Setorizar significa subdividir uma área em seções. Esta área
pode ser de grandes dimensões, como toda a extensão territorial de uma cidade e
pode, também, referir-se a uma edificação.
Setorizamos quando estabelecemos, na cidade, quais usos e
atividades podem coexistir na mesma vizinhança e quais áreas podem coexistir em
estreita relação de proximidade, cada qual com os seus usos e atividades a elas
inerentes.
Da mesma forma, uma edificação, por menor que seja, sofre
setorização de seu espaço interno, observando as mesmas relações de proximidade
entre funções.
Neste âmbito, a setorização assume a designação de programa
arquitetônico. É a distribuição espacial coerente com o modo como se deseja que
aquele todo funcione, baseado no que é legal, cultural e psicologicamente
aceitável.
Em qualquer lugar do mundo a setorização é indispensável.
Especificamente no caso do Brasil, a distribuição setorizada das funções
urbanas se mostra nítida desde o período colonial, quando havia um favorecimento
especial à localização da Igreja, sempre implantada em posição de relevo,
isolada, centralizada e proeminente em relação às edificações residenciais. À sua
frente sempre havia uma grande praça. Nas suas proximidades só eram admitidas
edificações governamentais, numa clara referência às profundas interligações
entre Igreja e Estado.
No caso do Plano Piloto de Brasília, o princípio da
setorização foi significativamente ampliado. Mas sem grandes arroubos em
relação ao que já havia nas grandes cidades brasileiras. Apenas se estendeu o
que se delineava na antiga Capital, o
Rio de Janeiro.
Na organização do Plano Piloto, o destaque das funções
governamentais se procedeu quando as sedes dos órgãos federais, Executivo,
Legislativo e Judiciário, foram implantadas numa extremidade do Eixo Monumental
e as sedes dos órgãos do Governo Distrital, na extremidade oposta do mesmo
Eixo.
A Catedral Metropolitana de Brasília, embora coexista no
mesmo conjunto arquitetônico das edificações federais, já não ocupa condição de
centralidade. Apenas participa do conjunto, destacando-se por dois fatores:
Pela excepcionalidade da sua forma arquitetônica e por sua proximidade com a
Estação Rodoviária. Se pelo lado Leste se aproxima do Poder Governamental, pelo
lado Oeste se aproxima do local por onde circula a população.
Podemos então afirmar que a edificação destinada à Igreja
não perdeu a sua condição de destaque, embora não seja o elemento principal. A
centralidade do Conjunto Arquitetônico fica por conta da edificação onde
funciona o Congresso Nacional.
As edificações residenciais foram distribuídas, ordenadamente,
pelas Asas Norte e Sul, ao longo dos Eixos Rodoviários, W/3 e L/2. Sob o
aspecto desses conjuntos de edificações, denominados como Superquadras, a
setorização foi bem acentuada.
Evidentemente, as edificações residenciais, no Brasil,
sempre foram reunidas, ou setorizadas, obedecendo ao que se chama de
quarteirões. Contudo, em muitos casos são entremeadas por edificações
comerciais.
No Plano Piloto de Brasília, os blocos residenciais que
constituem as Superquadras obedeceram ao princípio dos Pilotis livres de
fechamentos exceto os próprios acessos verticais e eventual salão de festas e
pequena residência para zelador. Portanto, não é admitido o uso comercial no
interior das Superquadras.
Contudo, foram previstas áreas contíguas às Superquadras
destinadas, exclusivamente, ao uso comercial, denominadas Comércio Local.
De acordo com o Plano de Lúcio Costa, este comércio tinha o
objetivo de atender apenas as Superquadras vizinhas. Mas, desde o início da
implantação do Plano Piloto, esta meta não se concretizou. O Comércio Local
sempre foi utilizado por toda a população, não se restringindo à localidade
onde se insere.
Na verdade, o princípio da setorização no Plano Piloto tem
sido observado apenas em decorrência da robustez da legislação aplicável. Ainda
no início da década de 1960, grandes alterações já se produziam:
. No Comércio Local, onde o uso deveria ser exclusivamente
comercial, o segundo pavimento, obrigatoriamente destinado a sobreloja,
portanto complemento da loja, rapidamente teve o seu objetivo alterado.
Multiplicavam-se as famílias residentes naqueles locais,
havendo até mudança do local de acesso às escadas, voltando-os para o exterior
da loja. E naquela época os projetos arquitetônicos eram fornecidos
gratuitamente pelo governo, constando de escadas internas às lojas para acesso
às sobrelojas.
.Nas edificações paralelas à W/3 Sul, de uso igualmente
comercial, o mesmo fenômeno se produziu e logo se estendeu para a W/3 Norte.
Na atualidade, além desses desvio, existem outros desvios:
. Na faixa das quadras 900, Norte e Sul, onde as edificações
deveriam ter uso institucional ou de prestação de serviços, multiplicam -se
residências – as quitinetes.
. No Setor Hoteleiro Norte existe edificação inteiramente
ocupada por quitinetes, onde deveria ser hospedagem.
. Residências unifamiliares localizadas ao longo da W/3 Sul
são transformadas em pensões ou subdivididas para ocupação por duas ou mais
famílias.
. Residências para zeladores, nos pilotis dos blocos das
Superquadras, são alugadas para terceiros.
Muitos outros casos existem, sempre relacionados à
implantação do uso residencial. As razões são bem óbvias: A carência de áreas
residenciais; Os altíssimos preços praticados; A necessidade das pessoas de
morar próximo ao trabalho, sobretudo considerando que o conceito de Cidade
Satélite foi levado às últimas consequências, transformando estes núcleos
urbanos em “cidades dormitórios”.
Os problemas decorrentes desta imprevisibilidade geraram
danos que o Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT) pretende amenizar,
revertendo a forte pressão sobre o Plano Piloto, levando estruturas de empregos
para as outras cidades do Distrito Federal, além de uma melhor interação com o
entorno, propondo novas áreas residenciais no DF como forma de atenuar o déficit
habitacional.
Considerando que o ordenamento urbano e territorial é
essência, não se pode aceitar que a mistura de usos e atividades, como é o caso
de muitas edificações no Plano Piloto e em cidades próximas, passem a ser regra
depois que foram exceções por desrespeito à legislação em vigor.
Muitos problemas
advêm dessa estreita proximidade de usos, como ruídos, tráfego intenso de
veículos e, em muitos casos, acúmulos de detritos, condição não desejável para
o uso residencial.
Na verdade, há que se reconhecer que a setorização do Plano
Piloto, até hoje, não foi bem compreendida, não teve o seu significado
inteiramente alcançado.