Os pilotis,
elementos da maior expressividade na arquitetura residencial do Plano Piloto de
Brasília, representaram significativa inovação positiva na linguagem adotada
para o pavimento térreo das edificações.
Ao mesmo
tempo em que liberou o solo para a livre circulação de pedestres por todos os
espaços, integrando-se às áreas verdes e aos passeios públicos, também
contribuiu com o princípio singular da liberdade visual do horizonte, alçando o
bloco edificado como se pairasse no ar.
A área livre sobre a construção é ocupada por
jardins, por compartimentos de acesso aos pavimentos superiores, residência
para zelador e eventual salão de festas.
Como forma de garantir que todas as
edificações obedecessem a esta tipologia, as normas urbanísticas estabeleceram
a função dos pilotis, restringindo o seu uso à circulação de pedestres, à
convivência e ao lazer. Definiu, ainda, a porcentagem máxima permitida para as
vedações, estabeleceu o comprimento máximo de vedações e vedou a utilização
como garagem de veículos.
Nos
edifícios com seis pavimentos ( superquadras 100 a 300, Norte e Sul), as
garagens devem ocupar, obrigatoriamente, os subsolos, com acessos pelas
extremidades da projeção. Nas Superquadras com três pavimentos (400, Norte e
Sul), não são obrigatórios os subsolos. Mas os pilotis permaneceram com as
mesmas destinações das demais Superquadras. Logo, não foi permitido o uso como
garagem.
Ainda no
início da década de 1960, quando parte das Superquadras 400 estava concluída,
alguns moradores confundiram aquele espaço como destinado a garagem por não
haver subsolo nas edificações. Mas a atitude foi devidamente corrigida.
A despeito
da evolução significativa na concepção das Superquadras, ao que parece houve
uma distorção na linguagem adotada.
Do Código de
Obras vigente nos anos de 1980 constava um artigo que proibia a reprodução dos
elementos mais representativos da arquitetura monumental de Brasília. Impedia
que fossem empregados os signos da peculiaridade das obras.
Neste
contexto, inclui-se a forma dos pilares do Palácio da Alvorada, as cúpulas e
sua separação pelas lâminas verticais do Congresso Nacional, o tronco de
pirâmide do Teatro Nacional, entre outros símbolos.
Mas as formas
das projeções e os pilotis do Plano Piloto, elementos que, igualmente,
particularizam as áreas da Superquadras, não sofreram qualquer restrição quanto
à aplicação em outros locais.
No Cruzeiro
Novo e em parte do Guará I, as projeções foram contempladas com esta linguagem
arquitetônica.
Contudo, em
muitas cidades do Distrito Federal e até em quadras das Quadras 900 do Plano
Piloto, enorme retrocesso se instalou.
Por
desconhecimento do profundo significado dos pilotis e sua intrínseca associação
com a cota de soleira da edificação, em muitos casos os pilotis foram
construídos abaixo ou acima da referida cota. A partir daí foram favorecidas duas
circunstâncias:
1. Os pilotis só podem ser acessados através
de uma rampa externa, encravando-se um pavimento adicional (com destinação
comercial).
2. A cota de soleira, observada apenas
no ponto de acesso ao lote, onde existe uma portaria, permitiu que os pilotis
fossem relegados ao nível do subsolo, onde também foram instalados os acessos
aos pavimentos superiores. Logo, a edificação não dispõe de térreo.
Como complicador, o pedestre só chega a este
nível depois de descer uma enorme escada logo após a referida portaria de
acesso ao lote. Não existe rampa para acesso de pessoas com dificuldade de
locomoção.
3. Em ambos os casos os pilotis estão
presentes. Mas de modo lamentável. Não passam e pilares da edificação, auxiliando
na demarcação de vagas para veículos sob área coberta.
A
consequência deste desvio funcional é o inevitável conflito entre veículos e
pedestres, trazido para dentro do lote, em detrimento das áreas para
circulação, de convivência e lazer.
Do ponto de
vista estético é o mais completo desastre. A edificação perde a leveza, se
assemelhando a um enorme volume assentado sobre uma pilha de carros.
O Código de
Edificações permite que as vagas estejam localizadas na superfície dos lotes.
As normas urbanísticas exigem um número mínimo de vagas (conforme o uso
presente), em superfície ou subsolo. Mas as normas de acessibilidade determinam
que exista circulação de pedestres livre e desimpedida, referindo-se a pessoas
com ou sem dificuldade de locomoção.
A criação
dos pilotis, significativo resgate do térreo das edificações, nunca teve o seu
princípio suficientemente entendido. Ou, talvez, nunca se quis entende-lo.