Quando somos introduzidos ao conhecimento da arquitetura e
do urbanismo, todo um arcabouço técnico se apresenta, passo a passo,
construindo-se em nossas mentes a razão de ser e o modo de operação intrínseco
a este conhecimento.
Aprendemos o que é correto, o que não é aceitável e o que é
factível com restrições.
Ajustamos os princípios, os conceitos, as experiências
válidas e mesmo as sofríveis ao percurso em direção às nossas metas ou
diretrizes de atuação.
Os elementos teóricos e suas múltiplas interações são
acondicionados em nossa bagagem. De certa foram, tudo isso exerce, queiramos ou
não, uma função orientadora de nossas decisões posteriores, não apenas
profissionais, mas também como substrato
da capacidade analítica das multifaces vivenciadas em diversas
circunstâncias.
O binômio teoria/prática, infelizmente, nem sempre implica
em convivência pacífica entre os dois modos que, na verdade, deveriam ser
complementares.
O contato com a prática é, muitas vezes, impactante.
Constatar o quanto a realidade afasta-se da teoria – não sempre, mas é
acontecimento de irritante frequência – nos impele à avaliação de que o objeto
estudado não é o mesmo com o que nos deparamos.
Mas qual a razão deste distanciamento tão chocante?
Certamente a resposta encontra-se na subordinação da
arquitetura e do urbanismo aos condicionantes econômico-políticos que permeiam
as realizações humanas, seja qual for o ramo do conhecimento.
Especialmente no caso brasileiro, para o sistema vigente
muito mais importam a redução de gastos e o máximo lucro. Este é um problema
que se inicia desde o momento da definição urbana.
Por mais que nos empenhemos para implantar estruturas que
atendam da melhor forma possível o morador ou o usuário de determinado núcleo, existe
a forte interferência dos fatores econômicos e políticos que se impõe de forma
sombria. Existem situações em que foi alcançada proposta de excelente nível,
mas que, posteriormente, sofreram modificações frustrantes em razão de
interesses econômicos e políticos agressivos.
Para citar uma ocorrência muito frequente nas cidades brasileiras,
vamos nos referir à questão da insolação e o desconforto ambiental resultante.
O Brasil é país, em grande parte de seu território,
permanentemente sujeito às altas temperaturas. Isto resulta de seu
posicionamento geográfico.
Não apenas por este motivo, mas também em função de outros
fatores convergentes, existe a preocupação corrente nos cursos de arquitetura
em acentuar o conhecimento que associa
os elementos ambientais às características da obra. Este estudo aprofunda-se na
análise das diferentes fases do ano e suas alterações nas condições de ventilação,
iluminação e insolação.
O propósito deste aprofundamento é favorecer a criação de
condições satisfatórias no interior da edificação, considerada a necessidade de
garantir bem estar aos usuários. Ou seja, o foco é a condição humana, de acordo
com as diferentes funções exercidas naquele local.
O arcabouço teórico é de inegável valor. Mas e a prática?
Abordando o caso específico de Brasília, podemos afirmar que
a frustração remonta ao seu princípio.
O projeto urbanístico do Plano Piloto previu a criação de
Superquadras ao longo das Asas Norte e Sul. Em ambas as Asas, as Superquadras possuem
número constante de blocos residenciais, localizados, em todas as unidades, de
forma muito semelhante. As fachadas são voltadas para Norte/Sul ou Leste/Oeste,
de acordo com o posicionamento de cada bloco dentro do conjunto da Superquadra.
Ocorre, entretanto, que viver em edificação com fachada
voltada para Oeste é muito difícil. Os princípios estabelecidos para a garantia
do conforto ambiental são inexistentes. As tardes são insuportáveis, sobretudo
nos meses de seca ( aproximadamente, de Maio a Setembro).
Paliativos são usados pelos usuários como forma de diminuir
o desconforto.
O Código de Edificações do Distrito Federal, de certa forma,
“sugere” soluções: Toldos nas janelas, brises de proteção solar e pérgulas no
nível do solo. Mas são apenas “analgésicos” que não solucionam a questão básica
do projeto urbanístico, que não incluiu entre os seus condicionantes o conforto
ambiental associado à insolação.
Algumas destas edificações mais antigas, é verdade, foram
construídas com recuo nas fachadas, já dispondo da solução desde o projeto
arquitetônico. Contudo, recuos de fachadas são, hoje, impensáveis. O valor de
uma projeção é extraordinário, portanto, recuar significaria perda de área
construída. Logo, o condicionante econômico impõe-se aos projetos urbanístico e
arquitetônico, além da política governamental que tem por objetivo econômico a venda da projeção.
Muitas outras situações podem ser enumeradas. Mas,
certamente, nenhuma superaria essa questão fundamental que nasce no projeto
urbanístico e fere gravemente o projeto arquitetônico.
Ao urbanista e ao arquiteto resta, apenas, fazer o melhor
possível, transitando pelos meandros das dicotomias irreconciliáveis.