas do platô onde as edificações foram implantadas.
            O pedestre que sair do térreo destas edificações e atingir o vizinho Eixo Monumental precisa aventurar-se por escada igualmente acoplada ao talude.
            Entretanto, através de veículos tudo é muito fácil e rápido.
            Surpreende, diante do conceito de acessibilidade, que estas barreiras estejam no centro do Plano Piloto. Mas entende-se, diante do momento histórico da implantação da cidade – época em que a indústria automobilística começava a se firmar num Brasil que, até então, andava a pé.
              

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Mas Que Brasília é Essa?

                                             
                 Desde há muito tempo leio, vejo e ouço comentários e declarações  emitidas até por alguns insignes representantes de nossa cultura nacional tratando Brasília como um mero caldeirão de desmandos, arrogância e corrupção.
                Mas que Brasília é essa que tanto enxovalham e atribuem nódoas indeléveis, desrespeitando os seus habitantes?
                Afirmar que Brasília é simples local de âmbito político significa absoluto desconhecimento de suas raízes, maneira de ser e amplitude de sua dinâmica como núcleo urbano onde vivem milhões de pessoas igualmente atormentadas pelos absurdos originados em meios que nada têm a ver com a sua população.
                Afirmações desta natureza são flácidas de significado, vazias por si sós, na medida em que revelam carência de conhecimentos sobre o caráter peculiar da cidade – a imensa maioria daqueles que aqui chegaram, nas décadas de 1950 e 1960, não era formada por políticos. Eram, sim, pessoas que aqui vieram trabalhar em diversas atividades, desde servidores públicos até comerciantes e construtores.
                Pessoas que ensinaram a seus filhos princípios comuns como o respeito aos demais, às coisas que pertenciam aos outros, fossem patrimônio público ou privado.
                Mas também ensinaram coisas incomuns, que em Brasília seria conhecimento transmitido: A admiração pela beleza dos traços curvos dos monumentos de Niemeyer, estimulando-os a tocar aquelas formas, a senti-las, introjetando-as no eu mais profundo.
                Também ensinaram os caminhos para a familiarização com o traçado urbano de Lúcio Costa, a usar respeitosamente os amplos espaços livres das superquadras e esticar a o olhar na direção do horizonte.
                Apesar dos problemas introduzidos no espaço urbano de Brasília, como as agressões dos assaltos, das drogas e do excesso de veículos nas ruas, entre muitos que atormentam seus habitantes, Brasília é uma cidade implantada por projeto urbanístico e ocupada por projetos arquitetônicos, mas, acima de tudo, construída por seus moradores. Pessoas que aqui moram, trabalham, estudam, amam, têm filhos, enfim,  como acontece em qualquer cidade brasileira.
                Os desmandos e abusos ocorrem no pequeno âmbito da politicagem descontrolada. Não é mácula que se amplie sobre a população.
                Se a capital brasileira não fosse aqui, os problemas estariam em outro local. Não seria justo que os atribuíssemos aos moradores daquela cidade.
                Portanto, livrem-nos dos comentários e declarações que não fazem justiça com a nossa população e à grandiosidade de nossa arquitetura e urbanismo.
                Considerando que os nossos habitantes são provenientes de todas as unidades da federação brasileira, é possível utilizar alguns termos  regionais, muito conhecidos por aqui, para expressar a minha indignação:

                Ôxxxi! ViXXXi! Eita! Uai! Cruzes! Ninguém Merece! Pensa num absurdo! Affe Maria, que isso! Se Ajeitem! Tomem Tento!