segunda-feira, 12 de março de 2018

A Dinâmica dos Parâmetros Urbanísticos Através do Tempo




         Há vários anos, o esforço governamental para garantir a correta implantação do projeto urbanístico referente ao Plano Piloto de Brasília poderia ser denominado como caminho para um objetivo “pétreo”.
         Nas décadas de 60 a 90 foram exercidos trabalhos contínuos que abrangiam desde a criação de parâmetros arquitetônicos e urbanísticos fundamentados na observância ao Plano Urbanístico até a fiscalização rigorosa das edificações em construção ou já construídas.
         Estas verificações ocorriam sob os pontos de vista da ocupação do lote ou projeção, dos coeficientes mínimo e máximo exigidos, do respeito aos demais índices, da destinação, dos cercamentos e da estrita coerência entre o projeto arquitetônico aprovado e a obra, além de outros aspectos peculiares a determinadas unidades imobiliárias.
         Este contexto de controle absoluto garantiu, exceto em alguns casos pontuais refratários, que o Plano Piloto assumisse as características estabelecidas em seu projeto, culminando com seu tombamento como patrimônio da humanidade.
         Entre estes cuidados incluem-se os lotes localizados nos setores comerciais locais norte e sul e as quadras 700 que tinham modelos prontos, invariáveis, definidores de como deviam ser projetados e construídos.
         Nos comércios locais, além dos programas e espaços invariáveis também havia o prévio levantamento das cotas de soleira, de coroamento, do nível das galerias onde as marquises deveriam ser contínuas nas várias edificações, perfeitamente alinhadas entre si, com as mesmas profundidades, larguras e espessuras. Os pisos no nível das calçadas eram igualmente contínuos, sem ressaltos ou degraus.
         Nas quadras 700, norte e sul, onde a soleira e o coroamento foram igualmente predefinidos, ainda são encontradas muitas residências, construídas àquela época, que mantiveram o modelo arquitetônico estabelecido. Se os espaços internos permaneceram inalterados, certamente ainda atendem, tanto tempo depois, às necessidades dos atuais moradores.
         A firmeza do controle urbanístico sobre o Plano Piloto e das características dos espaços internos das edificações foi, a partir da década de 90, gradualmente arrefecida. A essência contida na legislação manteve-se intacta, mas algumas concessões foram feitas, objetivando atender a condicionantes locais específicos.
         Nas quadras 700, a despeito da grande resistência imprimida, foi autorizado o segundo pavimento. Mas, temos que admitir que em certos casos a decisão foi equivocada. Tomando como exemplo um lote de 170m², alcançar uma área construída de aproximadamente 300m² permitiu alguns desvios no uso do lote, tornando-se coletivo onde deveria ser exclusivamente residencial unifamiliar.
         As consequências deste desvio são suficientemente conhecidas. Causam pressão sobre a inexistência de estacionamento público em quantidade que assimile a sobrecarga, além do acréscimo na demanda por serviços de fornecimento de energia,  água e esgotamento sanitário.
         Existem, em outros setores, circunstâncias em que a topografia local permitiu a introdução de mais um pavimento, mantendo-se as mesmas cotas verticais exigidas.
         Dependendo do uso/atividade a ser efetivamente implantado nestes locais e da quantidade de edificações existentes – quase tudo é transformado em uso residencial coletivo, considerada a demanda por unidades residenciais no DF – é possível associar o pavimento a mais ao acréscimo populacional. E a consequência sobre os serviços públicos é inevitável.
         Não se trata de opor-se à maior flexibilidade dos parâmetros urbanísticos. Muito ao contrário, as mudanças são essenciais à dinâmica urbana. A realidade objetiva se reinventa continuamente, submetida à renovação dos padrões culturais, sociais e até mesmo psicológicos.
         Da mesma forma, uma decisão que em determinado momento parece acertada pode posteriormente ser inadequada, quando os fatores antes irrelevantes ou inexistentes passam a interferir drasticamente sobre a análise. Antes, o elenco de aspectos considerados nos estudos associava-se a uma lógica intrínseca. Mas “bola de cristal” não se inclui entre os instrumentos.
         Entretanto, uma flexibilidade, em especial, tem se demonstrado muito positiva – o tratamento das áreas verdes públicas.
         No mesmo período, entre os anos 60 a 90, a rigidez dos parâmetros normativos proibia que a população interferisse com as áreas verdes externas aos lotes e projeções. Apenas projetos governamentais podiam definir os espécimes introduzidos naqueles locais. E até o posicionamento.
         Mas como foi maravilhoso o desrespeito a estes parâmetros! (com o devido respeito aos que defendem o impedimento de espécimes consideradas invasivas)
         Hoje, mesmo em curtas caminhadas por estas áreas, constatamos que a população introduziu inúmeras flores, arbustos e árvores. São azaleias, antúrios, patas de vaca, amoreiras, chorões, jasmins e muitos outros adornos sobre as áreas verdes.
         Observando a exuberância destas plantas, concluímos que além de plantar também cuidam.
         “Santa” desobediência! Que assim continuem tanto os conscientes da antiga proibição quanto os que jamais ouviram falar sobre o assunto.