quarta-feira, 25 de setembro de 2013

As Janelas e as Varandas e a Privacidade de Ocupantes de Lotes Vizinhos.



            De acordo com o Código de Edificações do Distrito Federal, janelas e varandas paralelas às divisas compartilhadas com lotes vizinhos devem manter um afastamento mínimo de 1,50m destes limites (Lei 2105/98, Art. 104, Inciso I e Art. 114). O objetivo deste recuo é garantir a indevassabilidade daqueles lotes.
            Contudo, o  mesmo Art.104, Inciso II, permite que a distância seja inferior a 1,50m se a janela estiver situada em plano perpendicular ou oblíquo em relação à divisa do lote, condição que garantiria a indevassabilidade. O Art.114, Parágrafo Único, por sua vez, igualmente permite que a lateral da varanda esteja a menos de 1,50m da divisa, desde que garantida a indevassabilidade do lote.
            Mas o que é indevassabilidade do lote?
            De acordo com os termos do Código de Edificações, significa que os ocupantes do lote vizinho devam ser respeitados em sua privacidade. Para que isto seja garantido, basta que o recuo de janelas e varandas paralelas à divisa seja de apenas 1,50m, ou que seja mantido qualquer ângulo de obliquidade da janela em relação à divisa. Quanto à varanda, a norma assume um aspecto evasivo, sequer definindo que condições devam ser exigidas para a indevassabilidade.
            Como ambas as normas guardam raízes semelhantes, há quem atribua às varandas a também evasiva obliquidade mínima como garantia do caráter indevassável.
            Entretanto, alguns aspectos devem ser analisados: Desde quando um recuo tão irrisório como o de 1,50m oferece condições de indevassabilidade? Se a janela ou a varanda estiver localizada no pavimento térreo e não houver muro que impeça a visualização, o devassamento é garantido. Se estiverem nos pavimentos superiores, não há qualquer dúvida quanto ao incômodo causado à vizinhança. Tudo isto protegido pela legislação.
            Em habitações unifamiliares ou mesmo em coletivas, bastaria que o legislador se dispusesse a elaborar uma rápida pesquisa de campo para constatar que o nunca revisto afastamento de 1,50m, há mais de trinta anos contido nos sucessivos Códigos de normas edilícias do DF, e centenariamente no Código Civil Brasileiro, em nada garante a indevassabilidade dos vizinhos.
            Inúmeros são os conflitos ocorridos, sobretudo em razão das varandas, onde a curiosidade ou a incapacidade de reconhecer os direitos da vizinhança provocam lamentáveis acontecimentos.
            No que diz respeito à mencionada obliquidade, qualquer pessoa, mesmo sem conhecimentos arquitetônicos e normativos, constata com extrema facilidade que “inclinar um pouquinho”, ou manter um ângulo de  90° para uma janela ou uma varanda nada resolve em termos de devassamento visual. Dependendo do ponto da edificação onde estiver um destes elementos, o devassamento é completo. Mais ainda: A janela ou a varanda podem ser oblíquas ou perpendiculares, mas o ser humano não é assim e tem muita mobilidade e flexibilidade.

            A evidência desta desconformidade é tão antiga que de há muito já deveria ter sido convenientemente tratada. Entender que aquilo considerado como conforto de uns não pode resultar no constrangimento de outros é fundamental no processo contínuo de revisão de critérios e, sobretudo, de valores subjacentes.

terça-feira, 24 de setembro de 2013

A História das Transformações do Distrito Federal

                                  
            As quatro escalas geradoras do projeto urbanístico do Plano Piloto de Brasília – Monumental, Gregária, Residencial e Bucólica – estabeleceram as estruturas do que se desejava atingir em termos de um ordenamento nunca experimentado em qualquer cidade brasileira.
            A escala Monumental, representada pelo conjunto de edificações destinadas a abrigar os três poderes federais e distritais, seriam os mais significativos pontos de atração de emprego.
            Em caráter complementar a esta escala, a Gregária, próxima à Monumental, concentraria os setores centrais do Plano Piloto – Estação Rodoviária, Setores de Diversões Norte e Sul, Setores Bancários N/S, Setores de Autarquias N/S, Setores Comerciais N/S e Setores Hoteleiros N/S. Seria caracterizada por uma área destinada à convivência.
            A escala Residencial, materializada pelas Superquadras Norte e Sul, seria o local de moradia.
            A escala Bucólica, proposta que superou o princípio de criação de parques urbanos como oásis entre as massas construídas, se caracterizou  pela existência de áreas ajardinadas e arborizadas permeando todos os lotes e projeções do Plano Piloto.
            A interligação entre as escalas se faria através dos Eixos Rodoviários e Monumental, tendo em seu cruzamento a Estação Rodoviária e a proximidade das edificações relacionadas à escala Gregária.
            Para aquele planejamento, não existiriam as inúmeras cidades satélites nem as invasões de terras públicas e subdivisões ilegais de terras particulares que adensaram o Distrito Federal, ocupadas por pessoas provenientes de cidades que não ofereciam as condições de vida que, supostamente, o DF poderia oferecer, nem a concentração de núcleos urbanos.
            Enquanto inicialmente se pensava na utilização dos Eixos Rodoviários e Monumental pela população das superquadras e de umas poucas cidades satélites existentes à época, hoje estas grandes vias já não conseguem absorver o intenso fluxo de veículos, ocorrência que se abateu, igualmente, sobre as vias W/3 Norte e Sul e L/2 Norte e Sul e sobre as vias secundárias de distribuição, hoje alçadas às condições de vias arteriais, mesmo sem capacidade para exercer esta função.

            Como forma de atenuar este impacto, foi construído o metrô no trecho sul do DF, o mais populoso, e ainda existe a intenção de ampliar este meio de transporte para o trecho norte, além da implantação do Veículo Leve sobre Trilhos ( VLT).

            Contudo, o caráter “dormitório” destas cidades e  condomínios, caracterizadas por extenso casario intercalado, apenas, por algumas edificações institucionais e comerciais, não representam locais de oferta de emprego e renda.

            Não é por outra razão que a segurança pública do DF enfrenta tantos problemas em coibir a violência urbana, que cresce continuamente, pela falta de perspectivas de vida futura de jovens residentes nestas áreas críticas.

                A população procura se proteger como pode. Em geral, buscam o recurso da  instalação de cercas e grades. No Plano Piloto, já houve  a tentativa de cercar blocos de superquadras e até o fechamento de superquadras inteiras. Mas os termos do tombamento impediram esta ocorrência danosa para os princípios da permeabilidade visual e da acessibilidade.
            Nas entrequadras do Plano Piloto, áreas ocupadas pelo comércio, o projeto original destinava a comércio local. Mas, ainda na década de 1960, atividades comerciais de alcance urbano ali se instalaram, resultando na insuficiência de vagas de veículos. Atualmente, as vagas existentes mal atendem aos que trabalham no local, considerando que as sobrelojas foram alugadas separadamente e como residências.
            As pequenas lojas destas entrequadras, com cerca de 5m X 15m = 75m², ainda na década de 1960 foram objetos de construção de “puxadinhos” sobre áreas públicas contíguas. O objetivo era atender atividades que exigiam áreas maiores espaços. Até hoje este problema persiste apesar das inúmeras tentativas de se buscar um consenso entre Governo e ocupantes.
            Nas áreas centrais do Plano Piloto, o projeto original previa a  oferta de áreas de lazer e outras atividades capazes de agregar a população, o que seria facilitado pela presença da Estação Rodoviária.
            Mas desde a década de 1970 a construção de dois centros comerciais nas proximidades da Rodoviária em nada observou os princípios originais.
            Especialmente em relação ao centro comercial denominado “Conic”, a proposta arquitetônica foi tão infeliz que criou meandros e labirintos estreitos, capazes de atrair péssimos usuários noturnos e de causar insegurança até mesmo em quem circula pela calçada frontal.
            A Estação Rodoviária, a despeito de sua brilhante proposta arquitetônica e urbanística, atraiu frequentadores perigosos, agressores em potencial e de fato das massas de trabalhadores assustados que se apinham diante dos pontos de ônibus. Quem tem alternativa evita passar por aquele local.
            Certa vez, ainda na década de 80, uma pichação em um dos pilares da rodoviária retratava as suas condições: “Coração de abobra podre”. Realmente é o coração, pela convergência das principais vias de circulação de veículos. Mas a abóbora apodreceu.
            Os demais setores vinculados à escala gregária, desde as décadas de 80/90 foram transformados em solos infernais pela deficiência de estacionamentos públicos e pelos acentuados desníveis do terreno. O acesso de pedestres é subordinado a intransponíveis barreiras que se pretendeu disfarçar através de escadas íngremes e inseguras, só acessíveis pelos mais ousados.
            Nestes locais, a escala bucólica já não existe há muito tempo. Vias e estacionamentos (mesmo aquém do necessário) tomaram os espaços.
            O desenvolvimento e o crescimento de qualquer cidade são consequências diretas das modificações intrínsecas à sua própria dinâmica, consideradas as sempre renovadas necessidades e anseios da sua população.
            A partir deste princípio, não se pode pretender que um organismo urbano se mantenha inalterado no decorrer do tempo, sob pena de estagnação funcional e colapso estrutural por incapacidade de responder às demandas geradas.
            Mesmo o Plano Piloto, sítio tombado, sofre pressões por alterações no decorrer do tempo que necessitam tratamento adequado à sua condição. Esta é a realidade que se impôs desde os momentos iniciais de sua implantação, quando foram criadas as primeiras cidades satélites.
            Evidentemente, outras cidades foram criadas. Mas a forma de tratamento destes núcleos foi incompatível com a necessidade de torná-las independentes do Plano Piloto.
            A realidade que hoje se impõe é o resultado da inobservância  à regra básica: Onde residem pessoas devem existir empregos e serviços. Ignorar este princípio tão elementar é fechar os olhos e os sentidos à história brasileira de adensamento e caos dos grandes centros urbanos.
            Não se entendeu, à época de sua implantação, o caráter de excepcionalidade urbanística e arquitetônica do Plano Piloto. Mesmo que excepcional não fosse, perdeu-se excelente oportunidade de reverter a perversa tendência brasileira de submeter pessoas a longos deslocamentos em meios de transporte apinhados e obsoletos.
            A gravíssima irresponsabilidade de permitir ou ignorar as invasões de áreas públicas e as subdivisões clandestinas de áreas particulares, além da oferta de lotes grátis, promoveu e intensificou as rápidas migrações em direção ao Distrito Federal, a despeito do tombamento do Plano Piloto.

            A solução para este caos não está em permissividades como abrir estacionamentos, suprimindo áreas verdes, ou no cercamento de superquadras ou em qualquer outra atitude que possibilite desfigurar o Plano Piloto. As respostas não estão dentro pela deste núcleo urbano, mas fora de seus limites, através de um reordenamento territorial que reverta a incidência de movimentos pela oferta de empregos, serviços e esperanças nas proximidades imediatas das demais cidades do DF e do seu entorno. O Plano Diretor de Ordenamento Territorial propõe. Portanto, que se cumpra, e com a rapidez que o problema requer.