quinta-feira, 9 de junho de 2011

Tributo à W3/Sul: às suas luzes e à sua história

O convite “Vamos passear?” era plural na origem, mas singular no objetivo: A W3/Sul.
Este assunto não é atual. A antiguidade é a mesma de Brasília, ou melhor, da W3/Sul do ano de 1960, quando a sua existência solitária no meio urbano lhe concedia a singeleza de ser apenas a W3.
Naquela época não havia a outra, a Norte. Não havia quase nada, além das poucas Superquadras iniciais, de urbanização inacabada, monólitos brancos pousados na Asa Sul, sobre o barro vermelho, quando muito com poucas calçadas emoldurando os assustadores símbolos futurísticos, assombrando os desavisados.
Asfalto era luxo. Apenas rasgos vermelhos e largos, traçados com precisão, marcavam o leito do que seriam os Eixos e a L2 Sul.
Na época da seca gelada, só as fogueiras acesas pelos pouquíssimos moradores de algumas Superquadras aliviavam as noites frias clareadas pela lua cheia. A pouca iluminação pública era socorrida pelas janelas acesas e a lua alta indicava os caminhos quando as luzes domésticas se apagavam.
A ventania era a grande estrela deste belíssimo palco. Os pais já residentes em Brasília – vinham antes para preparar o modo de vida – encantavam os filhos com a descrição dos caminhos do vento, da sua força e sinuosidade, levantando a poeira vermelha e soprando uivos nas frestas das janelas fechadas.
Interessante foi à seleção elaborada por este belíssimo vazio urbano cheio de sons, formas, cores e até aromas, todos naturais, na definição daqueles que permaneceriam no solo da Capital.
Muitos entraram e em poucos momentos saíram. As chegadas e partidas eram constantes. A paisagem e as ocorrências exigiam coração e mente permanentemente abertos. Não havia espaço para comparações com formas de viver anteriores, com comodidades, com o que quer que seja. Aqui tudo era diferente. O homem estava diante do seu meio natural, interagindo com ele e com o dinâmico processo de transformação. Tamanduás bandeira, cobras, onças, corujas, gaviões, lobos guará, macacos e outros companheiros de estrada precisavam ser respeitados na convivência diária.
Neste quadro fantástico reinava ela – a W3/Sul. Ou parte dela, já que ainda inacabada.
Única via de comércio, sobressaía do contexto por suas características. Asfalto parcial, calçadas em pedras portuguesas, comércio atuante, marquises contínuas protegendo a circulação, enfim, o local de passeio urbano.
Lojas sempre lotadas, sobretudo nos finais de semana, ao longo da via, ou melhor, do pequeno trecho da via. De início, a conhecida Casa Cairo, bazar repleto de utilidades, atendia os anseios da população espartana. Depois, no decorrer da década de sessenta, o alargamento da via trouxe junto a Colombo, o Kazembre 13., o Roma, o Caravelle, a Doceria Flamingo, a Gasparian e as utilidades da Pioneira da Borracha.
Simultaneamente, a Rua da Igrejinha (108 Sul) trazia novas lojas, como a Maloca, enquanto a 309 Sul apresentava o Beirute e depois o Arabeske, comércio local que se projetou a partir dos fluxos soprados pela W3/Sul.
Cultural e politicamente, a W3/Sul teve especial relevo.
Na Praça 21 de Abril, às suas margens, ocorreram as manifestações políticas da década de 60, promovidas pelos combativos estudantes da Universidade de Brasília, conscientes e inconformados com conjuntura política pós golpe militar. No lado oposto à Praça, a Escola Parque da 308 Sul abria o seu auditório para a projeção de filmes reconhecidamente artísticos, levando aos primeiros adolescentes de Brasília o conhecimento das obras cinematográficas de Ingmar Bergman, Nelson Pereira dos Santos, Fellini, Godard, Bertolucci, Pasolini e de outros reconhecidos diretores, além dos incríveis atores e técnicos envolvidos nas produções. Posteriormente, ao lado da Escola Parque, foi instalado o Cine Cultura, com objetivo semelhante.
A despeito do seu ambiente fervilhante de vida, cultura, política, educação e filosofia, a W3/Sul foi derrotada a partir da implantação dos Shopping Centers, templos de consumo e da inconsciência.
Aos poucos, o esvaziamento fechou as portas do comércio e dos cinemas, da mesma forma que também bloqueou o fluxo da cultura, da filosofia, da consciência política e da educação.
Em algum ponto da atual década muito se falou em revitalização da área. Até um projeto foi vencedor de concurso realizado para este fim. Mas a coisa não caminhou. Mesmo o VLT, que bate às portas da via com um canteiro de obras em sua entrada sul que poderia contribuir com a revitalização, permanece congelado.
Um passeio pela W3/Sul, hoje, provoca emoções conflitantes. Ter vivido avidamente aquela época não permite que se enxergue decadência, mas apenas um palco apagado. Os espíritos do saber ainda permanecem lá, no mesmo lugar, como guardiões de sua história.

2 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Olá Drª Hilma, que vos fala é o arquiteto Bruno Marques, do Guará. Gostaria de saber como faço para adquirir o seu livro. Meu e-mail pra contato é: arquitetobrunomarques@hotmail.com
    Obrigado

    ResponderExcluir