sexta-feira, 15 de julho de 2016

Pilotis – O Princípio Esquecido

                                          
            Os pilotis, elementos da maior expressividade na arquitetura residencial do Plano Piloto de Brasília, representaram significativa inovação positiva na linguagem adotada para o pavimento térreo das edificações.   
            Ao mesmo tempo em que liberou o solo para a livre circulação de pedestres por todos os espaços, integrando-se às áreas verdes e aos passeios públicos, também contribuiu com o princípio singular da liberdade visual do horizonte, alçando o bloco edificado como se pairasse no ar.
             A área livre sobre a construção é ocupada por jardins, por compartimentos de acesso aos pavimentos superiores, residência para zelador e eventual salão de festas.
             Como forma de garantir que todas as edificações obedecessem a esta tipologia, as normas urbanísticas estabeleceram a função dos pilotis, restringindo o seu uso à circulação de pedestres, à convivência e ao lazer. Definiu, ainda, a porcentagem máxima permitida para as vedações, estabeleceu o comprimento máximo de vedações e vedou a utilização como garagem de veículos.
            Nos edifícios com seis pavimentos ( superquadras 100 a 300, Norte e Sul), as garagens devem ocupar, obrigatoriamente, os subsolos, com acessos pelas extremidades da projeção. Nas Superquadras com três pavimentos (400, Norte e Sul), não são obrigatórios os subsolos. Mas os pilotis permaneceram com as mesmas destinações das demais Superquadras. Logo, não foi permitido o uso como garagem.
            Ainda no início da década de 1960, quando parte das Superquadras 400 estava concluída, alguns moradores confundiram aquele espaço como destinado a garagem por não haver subsolo nas edificações. Mas a atitude foi devidamente corrigida.
            A despeito da evolução significativa na concepção das Superquadras, ao que parece houve uma distorção na linguagem adotada.
            Do Código de Obras vigente nos anos de 1980 constava um artigo que proibia a reprodução dos elementos mais representativos da arquitetura monumental de Brasília. Impedia que fossem empregados os signos da peculiaridade das obras.
            Neste contexto, inclui-se a forma dos pilares do Palácio da Alvorada, as cúpulas e sua separação pelas lâminas verticais do Congresso Nacional, o tronco de pirâmide do Teatro Nacional, entre outros símbolos.
            Mas as formas das projeções e os pilotis do Plano Piloto, elementos que, igualmente, particularizam as áreas da Superquadras, não sofreram qualquer restrição quanto à aplicação em outros locais.
            No Cruzeiro Novo e em parte do Guará I, as projeções foram contempladas com esta linguagem arquitetônica.
            Contudo, em muitas cidades do Distrito Federal e até em quadras das Quadras 900 do Plano Piloto, enorme retrocesso se instalou.
            Por desconhecimento do profundo significado dos pilotis e sua intrínseca associação com a cota de soleira da edificação, em muitos casos os pilotis foram construídos abaixo ou acima da referida cota. A partir daí foram favorecidas duas circunstâncias:
1.     Os pilotis só podem ser acessados através de uma rampa externa, encravando-se um pavimento adicional (com destinação comercial).
2.     A cota de soleira, observada apenas no ponto de acesso ao lote, onde existe uma portaria, permitiu que os pilotis fossem relegados ao nível do subsolo, onde também foram instalados os acessos aos pavimentos superiores. Logo, a edificação não dispõe de térreo.
       Como complicador, o pedestre só chega a este nível depois de descer uma enorme escada logo após a referida portaria de acesso ao lote. Não existe rampa para acesso de pessoas com dificuldade de locomoção.


3.     Em ambos os casos os pilotis estão presentes. Mas de modo lamentável. Não passam e pilares da edificação, auxiliando na demarcação de vagas para veículos sob área coberta.
            A consequência deste desvio funcional é o inevitável conflito entre veículos e pedestres, trazido para dentro do lote, em detrimento das áreas para circulação, de convivência e lazer.
            Do ponto de vista estético é o mais completo desastre. A edificação perde a leveza, se assemelhando a um enorme volume assentado sobre uma pilha de carros.
            O Código de Edificações permite que as vagas estejam localizadas na superfície dos lotes. As normas urbanísticas exigem um número mínimo de vagas (conforme o uso presente), em superfície ou subsolo. Mas as normas de acessibilidade determinam que exista circulação de pedestres livre e desimpedida, referindo-se a pessoas com ou sem dificuldade de locomoção.

            A criação dos pilotis, significativo resgate do térreo das edificações, nunca teve o seu princípio suficientemente entendido. Ou, talvez, nunca se quis entende-lo.