O título pode parecer estranho. Mas é isso mesmo.
A circulação viária - faz muito tempo - é utilizada por várias formas de deslocamento. A principal, motorizada, convive com algumas outras, de forma quase sempre conflituosa. Mas a constante relação entre as diferentes formas é submetida a estudos que minimizem as incompatibilidades, através da criação de faixas exclusivas, como ciclovias, corredores para transporte coletivo e pontos de travessia de pedestres, incluída a de pessoas com necessidades especiais.
A forma de circulação que causa maior perplexidade, considerada a sua característica extemporânea, é a utilização de cavalos, inserida barbaramente neste sistema sem que qualquer legislação aborde o tema.
Na verdade, nem sequer dirijo. Mas é exatamente o andar a pé e sua lentidão peculiar que oferece a visão privilegiada do olhar mais detido, mais rico em informações de várias naturezas, sobretudo urbanas.
Neste contexto, é possível ver quantos veículos, em curto espaço de tempo, sofrem interferências negativas, e algumas vezes desastrosas ou até trágicas, das carroças que ainda circulam por nossas vias.
O carroceiro, totalmente avesso e incapaz de compreender as leis que permeiam o ato de transitar pelo sistema viário sobem calçadas, restritas aos pedestres, invadem as travessias específicas, saem sem aviso de retornos, avançando à frente e veículos e interferindo com os fluxos, enfim, cometem todos o tipos de ações descabidas. E o pior, por ser mais cruel, retira do cavalo a sua grandeza histórica, construída através de milhares de anos de bravura.
A proximidade entre quem caminha e a ocorrência permite sentir, como se em mim fosse, a covarde chicotada e a dor das pauladas, além do som do trote assustado, incerto, do ruído das patas que pisam retorcidas e escorregam no asfalto liso.
Isto e maléfico, maldoso, maldito e revela, sobretudo, a face do descaso da sociedade, onde o avanço econômico, social, tecnológico e, pasmem, a complexidade das leis urbanísticas e ambientais não representam dados suficientes para proteger o belíssimo animal da sanha de seus condutores.
Evidentemente, não bastam providências paliativas, como as que tenho visto desde algum tempo, como registros de carroças, cadastramentos de carroceiros e pseudo-orientação sobre a conduta adequada ao meio urbano.
A questão é bem mais profunda. O tema é econômico, social, educacional, cultural, urbanístico e ambiental. Não se pode admitir o uso de animais para ganhos financeiros. Esta esfera já se foi. Perdeu-se no túnel do passado, quando a opção de deslocamento era apenas essa e os núcleos urbanos eram gerados a partir desse condicionante. Até onde vai o meu conhecimento, o trato adequado e amistoso do cavalo era questão de honra e orgulho.
O uso do animal não se justifica no momento da história em que vivemos. O argumento sobre a impossibilidade de orientar o despreparado carroceiro para atividade produtiva não se sustenta em um país onde as possibilidades de adaptação educativa crescem continuamente. Portanto, não entendo o motivo deste inconveniente tema não ser devidamente tratado por legislação e afastado definitivamente de nossas áreas urbanas.