terça-feira, 23 de outubro de 2018

História das Varandas no Distrito Federal


                            
            As varandas, compartimentos complementares comuns na Arquitetura brasileira, constituem-se em elementos muito associados à salubridade e ao bem estar dos usuários das edificações.
            A história das varandas no Distrito Federal sempre foi envolvida por muitas controvérsias.
            As discussões se orientavam para temas bem específicos: Profundidade, ou o avanço possível sobre área pública, localização relativamente aos compartimentos contíguos e seu fechamento.
            As primeiras legislações reguladoras das edificações no Distrito Federal não previam esse avanço. Tudo deveria ser resolvido exclusivamente dentro dos limites das projeções.
            Não é por outra razão que as habitações multifamiliares mais antigas, erguidas nas décadas de 1960 e 1970, nas superquadras de Brasília, não possuem varandas. A necessidade de ventilação foi resolvida através de amplas janelas atendendo a compartimentos de dimensões extremamente satisfatórias.
            Posteriormente, na década de 1980, o Código incluiu em seu texto a primeira legislação que permitia varandas com avanços de até 1m sobre área pública.
            Não foi coincidência o fato deste mesmo Código tratar da compensação de área - possibilidade das edificações multifamiliares avançarem até 1m sobre área pública, desde que garantissem  a existência de áreas idênticas não edificadas internas às projeções.
            Nestas condições, a soma da referida faixa de 1m, somada à profundidade de 1m da varanda, resultava em varandas com 2m de profundidade.
            Estabelecida legalmente esta possibilidade, não tardou o surgimento de pressões sobre o fechamento de varandas. Mais uma vez o pleito foi atendido, mas o fechamento só poderia ocorrer através de grades em barras verticais espaçadas entre si e, por exigência do Corpo de Bombeiros, pelo menos uma das janelas deveria permanecer sem grades como prevenção de sinistros.
            Também não coincidentemente, no final da década de 1980 houve uma nova mudança no Código. Uma legislação alterava drasticamente a configuração das habitações multifamiliares.
             Considerada a intensa pressão imobiliária, as projeções foram subdivididas no sentido vertical. Abandonou-se então a antiga configuração que resultava em 8 apartamentos por pavimento. Introduziu-se 16 apartamentos. Em média, as projeções que dispunham de 48 unidades passaram a dispor de 86 apartamentos (consideradas as projeções de 6 pavimentos).
            Mantida a compensação de área, as projeções passaram a ter varandas em ambos os lados da lâmina vertical. O mesmo, evidentemente, ocorreu com os avanços de 2m.
            Posteriormente, em 2001, nova lei tratou da questão das ocupações sobre e sob o solo em área púbica.
            Denominada como Concessão de Direito Real de Uso e Concessão de Uso, essa lei passou a permitir que lotes não residenciais também se beneficiassem dos avanços com varandas sobre área pública. Em habitações multifamiliares foi mantido o avanço de 2m, incluindo nesta medida o avanço de 1m com compensação de área. Para os demais usos, onde a varanda se justificasse, o avanço permitido foi de 1m.
            A partir dessa lei, muitos problemas surgiram. Abrindo-se o uso de varandas para outros usos, chegou-se à influência negativa indireta sobre o desvio de uso das edificações.
            Onde era obrigatório o uso com salas comerciais, houve o desvirtuamento para o uso habitacional multifamiliar.
            Salas com 12m² e dimensão mínima de 2,85m foram ampliadas em mais 1m. Dependendo do projeto, passaram a ter área de 24m². E pior: As varandas já podiam ser fechadas e incorporadas aos compartimentos contíguos, conforme permissão da Lei 755/2008. O transtorno foi se aperfeiçoando.
            A partir de então surgiram muitas habitações unifamiliares no Plano Piloto, área tombada, em especial nas quadras 900 Sul e Norte, onde o uso permitido vai bem longe deste.
            Evidentemente, é muito difícil prever o que ocorrerá – de verdade, longe dos argumentos que justificam solicitações. Mas é muito raro que concessões tão intensas como a de varandas tenham bons resultados.

quinta-feira, 5 de julho de 2018

História Arquitetônica, Urbanistica e Cultural Brasileira – A Consciência Adormecida



         O Brasil teve sua história iniciada no princípio do século XVI. Passada a fase das construções em taipa e pau-a-pique, aos poucos se formaram aglomerados populacionais onde as edificações assumiram sucessivas características de estilos arquitetônicos e modos de fazer o urbanismo.
         Decorridos cinco séculos desde então, muitos foram os modelos e princípios arquitetônicos adotados nos diferentes períodos históricos, abrangendo os usos residencial, comercial, público e coletivo.
         As capitais mais antigas, como Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo, da mesma forma que cidades menores localizadas no interior ou no litoral do país, são repletas de diversidades traduzidas na história da Arquitetura e no modo de escrever o urbanismo.
         Esses caldeirões culturais, de beleza e importância inequívocas, resvalaram, no decorrer do tempo, para o precipício escuro do abandono. Observar as antigas construções, sobretudo as residenciais e comerciais, provoca imenso pesar.
         Em algumas cidades, as edificações destinadas ao uso público e coletivo receberam tratamento adequado. Percebem-se cuidados especiais na revitalização de toda a área e na manutenção destes monumentos históricos, recuperando-se a estrutura, vedações e elementos ornamentais deteriorados pelo tempo.
          Em muitos casos, foram destinadas a funções compatíveis com o espaço arquitetônico disponível, com discretas alterações adaptativas, sem comprometer as características originais.
         Mas as edificações residenciais e comerciais não tiveram sorte semelhante.
          Um rápido passar de olhos identifica objetos arquitetônicos decadentes, de alta periculosidade estrutural para a permanência humana – e muitos são efetivamente ocupados – ainda erguidos ao lado de ruínas abandonadas, desabadas em pedaços relegados ao lixo inerte de nossa história.
         A procura pelas causas desse desastre urbano nos encaminha para a insuperável carência governamental de recursos financeiros.
         Qualquer pesquisa jornalística realizada junto à população identifica os problemas crônicos de nossa sociedade: Segurança, educação e saúde. Em seguida, outro foco se impõe: Moradia, emprego e transporte.
         Estes seis focos nos assombram permanentemente como um monstro de seis tentáculos, infernizando a vida nacional.
         Mas a cabeça desse ser hediondo onde se encontra? Simples: Na falta de recursos financeiros governamentais. A ladainha é sempre a mesma.
         Entretanto, mesmo que num passe de máquina – não de mágica – esses problemas fossem resolvidos, restaria uma questão fundamental: O respeito devido à nossa história e, em especial, à história traduzida nos elementos arquitetônicos e urbanísticos que pedem socorro à beira das calçadas e ruas do país.
         Os esforços dos órgãos governamentais que atuam na área patrimonial histórica e cultural são muitos. Mas, constantemente, esbarram na cabeça do monstro de seis tentáculos. O que é histórico e cultural nesse país é, quase sempre, relegado a planos inferiores.
         As nossas riquezas históricas e culturais, com suas múltiplas linguagens surgidas a cada esquina, pulando à nossa frente, são absolutamente desconsideradas. Seus gritos são surdos e as imagens cegas. Ninguém se importa.
         O foco central é construir coisas novas, bonitas e financeiramente atrativas.
         Mas uma “pequena” coisa é esquecida nesse contexto: O que hoje é novo, bonito e rentável amanhã poderá ser velho, feio e abandonado. Perderá seus atavios, puirá como roupa desgastada, sairá da “trágica” moda de seu tempo e se fará em farrapos.
         Lamentavelmente, o mesmo poderá ocorrer com Brasília.
      Tombada como patrimônio histórico e cultural, a despeito dos permanentes cuidados inspirados em sua condição, um dia poderá desmontar-se. Os primeiros sinais já soaram: O desabamento de trecho localizado no Eixo Rodoviário Sul. O tempo pode ser profundamente destrutivo se não nos anteciparmos aos seus efeitos.
         O Plano Piloto de Brasília teve muitas de suas edificações construídas na década de 1960. No início destes anos já se encontravam quase totalmente concluídas as obras do Teatro Nacional e as edificações da Praça dos Três Poderes, inclusive  Ministérios. O mesmo ocorreu com muitas Superquadras da Asa Sul, em especial as SQS 105, 305 e 308.
         A Estação Rodoviária, marco principal do Plano Piloto, estava pronta e em pleno funcionamento em 1960. O mesmo ocorreu com o sistema viário de seu entorno, incluindo a passagem subterrânea de veículos e os acessos, em nível elevado, que dirigem às áreas superiores.
         Reformas e manutenções destes conjuntos arquitetônicos e obras de arte se sucederam nessas quase seis décadas – providências que podem impedir que tenham o triste destino das outras edificações históricas brasileiras. Mas basta um pequeno descuido  para que os efeitos do tempo promovam colapsos.
         Nada pode ser tão eficiente quanto a inconsciência histórica e cultural no processo de redução de conceitos a punhados inexpressivos de pedra e areia.

segunda-feira, 12 de março de 2018

A Dinâmica dos Parâmetros Urbanísticos Através do Tempo




         Há vários anos, o esforço governamental para garantir a correta implantação do projeto urbanístico referente ao Plano Piloto de Brasília poderia ser denominado como caminho para um objetivo “pétreo”.
         Nas décadas de 60 a 90 foram exercidos trabalhos contínuos que abrangiam desde a criação de parâmetros arquitetônicos e urbanísticos fundamentados na observância ao Plano Urbanístico até a fiscalização rigorosa das edificações em construção ou já construídas.
         Estas verificações ocorriam sob os pontos de vista da ocupação do lote ou projeção, dos coeficientes mínimo e máximo exigidos, do respeito aos demais índices, da destinação, dos cercamentos e da estrita coerência entre o projeto arquitetônico aprovado e a obra, além de outros aspectos peculiares a determinadas unidades imobiliárias.
         Este contexto de controle absoluto garantiu, exceto em alguns casos pontuais refratários, que o Plano Piloto assumisse as características estabelecidas em seu projeto, culminando com seu tombamento como patrimônio da humanidade.
         Entre estes cuidados incluem-se os lotes localizados nos setores comerciais locais norte e sul e as quadras 700 que tinham modelos prontos, invariáveis, definidores de como deviam ser projetados e construídos.
         Nos comércios locais, além dos programas e espaços invariáveis também havia o prévio levantamento das cotas de soleira, de coroamento, do nível das galerias onde as marquises deveriam ser contínuas nas várias edificações, perfeitamente alinhadas entre si, com as mesmas profundidades, larguras e espessuras. Os pisos no nível das calçadas eram igualmente contínuos, sem ressaltos ou degraus.
         Nas quadras 700, norte e sul, onde a soleira e o coroamento foram igualmente predefinidos, ainda são encontradas muitas residências, construídas àquela época, que mantiveram o modelo arquitetônico estabelecido. Se os espaços internos permaneceram inalterados, certamente ainda atendem, tanto tempo depois, às necessidades dos atuais moradores.
         A firmeza do controle urbanístico sobre o Plano Piloto e das características dos espaços internos das edificações foi, a partir da década de 90, gradualmente arrefecida. A essência contida na legislação manteve-se intacta, mas algumas concessões foram feitas, objetivando atender a condicionantes locais específicos.
         Nas quadras 700, a despeito da grande resistência imprimida, foi autorizado o segundo pavimento. Mas, temos que admitir que em certos casos a decisão foi equivocada. Tomando como exemplo um lote de 170m², alcançar uma área construída de aproximadamente 300m² permitiu alguns desvios no uso do lote, tornando-se coletivo onde deveria ser exclusivamente residencial unifamiliar.
         As consequências deste desvio são suficientemente conhecidas. Causam pressão sobre a inexistência de estacionamento público em quantidade que assimile a sobrecarga, além do acréscimo na demanda por serviços de fornecimento de energia,  água e esgotamento sanitário.
         Existem, em outros setores, circunstâncias em que a topografia local permitiu a introdução de mais um pavimento, mantendo-se as mesmas cotas verticais exigidas.
         Dependendo do uso/atividade a ser efetivamente implantado nestes locais e da quantidade de edificações existentes – quase tudo é transformado em uso residencial coletivo, considerada a demanda por unidades residenciais no DF – é possível associar o pavimento a mais ao acréscimo populacional. E a consequência sobre os serviços públicos é inevitável.
         Não se trata de opor-se à maior flexibilidade dos parâmetros urbanísticos. Muito ao contrário, as mudanças são essenciais à dinâmica urbana. A realidade objetiva se reinventa continuamente, submetida à renovação dos padrões culturais, sociais e até mesmo psicológicos.
         Da mesma forma, uma decisão que em determinado momento parece acertada pode posteriormente ser inadequada, quando os fatores antes irrelevantes ou inexistentes passam a interferir drasticamente sobre a análise. Antes, o elenco de aspectos considerados nos estudos associava-se a uma lógica intrínseca. Mas “bola de cristal” não se inclui entre os instrumentos.
         Entretanto, uma flexibilidade, em especial, tem se demonstrado muito positiva – o tratamento das áreas verdes públicas.
         No mesmo período, entre os anos 60 a 90, a rigidez dos parâmetros normativos proibia que a população interferisse com as áreas verdes externas aos lotes e projeções. Apenas projetos governamentais podiam definir os espécimes introduzidos naqueles locais. E até o posicionamento.
         Mas como foi maravilhoso o desrespeito a estes parâmetros! (com o devido respeito aos que defendem o impedimento de espécimes consideradas invasivas)
         Hoje, mesmo em curtas caminhadas por estas áreas, constatamos que a população introduziu inúmeras flores, arbustos e árvores. São azaleias, antúrios, patas de vaca, amoreiras, chorões, jasmins e muitos outros adornos sobre as áreas verdes.
         Observando a exuberância destas plantas, concluímos que além de plantar também cuidam.
         “Santa” desobediência! Que assim continuem tanto os conscientes da antiga proibição quanto os que jamais ouviram falar sobre o assunto.

quinta-feira, 18 de janeiro de 2018

O Código de Edificações: Necessidade ou Limitação?

           
             O significado de necessidade encerra o conceito de algo imprescindível. De presença inevitável, forçoso, indispensável.
            Enquanto isso, estabelecer limites significa definir uma linha que demarca o fim de algo. Limitar é restringir.
            Se necessitamos de alguma coisa é porque aquilo encontra-se entre os objetos de nossas aspirações. Ou entre os elementos que consideramos imprescindíveis  ao nosso bem estar.
            Necessidades e aspirações podem, portanto, ter pontos de identidade, especialmente quando o que é necessário a alguém também representa uma aspiração individual ou coletiva.
            Partindo do princípio de que todos os seres humanos possuem características básicas comuns, podemos afirmar que necessitam das mesmas coisas, entre outras:
            . Locais iluminados e ventilados
            . Dimensionamentos de espaços coerentes com as funções
            . Condições adequadas de isolamento acústico e térmico.
            . Segurança.
            . Condições mínimas de acessibilidade.
            . Privacidade
            . Proteção adequada contra elementos climáticos
            Com o objetivo de garantir o atendimento a estas necessidades ou aspirações, individuais ou coletivas, foram criados os Códigos de Edificações das cidades brasileiras.
            O intuito deste conjunto de normas não é, nem nunca foi, limitar o alcance ou a criatividade profissional de quem projeta. Mas, exclusivamente, servir de baliza ao trato das edificações.
            Suponhamos que o Código de Edificações não existisse. Será que uma residência, sobretudo em habitação coletiva, teria compartimentos compatíveis com as necessidades humanas?
            A título de exemplo, vamos verificar um quarto de habitação coletiva considerada como econômica no Distrito Federal. De acordo com o Art. 91 do Código, a área mínima admitida para este compartimento é de 7,50m².
            Considerando que uma cama de casal, pequena, tem área aproximada de 2,40m². Um armário de dimensões reduzidas, 0,72m² e a soma das circulações para acesso à cama somam 3,43m². Se a área do quarto for de 7,50m², então sobram 0,95m². Possivelmente, apenas a folha da porta teria lugar garantido. Nem é necessário afirmar que um quarto nestas condições não atenderia a uma pessoa com dificuldades de locomoção. E atenderia muito mal às demais pessoas.
            No entanto, um compartimento desta natureza é permitido pelo Código de Edificações do Distrito Federal.
            Além dessa, outras questões podem ser pontuadas nesta mesma direção. Não relacionadas aos parâmetros estabelecidos pelo Código, mas à burla a estes parâmetros.
            Uma das mais graves e persistentes é a construção de vedações limitadoras de unidades domiciliares vizinhas com a utilização de materiais que não impedem a propagação do som entre estas unidades. Ninguém consegue conversar ou exercer outras funções sem ser ouvido. O constrangimento é imenso.
            A  despeito do Art.79 do Código de Edificações do Distrito Federal só permitir especificações e dimensionamentos que impeçam a propagação do som horizontal e vertical (limites estabelecidos em legislação específica), e ainda exigir que materiais sejam submetidos a perícias e ensaios que comprovem a sua aplicabilidade, a burla se repete.
            Diante destes dados resultantes de breve abordagem, concluímos que o Código de Edificações é imprescindível  por garantir – ou tentar garantir- que as necessidade/aspirações da população sejam minimamente observadas.