segunda-feira, 17 de abril de 2017

Breve História da Setorização em Brasília

              
         Setorizar significa subdividir uma área em seções. Esta área pode ser de grandes dimensões, como toda a extensão territorial de uma cidade e pode, também, referir-se a uma edificação.
         Setorizamos quando estabelecemos, na cidade, quais usos e atividades podem coexistir na mesma vizinhança e quais áreas podem coexistir em estreita relação de proximidade, cada qual com os seus usos e atividades a elas inerentes.
         Da mesma forma, uma edificação, por menor que seja, sofre setorização de seu espaço interno, observando as mesmas relações de proximidade entre funções.
         Neste âmbito, a setorização assume a designação de programa arquitetônico. É a distribuição espacial coerente com o modo como se deseja que aquele todo funcione, baseado no que é legal, cultural e psicologicamente aceitável.
         Em qualquer lugar do mundo a setorização é indispensável. Especificamente no caso do Brasil, a distribuição setorizada das funções urbanas se mostra nítida desde o período colonial, quando havia um favorecimento especial à localização da Igreja, sempre implantada em posição de relevo, isolada, centralizada e proeminente em relação às edificações residenciais. À sua frente sempre havia uma grande praça. Nas suas proximidades só eram admitidas edificações governamentais, numa clara referência às profundas interligações entre Igreja e Estado.
         No caso do Plano Piloto de Brasília, o princípio da setorização foi significativamente ampliado. Mas sem grandes arroubos em relação ao que já havia nas grandes cidades brasileiras. Apenas se estendeu o que se delineava na antiga Capital,  o Rio de Janeiro.
         Na organização do Plano Piloto, o destaque das funções governamentais se procedeu quando as sedes dos órgãos federais, Executivo, Legislativo e Judiciário, foram implantadas numa extremidade do Eixo Monumental e as sedes dos órgãos do Governo Distrital, na extremidade oposta do mesmo Eixo.
         A Catedral Metropolitana de Brasília, embora coexista no mesmo conjunto arquitetônico das edificações federais, já não ocupa condição de centralidade. Apenas participa do conjunto, destacando-se por dois fatores: Pela excepcionalidade da sua forma arquitetônica e por sua proximidade com a Estação Rodoviária. Se pelo lado Leste se aproxima do Poder Governamental, pelo lado Oeste se aproxima do local por onde circula a população.
         Podemos então afirmar que a edificação destinada à Igreja não perdeu a sua condição de destaque, embora não seja o elemento principal. A centralidade do Conjunto Arquitetônico fica por conta da edificação onde funciona o Congresso Nacional.
         As edificações residenciais foram distribuídas, ordenadamente, pelas Asas Norte e Sul, ao longo dos Eixos Rodoviários, W/3 e L/2. Sob o aspecto desses conjuntos de edificações, denominados como Superquadras, a setorização foi bem acentuada.
         Evidentemente, as edificações residenciais, no Brasil, sempre foram reunidas, ou setorizadas, obedecendo ao que se chama de quarteirões. Contudo, em muitos casos são entremeadas por edificações comerciais.
         No Plano Piloto de Brasília, os blocos residenciais que constituem as Superquadras obedeceram ao princípio dos Pilotis livres de fechamentos exceto os próprios acessos verticais e eventual salão de festas e pequena residência para zelador. Portanto, não é admitido o uso comercial no interior das Superquadras.
         Contudo, foram previstas áreas contíguas às Superquadras destinadas, exclusivamente, ao uso comercial, denominadas Comércio Local.
         De acordo com o Plano de Lúcio Costa, este comércio tinha o objetivo de atender apenas as Superquadras vizinhas. Mas, desde o início da implantação do Plano Piloto, esta meta não se concretizou. O Comércio Local sempre foi utilizado por toda a população, não se restringindo à localidade onde se insere.
         Na verdade, o princípio da setorização no Plano Piloto tem sido observado apenas em decorrência da robustez da legislação aplicável. Ainda no início da década de 1960, grandes alterações já se produziam:
         . No Comércio Local, onde o uso deveria ser exclusivamente comercial, o segundo pavimento, obrigatoriamente destinado a sobreloja, portanto complemento da loja, rapidamente teve o seu objetivo alterado.
         Multiplicavam-se as famílias residentes naqueles locais, havendo até mudança do local de acesso às escadas, voltando-os para o exterior da loja. E naquela época os projetos arquitetônicos eram fornecidos gratuitamente pelo governo, constando de escadas internas às lojas para acesso às sobrelojas.
         .Nas edificações paralelas à W/3 Sul, de uso igualmente comercial, o mesmo fenômeno se produziu e logo se estendeu para a W/3 Norte.
         Na atualidade, além desses desvio, existem outros desvios:
         . Na faixa das quadras 900, Norte e Sul, onde as edificações deveriam ter uso institucional ou de prestação de serviços, multiplicam -se residências – as quitinetes.
         . No Setor Hoteleiro Norte existe edificação inteiramente ocupada por quitinetes, onde deveria ser hospedagem.
         . Residências unifamiliares localizadas ao longo da W/3 Sul são transformadas em pensões ou subdivididas para ocupação por duas ou mais famílias.
         . Residências para zeladores, nos pilotis dos blocos das Superquadras, são alugadas para terceiros.

         Muitos outros casos existem, sempre relacionados à implantação do uso residencial. As razões são bem óbvias: A carência de áreas residenciais; Os altíssimos preços praticados; A necessidade das pessoas de morar próximo ao trabalho, sobretudo considerando que o conceito de Cidade Satélite foi levado às últimas consequências, transformando estes núcleos urbanos em “cidades dormitórios”.
         Os problemas decorrentes desta imprevisibilidade geraram danos que o Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT) pretende amenizar, revertendo a forte pressão sobre o Plano Piloto, levando estruturas de empregos para as outras cidades do Distrito Federal, além de uma melhor interação com o entorno, propondo novas áreas residenciais no DF como forma de atenuar o déficit habitacional.
         Considerando que o ordenamento urbano e territorial é essência, não se pode aceitar que a mistura de usos e atividades, como é o caso de muitas edificações no Plano Piloto e em cidades próximas, passem a ser regra depois que foram exceções por desrespeito à legislação em vigor.
          Muitos problemas advêm dessa estreita proximidade de usos, como ruídos, tráfego intenso de veículos e, em muitos casos, acúmulos de detritos, condição não desejável para o uso residencial.

         Na verdade, há que se reconhecer que a setorização do Plano Piloto, até hoje, não foi bem compreendida, não teve o seu significado inteiramente alcançado.