quarta-feira, 20 de setembro de 2017

O Urbanismo, A Arquitetura e As Dicotomias

              
         Quando somos introduzidos ao conhecimento da arquitetura e do urbanismo, todo um arcabouço técnico se apresenta, passo a passo, construindo-se em nossas mentes a razão de ser e o modo de operação intrínseco a este conhecimento.
         Aprendemos o que é correto, o que não é aceitável e o que é factível com restrições.
         Ajustamos os princípios, os conceitos, as experiências válidas e mesmo as sofríveis ao percurso em direção às nossas metas ou diretrizes de atuação.
         Os elementos teóricos e suas múltiplas interações são acondicionados em nossa bagagem. De certa foram, tudo isso exerce, queiramos ou não, uma função orientadora de nossas decisões posteriores, não apenas profissionais, mas também como substrato  da capacidade analítica das multifaces vivenciadas em diversas circunstâncias.
         O binômio teoria/prática, infelizmente, nem sempre implica em convivência pacífica entre os dois modos que, na verdade, deveriam ser complementares.
         O contato com a prática é, muitas vezes, impactante. Constatar o quanto a realidade afasta-se da teoria – não sempre, mas é acontecimento de irritante frequência – nos impele à avaliação de que o objeto estudado não é o mesmo com o que nos deparamos.
         Mas qual a razão deste distanciamento tão chocante?
         Certamente a resposta encontra-se na subordinação da arquitetura e do urbanismo aos condicionantes econômico-políticos que permeiam as realizações humanas, seja qual for o ramo do conhecimento.
         Especialmente no caso brasileiro, para o sistema vigente muito mais importam a redução de gastos e o máximo lucro. Este é um problema que se inicia desde o momento da definição urbana.
         Por mais que nos empenhemos para implantar estruturas que atendam da melhor forma possível o morador ou o usuário de determinado núcleo, existe a forte interferência dos fatores econômicos e políticos que se impõe de forma sombria. Existem situações em que foi alcançada proposta de excelente nível, mas que, posteriormente, sofreram modificações frustrantes em razão de interesses econômicos e políticos agressivos.
         Para citar uma ocorrência muito frequente nas cidades brasileiras, vamos nos referir à questão da insolação e o desconforto ambiental resultante.
         O Brasil é país, em grande parte de seu território, permanentemente sujeito às altas temperaturas. Isto resulta de seu posicionamento geográfico.
         Não apenas por este motivo, mas também em função de outros fatores convergentes, existe a preocupação corrente nos cursos de arquitetura em acentuar  o conhecimento que associa os elementos ambientais às características da obra. Este estudo aprofunda-se na análise das diferentes fases do ano e suas alterações nas condições de ventilação, iluminação e insolação.
         O propósito deste aprofundamento é favorecer a criação de condições satisfatórias no interior da edificação, considerada a necessidade de garantir bem estar aos usuários. Ou seja, o foco é a condição humana, de acordo com as diferentes funções exercidas naquele local.
         O arcabouço teórico é de inegável valor. Mas e a prática?
         Abordando o caso específico de Brasília, podemos afirmar que a frustração remonta ao seu princípio.
         O projeto urbanístico do Plano Piloto previu a criação de Superquadras ao longo das Asas Norte e Sul. Em ambas as Asas, as Superquadras possuem número constante de blocos residenciais, localizados, em todas as unidades, de forma muito semelhante. As fachadas são voltadas para Norte/Sul ou Leste/Oeste, de acordo com o posicionamento de cada bloco dentro do conjunto da Superquadra.
         Ocorre, entretanto, que viver em edificação com fachada voltada para Oeste é muito difícil. Os princípios estabelecidos para a garantia do conforto ambiental são inexistentes. As tardes são insuportáveis, sobretudo nos meses de seca ( aproximadamente, de Maio a Setembro).
         Paliativos são usados pelos usuários como forma de diminuir o desconforto.
         O Código de Edificações do Distrito Federal, de certa forma, “sugere” soluções: Toldos nas janelas, brises de proteção solar e pérgulas no nível do solo. Mas são apenas “analgésicos” que não solucionam a questão básica do projeto urbanístico, que não incluiu entre os seus condicionantes o conforto ambiental associado à insolação.    
         Algumas destas edificações mais antigas, é verdade, foram construídas com recuo nas fachadas, já dispondo da solução desde o projeto arquitetônico. Contudo, recuos de fachadas são, hoje, impensáveis. O valor de uma projeção é extraordinário, portanto, recuar significaria perda de área construída. Logo, o condicionante econômico impõe-se aos projetos urbanístico e arquitetônico, além da política governamental que tem por objetivo econômico a venda da projeção.
         Muitas outras situações podem ser enumeradas. Mas, certamente, nenhuma superaria essa questão fundamental que nasce no projeto urbanístico e fere gravemente o projeto arquitetônico.
         Ao urbanista e ao arquiteto resta, apenas, fazer o melhor possível, transitando pelos meandros das dicotomias irreconciliáveis.