Ver para crer. Ditado popular de apenas dois verbos, que nos orienta sobre distinguir os acontecimentos e concluir a direção das consequências, com base em fatos anteriores, quando a vivência do tempo e espaço nos mostra o resultado futuro.
O arquiteto, por sua formação privilegiada, um dos poucos profissionais que transita facilmente entre a arte, a filosofia, a física e a exatidão do cálculo matemático, é indivíduo de muitas faces. O imenso bônus agregado a esta prerrogativa carrega o ônus de transformar o conhecimento em luz ordenada por suas cores - o resultado de sua intervenção, a sua obra.
Não importa se a construção for uma pequena residência ou um grande complexo de múltiplas atividades. A sua atuação deve corresponder aos princípios que unem os elementos intrínsecos, indissociáveis de sua formação profissional.
Quanto maior for a sua experiência, quanto maior a intensidade de sua vivência urbana e arquitetônica, mais e maiores devem ser as suas raízes, os seus fundamentos entrelaçados como tecido incorrompível que estrutura a construção interior.
A este conjunto de forte urdidura chamo de ética. Não apenas a ética centrada em ações exteriores, mas sobretudo a interior, a que limita as opções, a que tem paciência, a que convence por sua inteireza, a que tem função de escudo indeformável e intransponível e que, invariavelmente, estrutura as ações exteriores, a ética intrínseca a cada trabalho, a cada opção a ser adotada.
O crescimento das cidades brasileiras exige, crescentemente, a intervenção do arquiteto. Seja na escolha coerente dos vetores de ampliação de núcleos urbanos, da criação de novos núcleos, da definição da forma de ocupação e de índices apropriados para cada momento, da relação entre ocupações e outros fatores. Neste processo, concorrem elementos de natureza cultural, psicológica, filosófica, social, econômica e ambiental. Elementos que interagem na proposição de cidades, de núcleos urbanos, de expansões urbanas, de áreas residenciais, comerciais, institucionais, industriais e rurais, de equipamentos públicos e de ocupação específica de cada pequena parcela desta ampla estrutura.
Diante de cada circunstância, o arquiteto tem por obrigação assimilar os condicionantes locais não apenas em termos da atividade e da quantidade de área construída passível de absorção por determinado lote, mas sobretudo de entender o modo como a população apreende o seu espaço, como o utiliza, como se relaciona com ele, como enfim se habituou a viver e a vivenciar as transformações de seu próprio meio.
Desta interelação surgem os paradigmas, os signos interiorizados que permitem à população reconhecer e afirmar, com firmeza, ser aquela a sua cidade, o seu bairro, a sua rua.
O que a arquitetura tem proposto revela-se, muitas vezes, como intervenções absolutamente contrárias ao que chamamos de adequação ao entorno. A cada dia que passa, observamos o crescimento de torres em locais onde nunca imaginávamos que surgiriam. Pior ainda, extensas muralhas protegem os limites externos destes monumentos monolíticos, lembranças desconfortáveis de cidades antigas isoladas de possíveis ataques de tribos vizinhas.
O surgimento destes deselegantes símbolos é o resultado de algumas variáveis inseridas nas normas urbanísticas aplicáveis a determinados locais, das necessidades do construtor e dos objetivos comerciais do empreendimento. Supostamente, o bem-estar do morador da torre é também pré-requisito da proposta.
Mas o que resulta para a população local não habituada a estes novos signos? O que é feito de suas referências na paisagem, urdidas de longo tempo e introjetadas nas suas estruturas psicológicas, em suas raizes culturais, de acordo com as características sociais e econômicas de cada grupo?
Nós, arquitetos, não vimos o suficiente para crer nas soluções mais humanizadas? Por onde anda o brilhantismo de nossa formação? Perder alguns metros quadrados de obra, que representem espaços a menos, comprometerão o projeto como um todo? Ou será que abdicamos de nosso conhecimento e só mantivemos em relevo os fatores econômicos e financeiros, desde a proposição de normas até a elaboração do projeto? E o bem-estar social? Onde esquecemos o espírito de luta pela cidade humanizada?
Desde algum tempo, tenho ouvido de pessoas com idade mais avançada comentários desanimados sobre o futuro do Distrito Federal. Então me pergunto: As cidades ainda terão estrutura de proteção para os seus velhos? A experiência que vem das megalópolis espalhadas pelo mundo, ejetoras daqueles que já se tornaram uma espécie de estorvo urbano, há dezenas de anos nos mostram a crueldade do caminho de volta, ou da procura por um novo caminho, em busca de núcleos urbanos menos agigantados.
Mesmo diante da nitidez das inconsequências que os modelos econômicos perversos nos impõe, permanecemos na mesma e absurda rota de colisão entre o ser e o ter.
O ser é sutil, é alma inefável, é a volátil existência. Pela mesma razão se sobrepõe e tenuemente conduz o ter, fera material companheira de estrada que precisa de constante, suave e firme orientação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário