sábado, 23 de março de 2013


                                Partido Arquitetônico

         O significado de partido arquitetônico se relaciona, intrinsecamente, ao significado de projeto arquitetônico.

         Projetar uma edificação significa estabelecer um plano para construir determinada obra.

         Planejar, por sua vez, significa definir um caminho que objetiva atingir determinado resultado. Trilhar este caminho implica na escolha de estratégias a serem adotadas.

         De acordo com estes princípios, executar uma obra – o fim a ser atingido – exige um planejamento onde interagem diversos fatores a serem considerados, variáveis com o que se pretende da obra estabelecida como meta.

         Cada tipo de obra, de acordo com o seu uso e atividade, representa uma meta diferente. O tratamento dado a uma residência unifamiliar difere do atribuído à residência multifamiliar, da mesma forma que ambas divergem das edificações comerciais e seus diversos tipos, das edificações industriais e das rurais que, igualmente, são divergentes entre si.

         Planejar uma obra implica, portanto, em conhecer previamente o campo de trabalho – o objeto, seu uso e atividade, dimensões e programa desejado, além de outros aspectos envolvidos. O plano de trabalho a ser definido vincula-se a estes dados. A partir deste ponto estamos, então, projetando a edificação.

         Projetar significa, portanto, lançar o princípio gerador para fora do planejador, para a realidade objetiva, dando vida àquele arcabouço, como um projetor faz com o filme após o registro das câmeras, após a montagem, após serem introduzidos os efeitos técnicos que interferem com o resultado final.

         O projeto tem o mesmo significado. A sua qualidade está em se saber reunir, de forma lógica e estética, todas as cenas, de modo coerente com o objetivo final pretendido.

         O partido arquitetônico é, portanto, a liga que reúne todos estes pontos em uma urdidura lógica. É a “assinatura” do resultado previsto. Um DNA que determina as características de cada indivíduo, materializado em cada obra.

         Implícito nestes princípios está o entendimento de que a intervenção de quem projeta não se inicia no projeto acabado. Bem opostamente, nele se encera.

         Através do projeto arquitetônico é possível enxergar, com intensa nitidez, toda a gama de estratégias adotadas por quem o elaborou. Identifica-se a linguagem usada em sua concepção, possibilitando antever a relação entre as partes na constituição do todo, enquanto organismo associado a determinado uso e atividade e sua forma de inserção e interação com o entorno imediato e mais remoto.

         Engana-se, em absoluto, quem supõe que a mera aposição de nomes sobre quadros representativos de compartimentos que compõe o projeto arquitetônico seja ato capaz de iludir o observador. Basta que, simplificadamente, se raciocine como um analista de qualquer organograma de funcionamento institucional, onde as relações de hierarquização e interdependência atendem a um claro objetivo, interno e externo àquele organismo.

         Partido arquitetônico não é, portanto, uma “entidade mística”, um ser variável em características e posicionamento, flutuante pela mente do observador desvairado de um projeto arquitetônico.

         Partido arquitetônico é instrumento real, de raízes profundas, que alicerçam um projeto. É o princípio básico que se usa, depois de coletadas as informações necessárias, para estabelecer um programa que atenda aos pré-requisitos obtidos – as relações de proximidade entre funções e seus fundamentos socioculturais, a “costura” entre as diferentes funções na composição do tecido, os acessos desde o exterior da edificação e sua compatibilização com as áreas criadas, hierarquicamente propostas na composição, de modo a se obter um todo coerente, dotado de vetores que dão sentido aos movimentos.

quarta-feira, 20 de março de 2013

As Construções no Brasil – A Cultura da Obra Irregular.


         Executar uma obra é ato que requer garantias de atendimento às necessidades do usuário, sob os pontos de vista dos requisitos, pelo menos básicos, de sua dinâmica de viver, garantindo a imprescindível atenção aos direitos da coletividade.
         Os condicionantes são relacionados aos hábitos de indivíduos, resultados de sua cultura, seja própria de todo um país, seja de regiões, Estados ou cidades específicas.
         Há vários anos atrás, em função das péssimas condições de saneamento básico, em muitas regiões do País construíam o sanitário isolado do corpo da edificação residencial. Este compartimento, por muitos chamado “casinha”,era constituído por um barracão em madeira, há cerca de 40cm do nível do solo, acessado por uma pequena escada. O seu interior continha uma caixa ou um vaso sanitário aberto em sua face inferior, por onde caíam os dejetos.
 Quando lançados sobre o chão, as galinhas soltas no terreiro se encarregavam do “serviço de limpeza”. Quando o lançamento era sobre córregos ou áreas alagadas, o resultado era um intenso mau cheiro e degradação do local, já que muitas “casinhas”, de diversos lotes, eram enfileiradas, espaçadamente, ao longo das áreas.
Curioso como este hábito comum em pequenas cidades brasileiras conviveu com o evento da implantação da arquitetura moderna no País, nas décadas de 1960 e 1970. Sair de Brasília em visita a estas cidades, localizadas no interior ou no litoral, em pleno apogeu do modernismo, era absolutamente chocante.
Imensa era a perplexidade pela constatação das diferenças entre a fachada urbana e arquitetônica da modernidade e as reais condições de saneamento básico do País.
Estas incoerências, lamentavelmente, são parte de nossa história.
Ainda no período colonial, a implantação das cidades administrativas, de urbanismo e arquitetura importados de Portugal, concedia às obras um ar senhorial, muito diferente do que acontecia nos pequenos lugarejos que, mesmo resultantes da política portuguesa de ocupação territorial, não continham construções pautadas por projetos. Subordinavam-se às necessidades imediatas, erguidas em materiais obtidos nos arredores da localidade.
A cultura do construir sem apoio técnico, muito provavelmente, tem estas raízes profundas, mas referenciadas a uma época quando não era possível o acesso a este serviço.
A grande maioria das cidades brasileiras surgidas espontaneamente, mesmo em períodos bem posteriores ao colonial, carrega em si o antigo e arraigado hábito da construção sem planejamento.
 Não é de se surpreender a existência de imensa quantidade de residências com configuração repetitiva, onde quartos e banheiros se abrem diretamente para a sala de estar, cópias exatas que se desenvolvem até mesmo por bairros inteiros. A diferença entre uma e outra são os “puxadinhos” providenciados para melhor abrigar a família que cresceu, ou a construção de mais de uma residência no mesmo lote, com a mesma finalidade ou para a obtenção de ganhos financeiros através da exploração de aluguéis.
Incrivelmente, estas ocorrências são comuns até mesmo no Distrito Federal, não apenas nas cidades satélites, mas também no Plano Piloto, área tombada como Patrimônio Cultural da Humanidade por suas excepcionais características urbanísticas e arquitetônicas, onde lotes, apartamentos e casas são subdivididos, em absoluta oposição ao que exigem as determinações legais.
Em decorrência destes fatos, definir a densidade populacional alcançada em cidades brasileiras é atribuição de muita dificuldade. Mesmo os dados resultantes de pesquisas oficiais podem ser falaciosos, não por incúria do pesquisador, mas por omissão dos entrevistados, que cientes da situação irregular de seus lotes falseiam as informações sobre a coexistência de duas ou mais famílias em mesma unidade imobiliária.
Os resultados destes antigos hábitos são dramáticos para o planejamento urbano e regional.
Planejar o crescimento e o desenvolvimento de uma região ou cidade representa ordenar o espaço, de modo a garantir o bem estar da população sob os pontos de vista da oferta eficiente de serviços e equipamentos requeridos.
Para alcançar este objetivo, é necessário conhecer profundamente o campo de trabalho – o número de habitantes, as diferentes faixas etárias, as demandas por equipamentos comunitários e por equipamentos públicos. Além de outros condicionantes envolvidos.
Neste ponto reside a insegurança subjacente aos estudos e decisões. Como planejar, como propor intervenções se não é possível confiar totalmente nos dados fornecidos por pesquisas demográficas?
O terreno movediço pode arruinar anos de estudos. Pode tornar o diálogo com o meio urbano em monólogo técnico, tal a distorção imprimida pelas alterações construtivas irregulares.
Poderíamos pensar em obter cálculos mais confiáveis através da mensuração, em locais de destino, do que a cidade produz em termos de resíduos sólidos e líquidos. Mas, lamentavelmente, este dado não é confiável. Existem irregularidades construtivas também na condução deste assunto.
Recentemente, tomei conhecimento da existência de uma cidade litorânea onde foi aberto um canal, de pelo menos 10m de largura, interligando o mar a parte considerável do contorno do núcleo urbano. A finalidade do canal é possibilitar o lançamento de resíduos, lixo e dejetos, provenientes de residências, posto de combustível e outras edificações comerciais.
O resultado desta empreitada é o mau cheiro no local e nas proximidades, além do periódico retorno ao mar do lixo e dejetos. Nestas ocasiões, forma-se uma faixa de águas cinzentas, paralela à orla, com cerca de 100m de largura e mais de 1km de extensão. Mas nenhum aviso, obviamente, é emitido aos banhistas. Já existem relatos de doenças transmitidas pela contaminação.
Construir no Brasil, desde os tempos mais remotos até a atualidade, em muitos casos, tem assumido características de ações predatórias contra o direito coletivo e sobre o meio ambiente. Os objetivos são de ordem financeira, de interesse exclusivamente pessoal ou por desconhecimento, como no passado, das relações de causa e efeito.
O indicativo mais patente desta desordem historicamente arraigada é quando o interessado em determinada obra afirma ao agente público que quer sempre obter informações normativas por gostar de fazer tudo “certinho”. Se assim se manifesta é por ter conhecimento das inúmeras violações ocorridas em sua vizinhança. É quando a exceção confirma a regra.

terça-feira, 12 de março de 2013

A Circulação Urbana de Pedestres – Calçadas, Marquises e etc.


         Circulação urbana é dupla atividade. Refere-se a veículos e pedestres e objetiva acessar o meio urbano em suas variadas funções.
         Quando da elaboração de um projeto urbanístico, seja para toda uma cidade, seja para trechos de um núcleo urbano, ou procedimento de revitalização de áreas em processo de degradação ou obsoletas, a preocupação é intensificada na circulação veicular, de longe o problema mais desafiador da atualidade e, certamente, tendente a agravamentos ainda mais profundos.
         Por sua complexidade tem se tornado um processo dialético toda e qualquer iniciativa que busque pelo menos amenizar o conflito entre o crescente número de veículos, favorecido por estímulos à produção que oferece empregos, logo, de funções social e econômica indiscutíveis, e a imperiosa necessidade de garantir o bem-estar da população, através da circulação segura, rápida e objetiva.
         Neste contexto é inserido outro fator de enorme relevância: A manutenção de espaços para circulação de pedestres.
         O tradicional traçado urbano desenvolvido em células compostas por edificações voltadas, invariavelmente, para vias de acessos de veículos, modelo possibilitador do menor esforço no deslocamento dos usuários, já se demonstra obsoleto. A cada dia, mais e mais veículos reclamam por vias, estacionamentos e garagens, sejam públicos ou privados.
         A significativa pressão imposta sobre as cidades resulta em relevo insignificante concedido à circulação de pedestres.
         A expressiva importância recentemente atribuída ao transporte público coletivo não solucionará, a curto e médio prazo, o problema dos deslocamentos urbanos, não apenas em função das necessidades de melhoria dos serviços oferecidos às massas populacionais cada vez mais densas, nem em decorrência da imprescindível alteração do hábito que nos impele ao uso de veículos individuais.
         Uma outra questão se impõe: A necessidade de conectar os pontos de chegada de transportes públicos a todos os pontos das cidades através de calçadas públicas de qualidade e devidamente protegidas de intempéries.
         O traçado das cidades não permite o livre deslocamento dos pedestres sem que, em vários pontos, haja o conflito com o sistema arterial que, aos poucos, assumiu características de veias intransponíveis roncando o seu conteúdo de modo ensurdecedor.
         Neste contexto, os meros capilares, o sistema das calçadas públicas, conduz os seus usuários aos trancos e trambolhões, não se atrevendo a transpor as artérias, sob o risco de serem arrastados por sua desimportância.
         Soluções surgem em grande quantidade: Implantação de semáforos nos pontos de travessia, faixas de pedestres, passagens aéreas e subterrâneas... Mas são apenas paliativos. Veículos desrespeitam sinais fechados e atropelam nas faixas de pedestres. O pedestre, sempre obrigado a esperar que lhe concedam o direito de circular, se desinteressa pelas passagens aéreas e suas subidas cansativas, sobretudo para os mais idosos, e temem as subterrâneas, onde espreita a falta de segurança.
         No espaço entre uma e outra aventura de travessia, as calçadas públicas são esmeros de deselegância. Estreitas por concepção ou em consequência de avanços em área pública de edificações lindeiras, são superfícies esburacadas, desniveladas e muitas delas, construídas em pedras portuguesas por quem não conhece a técnica lusitana, tremulam em pedregulhos voadores e violadores da integridade física dos transeuntes desatentos.
         Mesmo nas proximidades de edificações, faltam marquises de proteção de pedestres – são ausentes também nas demais, mas pensar nisso seria um luxo.
         Curioso como a simples exigência da construção de marquise, em área pública ou particular, gera protestos veementes dos proprietários de lotes, que a consideram “área perdida” quando interna ao lote e “imposição descabida do Poder Público” quando sobre área de circulação pública.
         Obviamente, estas questões não se restringem a terras brasileiras, considerando que as nossas fontes de geração urbana são de origem europeia, quer em cidades planejadas, quer em núcleos desenvolvidos espontaneamente.
         Muito além da abordagem técnica, tratar caminhos de pessoas é atitude iniciada na consciência. Que não seja exatamente por razões impositivas de determinações legais, mas por conhecermos profundamente nossas próprias fragilidades.