quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

A Cultura Arquitetônica e Urbanística e sua Manifestação no Distrito Federal

Cultura é definida como “O complexo dos padrões de comportamento, das crenças, das instituições, das manifestações artísticas, intelectuais, etc., transmitidos coletivamente, e típicos de uma sociedade”. E também: “O conjunto dos conhecimentos adquiridos em determinado campo” (Dicionário Aurélio).
O PDOT, em seus Arts. 9º e 10º, define patrimônio material – um dos elementos estruturadores do patrimônio cultural – como elemento portador de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos sociais, abrangendo expressões, transformações de natureza histórica, artística, arquitetônica, urbanística, científica e ecológica. Se traduz em obras, objetos, documentos, edificações, espaços para manifestações artístico-culturais e em conjuntos urbanos que representem este patrimônio.
Contudo, só são “oficialmente” considerados bens de interesse cultural aqueles tombados ou registrados pelos órgãos competentes, Federal ou Distrital, ou indicados por legislação específica.
Neste contexto de definições, podemos então considerar a arquitetura e o urbanismo no Distrito Federal como elementos culturais, na medida em que representam um padrão de manifestação artístico-intelectual típico de nossa sociedade, enquanto conjunto de conhecimentos adquiridos e transmitidos nestas áreas específicas. Traduzem a identidade, a ação e a memória dos nossos diferentes grupos sociais.
Entretanto, de acordo com o mesmo PDOT, só assim podem ser considerados se devidamente tombados ou se forem indicados por legislação específica.
A questão cultural brasileira, como sabemos, é assunto de extrema complexidade, tendo como princípio a afluência de raças como acontecimento base de nossa formação e identidade.
A este aspecto de profunda diversidade étnica, acrescentem-se as diferenças sócio-econômicas, além das características próprias de cada grupo, em conformidade com cada região, cada município, cada cidade e até mesmo cada pequena localidade e sua história de criação e características ambientais.
A arquitetura e o urbanismo no Brasil surgiram de duas formas muito peculiares, desde o início já retratando, fielmente, a diversidade cultural e sócio-econômica.
As cidades eleitas como capitais foram construídas sob orientação da Arquitetura e Urbanismo portugueses, enquanto os demais núcleos surgiam através do barro amassado e moldado, compondo espaços urbanos aleatórios, decorrentes da improvisação, das necessidades construtivas e dos desníveis dos terrenos e outros aspectos ambientais.
Às cidades mais importantes podemos atribuir a denominação de concepção oficial. Quanto às demais, talvez seja lícito concluir que surgiram de realidades física e cultural baseadas em programas de sobrevivência, com diferenças em relação à capacidade econômica e posicionamento social de seus proprietários, muitos deles capazes de trazer da “cidade grande” elementos construtivos e materiais compatíveis com as obras que admirava, símbolos de suas condições sócio-econômicas.
A modernidade na Arquitetura trouxe consigo o aprimoramento tipológico das edificações mais importantes dos centros urbanos de maior porte e significado. Simultaneamente, permitiu a construção em série das casas populares para a população de baixa renda. Ao mesmo tempo, o traçado urbano passou a ser mais intensamente caracterizado pelo sistema viário em formação. Mesmo que o trânsito de veículos fosse muito rarefeito, como nos subúrbios do Rio de Janeiro, as vias estavam ali presentes, e devidamente hierarquizadas. Já nos primeiros momentos da arquitetura e urbanismo brasileiros, a leitura que a população fazia de seus espaços era muito nítida.
No meio rural, havia a casa da fazenda, as “acomodações” dos escravos e as casas dos empregados. Ao mesmo tempo, haviam os palácios oficiais e as casas da cidade, em geral sobrados de propriedade dos comerciantes e funcionários do Estado.
Na modernidade, a arquitetura oficial assimilou as transformações tipológicas e construtivas de origem européia. Ao lado destas modificações, a arquitetura residencial adequou-se aos novos princípios, com relevo nas superquadras de Brasília, coexistindo com a concepção inovadora da quadras 700 norte e sul. Nos demais Estados, permaneceu, enquanto dado cultural, o modo de fazer coerente com as diferentes culturas locais, reflexos que se fizeram sentir nas residências do Lago Norte e Sul e Cidades Satélites e sua arquitetura de telhados coloniais e programas diferenciados em relação ao caráter ortogonal e de leitura clara das habitações do Plano Piloto.
A atualidade se reveste de características bem mais complexas, onde os fatores culturais caminham lado a lado com as imensas necessidades de atendimento à crescente demanda por habitações.
No caso específico do Distrito Federal, a arquitetura das habitações coletivas carrega em si princípios tipológicos da arquitetura moderna, da repetição de módulos horizontais e verticais que permitem a rápida execução das obras. As habitações unifamiliares, bem diferentemente, permanecem de acordo com modelos referidos a hábitos culturais profundamente arraigados, quer em relação às técnicas construtivas, quer em relação ao programa arquitetônico. A pesquisa encontra-se  muito restrita às empresas de construção civil, submetidas aos fatores econômicos e de rapidez de execução.
A arquitetura oficial, hoje traduzida em equipamentos públicos comunitários, igualmente sofre intensa pressão dos mesmos fatores intrínsecos às empresas de construção civil. Considerando que estas obras são sempre terceirizadas por licitação, o sistema construtivo e os materiais são também resultado de pesquisas para atendimento ao programa requerido em cada caso.
Ao lado desta realidade, o traçado urbano do Distrito Federal reflete diferentes objetivos.
O princípio gerador do Plano Piloto, o Relatório de Lúcio Costa, definiu as escalas de macro funcionamento urbano e os setores que estruturam as escalas. Em decorrência, o Plano Piloto tem característica urbana diferenciada, fato que atribuiu a sua poligonal as condições de tombamento nacional e mundial.
As Cidades Satélites, por outro lado, representavam, no início da construção do Plano Piloto, apenas núcleos de apoio à população que veio trabalhar nas obras da Capital. Por esta razão, as características urbanas e arquitetônicas equipararam-se, do ponto de vista cultural, à leitura específica de outros Estados do país, de outras localidades mais afastadas dos respectivos centros político-administrativos.
Talvez possamos afirmar que o Plano Piloto foi a pérola encerrada na ostra e as demais cidades reproduziram a diversidade da cultura marinha considerados, até mesmo, alguns aspectos interessantes visualizados na pérola.
O Distrito Federal hoje, sabemos, possui profunda diversidade cultural. Mas duas questões necessitam ser colocadas: por um lado, a tecnologia aplicada às construções de habitações coletivas, facilitada pelas consideráveis alturas e densidades de ocupação permitidas pelos Planos Diretores Locais e de Ordenamento Territorial, resulta em edificações culturalmente associadas ao modo de fazer de obras oficiais e obras tombadas, distante da leitura que a população tem feito de seu espaço urbano e arquitetônico há dezenas de anos.
Por outro lado, será necessário prover as cidades das habitações requeridas.
Considerando este fator que exige resposta imediata e a concorrência dos aspectos econômico-sociais e culturais, cabe uma reflexão envolvendo todos os agentes envolvidos na obtenção de resposta pelo menos razoável:
* As consideráveis alturas das edificações destinadas à habitações coletivas, embora solucionem a questão relacionada ao número de unidades habitacionais requeridas para o DF (apesar dos preços proibitivos para a maioria da população, mas isso é outro assunto) reproduzem padrões da cultura oficial, extraídos da arquitetura moderna, portanto não convergem e não atendem à arraigada leitura da simbologia arquitetônica, de todos os usuários consideradas as múltiplas origens culturais.
* A repetição horizontal de modelos residenciais idênticos, na arquitetura de conjuntos habitacionais de interesse social, não atendem às diversas leituras das diferentes origens culturais, embora apresentem a mesma vantagem econômica e de rapidez e facilidade de implantação das habitações coletivas.
                   * Não é possível, considerada a atual carência por habitação, pensar em edificações culturalmente adaptadas, de forma absoluta, a cada grupo da sociedade, sob pena de ocorrer o engessamento impeditivo da produção habitacional.
Diante deste paradoxo, talvez não nos reste outra atitude senão buscar um alinhamento que una todas as pontas.
Por um lado, evitar os excessos referentes às alturas, descomunais e esmagadoras diante da desejável manutenção da escala que se possa chamar de humana, em respeito à essência de todos os indivíduos, usuários ou passantes. Por outro lado, implantar sistemas normativos de áreas residenciais muito mais voltados para a multiplicidade dos modos de leitura do espaço urbano e do espaço arquitetônico – aliás, muito se avançou desde as décadas de 60 a 80, a partir da possibilidade de emissão de visto para projetos arquitetônicos, abandonando os conceitos excessivos da arquitetura oficial – além de buscar o entendimento dos requisitos culturais, historicamente enraizados em cada cidade, na definição e na alteração do espaço urbano, independentemente da oficialização ou documentação, enfim, da formalidade aplicável ao que se considera patrimônio cultural.

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