As quatro
escalas geradoras do projeto urbanístico do Plano Piloto de Brasília –
Monumental, Gregária, Residencial e Bucólica – estabeleceram as estruturas do
que se desejava atingir em termos de um ordenamento nunca experimentado em
qualquer cidade brasileira.
A escala
Monumental, representada pelo conjunto de edificações destinadas a abrigar os
três poderes federais e distritais, seriam os mais significativos pontos de
atração de emprego.
Em caráter
complementar a esta escala, a Gregária, próxima à Monumental, concentraria os
setores centrais do Plano Piloto – Estação Rodoviária, Setores de Diversões
Norte e Sul, Setores Bancários N/S, Setores de Autarquias N/S, Setores
Comerciais N/S e Setores Hoteleiros N/S. Seria caracterizada por uma área
destinada à convivência.
A escala
Residencial, materializada pelas Superquadras Norte e Sul, seria o local de
moradia.
A escala
Bucólica, proposta que superou o princípio de criação de parques urbanos como
oásis entre as massas construídas, se caracterizou pela existência de áreas ajardinadas e
arborizadas permeando todos os lotes e projeções do Plano Piloto.
A
interligação entre as escalas se faria através dos Eixos Rodoviários e
Monumental, tendo em seu cruzamento a Estação Rodoviária e a proximidade das
edificações relacionadas à escala Gregária.
Para aquele
planejamento, não existiriam as inúmeras cidades satélites nem as invasões de
terras públicas e subdivisões ilegais de terras particulares que adensaram o
Distrito Federal, ocupadas por pessoas provenientes de cidades que não
ofereciam as condições de vida que, supostamente, o DF poderia oferecer, nem a
concentração de núcleos urbanos.
Enquanto
inicialmente se pensava na utilização dos Eixos Rodoviários e Monumental pela
população das superquadras e de umas poucas cidades satélites existentes à
época, hoje estas grandes vias já não conseguem absorver o intenso fluxo de
veículos, ocorrência que se abateu, igualmente, sobre as vias W/3 Norte e Sul e
L/2 Norte e Sul e sobre as vias secundárias de distribuição, hoje alçadas às
condições de vias arteriais, mesmo sem capacidade para exercer esta função.
Como forma de atenuar este
impacto, foi construído o metrô no trecho sul do DF, o mais populoso, e ainda
existe a intenção de ampliar este meio de transporte para o trecho norte, além
da implantação do Veículo Leve sobre Trilhos ( VLT).
Contudo,
o caráter “dormitório” destas cidades e
condomínios, caracterizadas por extenso casario intercalado, apenas, por
algumas edificações institucionais e comerciais, não representam locais de
oferta de emprego e renda.
Não
é por outra razão que a segurança pública do DF enfrenta tantos problemas em
coibir a violência urbana, que cresce continuamente, pela falta de perspectivas
de vida futura de jovens residentes nestas áreas críticas.
A população procura se proteger como
pode. Em geral, buscam o recurso da
instalação de cercas e grades. No Plano Piloto, já houve a tentativa de cercar blocos de superquadras
e até o fechamento de superquadras inteiras. Mas os termos do tombamento
impediram esta ocorrência danosa para os princípios da permeabilidade visual e
da acessibilidade.
Nas
entrequadras do Plano Piloto, áreas ocupadas pelo comércio, o projeto original
destinava a comércio local. Mas, ainda na década de 1960, atividades comerciais
de alcance urbano ali se instalaram, resultando na insuficiência de vagas de
veículos. Atualmente, as vagas existentes mal atendem aos que trabalham no
local, considerando que as sobrelojas foram alugadas separadamente e como
residências.
As pequenas
lojas destas entrequadras, com cerca de 5m X 15m = 75m², ainda na década de
1960 foram objetos de construção de “puxadinhos” sobre áreas públicas
contíguas. O objetivo era atender atividades que exigiam áreas maiores espaços.
Até hoje este problema persiste apesar das inúmeras tentativas de se buscar um
consenso entre Governo e ocupantes.
Nas áreas
centrais do Plano Piloto, o projeto original previa a oferta de áreas de lazer e outras atividades
capazes de agregar a população, o que seria facilitado pela presença da Estação
Rodoviária.
Mas desde a
década de 1970 a construção de dois centros comerciais nas proximidades da
Rodoviária em nada observou os princípios originais.
Especialmente
em relação ao centro comercial denominado “Conic”, a proposta arquitetônica foi
tão infeliz que criou meandros e labirintos estreitos, capazes de atrair
péssimos usuários noturnos e de causar insegurança até mesmo em quem circula
pela calçada frontal.
A Estação
Rodoviária, a despeito de sua brilhante proposta arquitetônica e urbanística,
atraiu frequentadores perigosos, agressores em potencial e de fato das massas
de trabalhadores assustados que se apinham diante dos pontos de ônibus. Quem
tem alternativa evita passar por aquele local.
Certa vez,
ainda na década de 80, uma pichação em um dos pilares da rodoviária retratava
as suas condições: “Coração de abobra podre”. Realmente é o coração, pela convergência das
principais vias de circulação de veículos. Mas a abóbora apodreceu.
Os demais
setores vinculados à escala gregária, desde as décadas de 80/90 foram
transformados em solos infernais pela deficiência de estacionamentos públicos e
pelos acentuados desníveis do terreno. O acesso de pedestres é subordinado a
intransponíveis barreiras que se pretendeu disfarçar através de escadas
íngremes e inseguras, só acessíveis pelos mais ousados.
Nestes
locais, a escala bucólica já não existe há muito tempo. Vias e estacionamentos
(mesmo aquém do necessário) tomaram os espaços.
O
desenvolvimento e o crescimento de qualquer cidade são consequências diretas
das modificações intrínsecas à sua própria dinâmica, consideradas as sempre
renovadas necessidades e anseios da sua população.
A partir
deste princípio, não se pode pretender que um organismo urbano se mantenha
inalterado no decorrer do tempo, sob pena de estagnação funcional e colapso
estrutural por incapacidade de responder às demandas geradas.
Mesmo o
Plano Piloto, sítio tombado, sofre pressões por alterações no decorrer do tempo
que necessitam tratamento adequado à sua condição. Esta é a realidade que se
impôs desde os momentos iniciais de sua implantação, quando foram criadas as
primeiras cidades satélites.
Evidentemente,
outras cidades foram criadas. Mas a forma de tratamento destes núcleos foi
incompatível com a necessidade de torná-las independentes do Plano Piloto.
A realidade
que hoje se impõe é o resultado da inobservância à regra básica: Onde residem pessoas devem
existir empregos e serviços. Ignorar este princípio tão elementar é fechar os
olhos e os sentidos à história brasileira de adensamento e caos dos grandes
centros urbanos.
Não se entendeu,
à época de sua implantação, o caráter de excepcionalidade urbanística e
arquitetônica do Plano Piloto. Mesmo que excepcional não fosse, perdeu-se
excelente oportunidade de reverter a perversa tendência brasileira de submeter
pessoas a longos deslocamentos em meios de transporte apinhados e obsoletos.
A gravíssima
irresponsabilidade de permitir ou ignorar as invasões de áreas públicas e as
subdivisões clandestinas de áreas particulares, além da oferta de lotes grátis,
promoveu e intensificou as rápidas migrações em direção ao Distrito Federal, a
despeito do tombamento do Plano Piloto.
A solução
para este caos não está em permissividades como abrir estacionamentos, suprimindo
áreas verdes, ou no cercamento de superquadras ou em qualquer outra atitude que
possibilite desfigurar o Plano Piloto. As respostas não estão dentro pela deste
núcleo urbano, mas fora de seus limites, através de um reordenamento
territorial que reverta a incidência de movimentos pela oferta de empregos,
serviços e esperanças nas proximidades imediatas das demais cidades do DF e do
seu entorno. O Plano Diretor de Ordenamento Territorial propõe. Portanto, que
se cumpra, e com a rapidez que o problema requer.