quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

O Urbanismo, o Direito de Fazer e a Obrigação de Não Fazer.

                

            As normas urbanísticas de qualquer cidade têm por objetivo definir os limites entre o direito individual e o direito coletivo.
            Quando alguém é proprietário de um lote, o direito individual de construir em sua propriedade é indiscutível. Contudo, edificar sobre a área que lhe pertence implica em acatar as limitações legais que atrelam os seus direitos ao contexto mais amplo dos direitos de toda a coletividade.
            Não se pode admitir a existência de uma cidade sem regras de convivência, onde cada um age da forma que melhor lhe convém. Sob o ponto de vista urbanístico, portanto, também existem limites de ação a serem observados que objetivam maximizar o bem estar dos habitantes e usuários, ao mesmo tempo em que são escolhidos os caminhos e resultados minimizadores de circunstâncias negativas.
            O nível de civilidade de um núcleo urbano se mede pela capacidade dos seus moradores de estabelecer critérios que atendam aos anseios individuais e ao mesmo tempo imponham os mútuos limites garantidores do bem estar de todos. Podemos chamar este procedimento de respeito coletivo.
            Entretanto, mesmo em localidades onde os habitantes optam por condições urbanísticas adequadas à vivência e à convivência, vez por outra surgem tentativas de produzir desvios em relação às normas estabelecidas, em franco desrespeito à vizinhança imediata e até mesmo ao entorno mais afastado.
            Estas circunstâncias incluem a alteração de uso ou de atividade da edificação, introduzindo níveis de demanda por serviços urbanos não previstos pelo planejamento da área, acréscimo no número de pavimentos, ocupação de afastamentos obrigatórios, transporte inadequado de materiais, além de muitos outros inconvenientes.
            Vários artigos do Código de Edificações do Distrito Federal estabelecem critérios que direcionam o construtor para uma interação respeitosa com a área ao redor de seu objeto de trabalho. A seguir estão relacionadas algumas obrigações:
A -Movimento de Terras:
·        Respeito ao direito de vizinhança
·        Proteção às redes de equipamentos públicos urbanos ou quaisquer outros elementos existentes na área.
·        Proibição de alcançar a área pública.
·        Os materiais escavados e não reutilizados devem ser depositados em locais previamente determinados pelo Poder Público (quando em área pública).
·        Adoção de medidas técnicas de segurança para lotes vizinhos e área pública circundante.
·        O Alvará de Construção é o documento obrigatório para o início dos trabalhos de movimento de terras.
·        Proibição do afloramento de subsolos em relação ao perfil natural do terreno (a legislação de uso e ocupação do solo pode dispor de modo diferente, impondo condições).
·        Desníveis devem ser tratados paisagisticamente, com vegetação, e repeitar as normas de acessibilidade.
·        Escoamento de valas e barrancos, de acordo com a legislação específica.
·        Construção obrigatória de muros de arrimo nas bordas do lote, quando o desnível produzido for superior a 1m.
·        Consulta obrigatória ao órgão ambiental quando o movimento de terras for lindeiro a cursos d’água ou linhas de drenagem, a várzea alagadiça, a solo mole ou área inundável, a área de proteção ambiental ou sujeita a erosão.

B – Canteiro de Obras:
·        Não podem interferir em lotes vizinhos.
·        O avanço deve respeitar a manutenção de passagem mínima de 90cm de largura em calçadas públicas.

C – Materiais Construtivos:
·        As construções devem apresentar condições de estabilidade, segurança, higiene e salubridade.
·        Paredes que separam unidades autônomas devem ser resistentes ao fogo, apresentar isolamento térmico, acústico, resistência estrutural e impermeabilidade.
·        Paredes horizontais e verticais, fundações, estruturas e coberturas devem ser independentes em relação às unidades autônomas vizinhas, sobretudo quando as edificações forem geminadas.
·        As fundações devem estar dentro dos limites do lote (exceto se houver permissão específica para avanços em área pública). Se profundas, devem recuar, no mínimo, 50cm em relação às divisas do lote.
·        O beiral da cobertura, quando em balanço, só pode avançar até a metade do afastamento mínimo obrigatório, desde que não superior a 1,50m. Proibido o avanço sobre área pública.
·        Não havendo afastamento mínimo obrigatório, o beiral deve guardar, no térreo, a distância mínima de 50cm em relação às divisas com lotes vizinhos. Nos pavimentos superiores, a distância exigida é de 1m. Pode estar sobre as divisas, se existir canalização de águas pluviais.
·        Águas pluviais podem desaguar sobre área pública apenas em locais onde não incida sobre calçadas, passagens de pedestres, vias públicas e lotes vizinhos.
D – Janelas:
·        Obrigatório o recuo de 1,50m em relação a lotes vizinhos quando a janela for paralela à divisa. Para banheiros, o recuo é de 60cm.
E – Varandas e Terraços:
·        O guarda-corpo ou qualquer outra abertura deve recuar 1,50m em relação a lotes vizinhos.
F – Muros e Paredes Externas da Edificação:
·        O tratamento dado às paredes localizadas sobre as divisas deve ser similar ao adotado para as faces internas.
G – Piscinas e Caixas D’Água Enterradas:
·        Devem recuar 50cm em relação aos limites dos lotes vizinhos.
H – Castelo D’Água, Torres e Campanários:
·        Devem estar afastados dos lotes vizinhos, no mínimo, 1/5 de sua altura, garantido em recuo não inferior a 1,50m (a legislação de uso e ocupação do solo pode dispor de outra forma).
Além destas restrições, várias outras são definidas, sempre em conformidade com o que se deseja como garantia ao direito de vizinhança.
Entre estes aspectos incluem-se a circulação de caminhões, a salubridade do canteiro de obras, as condições de higiene das vias públicas e o horário de funcionamento das obras.
O desrespeito a qualquer destes critérios implica em punições que abrangem o embargo, a interdição e a aplicação de multas, além da responsabilização civil, administrativa e criminal do infrator – proprietário e responsável técnico pela obra.
O órgão de fiscalização (AGEFIS) deve ser cobrado diante destas irregularidades, a ele cabendo adotar medidas para saná-las.  


           


quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

O Lote e as Funções Urbanas

                                      

         Para que uma área seja ocupada é imprescindível o seu prévio parcelamento.
         Este princípio, associado ao sentido de propriedade, fundamenta-se no obrigatório ordenamento territorial, condição básica ao bem estar  da sociedade.
         A propriedade da terra é sempre atribuída a instituições ou pessoas físicas. Nos estados e municípios, inclusive no Distrito Federal, a poligonal que delimita os respectivos territórios abrange as terras sob suas responsabilidades. Em consequência, cumpre ao executivo local, em caráter exclusivo, administrar este patrimônio, definindo-lhe o modo de organização e, portanto, a destinação das diferentes áreas.
         Uma grande porção de território, quando ainda não parcelado, é denominada gleba. A transformação desta área em parcelamento pressupõe a prévia definição dos objetivos a serem atingidos, de onde resultam as diferentes destinações, a densidade populacional, os acessos às áreas já ocupadas e outros aspectos de igual relevância.
         Mas a escolha da área a ser parcelada também observa parâmetros pré-definidos: A função que se deseja atribuir depende do estabelecido pelo Plano Diretor de Ordenamento Territorial aprovado para aquele local. Não se pode, por exemplo, propor residências em áreas previstas como industriais, nem qualquer destinação em áreas ambientalmente protegidas.
         O elemento básico de qualquer parcelamento é o lote. As suas dimensões, destinações, localização no contexto geral, relações de proximidades, acessos viários e de pedestres e normas urbanísticas aplicáveis, além de outros critérios, dependem de outros condicionantes, onde se perfilam a capacidade de fornecimento de água e energia, esgotamento sanitário e densidade populacional do entorno.
         Estabelecer a função de um lote no contexto urbano não é, portanto, uma decisão aleatória. Muitos fatores interagem nesta definição.
         Há muitos anos atrás, os lotes residenciais das grandes metrópoles apresentavam área considerável. Provavelmente, os fatores históricos e culturais arraigados à própria origem espontânea das cidades, determinavam a existência de lotes amplos, cercados de verde, onde se misturavam os conceitos rurais aos urbanos.
          Com o decorrer do tempo, a dinâmica das cidades foi gradativamente alterada. Afastavam-se as funções que já não cabiam no contexto e novas funções  emergiam, aptas a atender ao requerido pela população em contínuo processo de mudança e crescimento, atenta às inovações sociais, culturais e tecnológicas.
         A partir destes movimentos, o solo urbano agregou valor crescente, resultante do aumento de complexidade das funções introduzidas.
         O lote ficou cada vez mais caro. Quanto mais próximo ao centro urbano, maior a valorização. Em decorrência, os dimensionamentos foram reduzidos.
         Já não têm lugar os grandes lotes e seus pomares. Em muitas cidades, houve reparcelamento de áreas, como no caso do Setor de Mansões Park Way, no Distrito Federal, onde lotes imensos foram autorizados a serem subdivididos em até oito unidades imobiliárias independentes, constituindo condomínios horizontais.
         Na mesma direção, as habitações coletivas do Distrito Federal, inclusive as localizadas no Plano Piloto de Brasília, tiveram permissão para construir apartamentos econômicos, em substituição às unidades imobiliárias de grandes dimensões.
         Mas existem locais, no Distrito Federal, onde o dimensionamento de lotes foi também vinculado a outros fatores além da valorização do solo. São áreas parceladas para atender a demanda por lotes residenciais voltadas para a população de baixa renda. No caso específico do Guará, a despeito da estreita proximidade com o valorizado Plano Piloto, muitos lotes criados abrangem áreas de 90m² e 120m².
         Mesmo diante desta exiguidade de área, a crescente pressão por áreas residenciais propiciou a possibilidade, prevista pela Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS), de subdivisão vertical de edificações em duas ou mais unidades independentes, dependendo do local onde o lote está situado.  
         Os maiores problemas que certamente decorrerão desta resposta urbanística à crescente densidade populacional será a gradativa queda na qualidade de vida desta mesma população.

         O antigo ditado popular que afirma “Onde come um, comem dez” não pode ser utilizado para transpor a solidariedade humana nele implícita para a compressão e sufocamento de lotes e núcleos urbanos.