O desenvolvimento de um projeto arquitetônico, embora ato solitário em sua execução implica na convergência de fatores envolvendo as necessidades e aspirações do proprietário da futura obra, da adequação destes fatores aos princípios, parâmetros e critérios estabelecidos pelas legislações urbanística e arquitetônica, aos condicionantes ou limitadores estruturais e construtivos, além das relações com o entorno.
O primeiro fator – necessidades e aspirações do proprietário – envolve, por sua vez, aspectos de natureza cultural, educacional, social, econômica e psicológica, variáveis extremamente importantes na definição de um projeto que, de forma peculiar a cada caso, promoverão os resultados sob os pontos de vista da forma e da função.
Não raro, o desconhecimento da legislação impele o cliente a exigir do arquiteto propostas arquitetônicas incoerentes com as limitações do possível para determinado lote. Neste ímpeto, lança no papel rascunhos a que chamam de projeto, supondo ser o arquiteto um mero “desenhador” de sua criação, apta a ser aprovada pelo poder público.
O limite entre as opções de atender o usuário em seu programa de necessidades e de apenas representar graficamente a sua vontade é zona obscura, aonde o arquiteto se conduz de acordo com a sua habilidade em convencer o cliente sobre a adequação formal–funcional e legal da proposta. Neste exato momento, interagem os instrumentos determinantes da competência do arquiteto: a experiência adquirida, o conhecimento da legislação aplicável, além de fatores relacionados aos aspectos sócio-econômicos, psicológicos, culturais e ambientais.
Não é por outra razão que nesta área pululam falsos profissionais, assumindo ares de arquiteto, prometendo elaborar projetos e até mesmo construir obras, sem que jamais tenham colocado os olhos, mesmo que de esguelha, sobre os princípios fundamentais da arquitetura e do urbanismo e de seu complexo arcabouço teórico – prático.
A experiência aqui abordada provém de longos anos de atuação na ponta do sistema, para onde convergem projetos, profissionais e falsos profissionais.
As situações podem ser claramente agrupadas por contextos específicos: Há o profissional atento e consciente de sua função, há o profissional menos atento, que a pretexto de atender o cliente, talvez por medo de perder o trabalho, falseia as informações do projeto e há os não profissionais, lamentavelmente muito procurados, que fazem qualquer coisa. Mentem, enganam (ou tentam enganar). As mentiras iniciam na própria autoria do projeto, é claro, assinada por profissional com registro, portanto legalmente habilitado, mas que sequer conhece o conteúdo do projeto, nem mesmo o endereço da futura obra.
Os problemas surgem e se avolumam nos dois últimos contextos. O profissional inconsciente, ao deparar-se com a impossibilidade de aprovar o seu projeto, inicialmente tenta convencer o outro arquiteto, que vê como opressor, de que o seu projeto não é aquilo que claramente é. Sem êxito, passa para a segunda fase, procurando instância hierarquicamente superior dentro do sistema governamental, indo desde a chefia imediata até o titular do órgão, como forma de exercer pressão funcional sobre o arquiteto que recusou a mentira.
Outros, não se dão a todo este trabalho. Sem sequer comparecer ao local devido – costumam fazer do proprietário o seu mensageiro – descarregam a sua raiva em documentos infames, de enorme agressividade e vulgaridade, onde lançam dúvida até mesmo sobre a habilitação profissional do arquiteto que frustrou a sua intenção (mas é o proprietário quem faz a entrega do documento). Lamentável!
O terceiro caso, talvez o que gere riscos mais graves, são os não profissionais. Estes, em circunstâncias de frustrações, explodem em insultos verbais. Há tentativas de agressão física.
Na base desta estrutura caótica estão os altos valores do metro quadrado urbano, induzindo a dois fatores: À cobiça pelo aluguel ou pela solução de abrigo doméstico, em mesmo lote, de vários familiares.
Quem deseja transformar um reduzido lote (no Guará, de 120 a 200 metros quadrados) em espaço multidomiciliar, certamente é avesso à convivência, em condições satisfatórias, sob os aspectos da densidade populacional e suas conseqüências. Não se importa se o somatório das superposições residenciais em mesmo lote, em caráter repetitivo pela cidade, resultará em subdimensionamento de redes de serviços públicos e de sistema viário. Não se importa, nem mesmo, com o fato de inexistir previsão para a demanda de vagas para veículos em via pública, em frente à sua própria casa.
Quem aluga ou compra unidade irregular também não se isenta de culpa. Lamentavelmente, só se interessa em solucionar a sua questão habitacional.
Se o proprietário que anseia pela irregularidade encontrasse uma barreira profissional de respostas negativas uniformes, certamente muitas irregularidades não permeariam o tecido urbano. A decisão de agir por conta própria é muito difícil de ser tomada diante dos múltiplos riscos e prejuízos decorrentes. Não prescindem de um profissional, ou não profissiona,l como bengala a seu lado.
Em síntese, não basta saber projetar. Desenhar pode ser algo fácil, sobretudo diante das novas possibilidades tecnológicas e seus programas de informática. É imprescindível a formação, o preparo, a consciência, a bagagem técnica e os princípios teóricos em constante processo reavaliação diante da dinâmica urbana.