O Brasil teve sua história iniciada no princípio do século
XVI. Passada a fase das construções em taipa e pau-a-pique, aos poucos se formaram
aglomerados populacionais onde as edificações assumiram sucessivas
características de estilos arquitetônicos e modos de fazer o urbanismo.
Decorridos cinco séculos desde então, muitos foram os
modelos e princípios arquitetônicos adotados nos diferentes períodos
históricos, abrangendo os usos residencial, comercial, público e coletivo.
As capitais mais antigas, como Salvador, Rio de Janeiro e
São Paulo, da mesma forma que cidades menores localizadas no interior ou no litoral
do país, são repletas de diversidades traduzidas na história da Arquitetura e
no modo de escrever o urbanismo.
Esses caldeirões culturais, de beleza e importância
inequívocas, resvalaram, no decorrer do tempo, para o precipício escuro do
abandono. Observar as antigas construções, sobretudo as residenciais e
comerciais, provoca imenso pesar.
Em algumas cidades, as edificações destinadas ao uso público
e coletivo receberam tratamento adequado. Percebem-se cuidados especiais na
revitalização de toda a área e na manutenção destes monumentos históricos,
recuperando-se a estrutura, vedações e elementos ornamentais deteriorados pelo
tempo.
Em muitos casos,
foram destinadas a funções compatíveis com o espaço arquitetônico disponível,
com discretas alterações adaptativas, sem comprometer as características
originais.
Mas as edificações residenciais e comerciais não tiveram
sorte semelhante.
Um rápido passar de
olhos identifica objetos arquitetônicos decadentes, de alta periculosidade
estrutural para a permanência humana – e muitos são efetivamente ocupados – ainda
erguidos ao lado de ruínas abandonadas, desabadas em pedaços relegados ao lixo
inerte de nossa história.
A procura pelas causas desse desastre urbano nos encaminha
para a insuperável carência governamental de recursos financeiros.
Qualquer pesquisa jornalística realizada junto à população
identifica os problemas crônicos de nossa sociedade: Segurança, educação e
saúde. Em seguida, outro foco se impõe: Moradia, emprego e transporte.
Estes seis focos nos assombram permanentemente como um
monstro de seis tentáculos, infernizando a vida nacional.
Mas a cabeça desse ser hediondo onde se encontra? Simples: Na falta de recursos financeiros governamentais. A ladainha é sempre a mesma.
Entretanto, mesmo que num passe de máquina – não de mágica –
esses problemas fossem resolvidos, restaria uma questão fundamental: O respeito
devido à nossa história e, em especial, à história traduzida nos elementos
arquitetônicos e urbanísticos que pedem socorro à beira das calçadas e ruas do
país.
Os esforços dos órgãos governamentais que atuam na área
patrimonial histórica e cultural são muitos. Mas, constantemente, esbarram na
cabeça do monstro de seis tentáculos. O que é histórico e cultural nesse país
é, quase sempre, relegado a planos inferiores.
As nossas riquezas históricas e culturais, com suas
múltiplas linguagens surgidas a cada esquina, pulando à nossa frente, são absolutamente
desconsideradas. Seus gritos são surdos e as imagens cegas. Ninguém se importa.
O foco central é construir coisas novas, bonitas e
financeiramente atrativas.
Mas uma “pequena” coisa é esquecida nesse contexto: O que
hoje é novo, bonito e rentável amanhã poderá ser velho, feio e abandonado.
Perderá seus atavios, puirá como roupa desgastada, sairá da “trágica” moda de
seu tempo e se fará em farrapos.
Lamentavelmente, o mesmo poderá ocorrer com Brasília.
Tombada como patrimônio histórico e cultural, a despeito dos
permanentes cuidados inspirados em sua condição, um dia poderá desmontar-se. Os
primeiros sinais já soaram: O desabamento de trecho localizado no Eixo
Rodoviário Sul. O tempo pode ser profundamente destrutivo se não nos
anteciparmos aos seus efeitos.
O Plano Piloto de Brasília teve muitas de suas edificações
construídas na década de 1960. No início destes anos já se encontravam quase
totalmente concluídas as obras do Teatro Nacional e as edificações da Praça dos
Três Poderes, inclusive Ministérios. O
mesmo ocorreu com muitas Superquadras da Asa Sul, em especial as SQS 105, 305 e
308.
A Estação Rodoviária, marco principal do Plano Piloto, estava
pronta e em pleno funcionamento em 1960. O mesmo ocorreu com o sistema viário
de seu entorno, incluindo a passagem subterrânea de veículos e os acessos, em
nível elevado, que dirigem às áreas superiores.
Reformas e manutenções destes conjuntos arquitetônicos e
obras de arte se sucederam nessas quase seis décadas – providências que podem
impedir que tenham o triste destino das outras edificações históricas
brasileiras. Mas basta um pequeno descuido para que os efeitos do tempo promovam
colapsos.
Nada pode ser tão eficiente quanto a inconsciência histórica
e cultural no processo de redução de conceitos a punhados inexpressivos de pedra
e areia.
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