terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

História da Legislação Urbanística e Arquitetônica no Distrito Federal

A criação de Brasília, cidade resultante de projeto específico e implantação planejada implicou, inicialmente, na década de 60, na necessidade de oferecer atrativos para que habitantes de outras Unidades da Federação migrassem para a recém criada Capital do País e, uma vez aqui, optassem pela permanência definitiva.
Algumas destas facilidades relacionavam-se à própria construção do Plano Piloto. Uma vez construído, certamente estaria em processo acelerado de consolidação.
Nestes termos, o antigo Departamento de Arquitetura e Urbanismo (DAU) providenciou, às suas expensas, a elaboração de projetos arquitetônicos para lotes comerciais no Plano Piloto, nas Asas Sul e Norte, considerando que os dimensionamentos destas unidades imobiliárias eram exatamente os mesmos. Estes projetos eram entregues, gratuitamente, aos proprietários dos lotes.
Aos poucos, o corpo normativo aplicável ao Plano Piloto foi assumindo forma. Posteriormente, tanto no Plano Piloto quanto nas Cidades Satélites, as normas eram parte fisicamente integrante das PRs, plantas urbanísticas aprovadas e registradas em Cartório, definidoras das características do loteamento ou desmembramento. Através da implantação da GB, norma urbanística denominada à época, gabarito, foram aprimoradas as limitações relativas ao uso e ocupação do solo para os setores do Plano Piloto.
Algum tempo depois a denominação deste instrumento normativo foi alterado para NGB (Normas de Edificação, Uso e Gabarito), onde se buscou aprofundar o enfoque da legislação em relação ao alcance e detalhamento.
Nas cidades Satélites, a evolução foi diferenciada do Plano Piloto.
Inicialmente, os lotes residenciais e comerciais integravam parcelamentos de interesse social, portanto, os projetos arquitetônicos eram desenvolvidos e construídos pelo Poder Público. Em algumas circunstâncias, a construção tinha a parceria da mão de obra dos futuros moradores.
Da mesma forma que no Plano Piloto de Brasília, aos poucos, após as PRs, as GBs foram implantadas e, posteriormente, as NGBs.
Simultaneamente, as normas arquitetônicas foram criadas. Inicialmente, o Decreto nº 07, de 13/06/1960 da Prefeitura do Distrito Federal, primeiro Código de Edificações, era aplicado a todas as cidades, incluído o Plano Piloto.  Contudo, uma imensidade de Decretos Governamentais (antes, da Prefeitura de Brasília), aplicáveis tanto ao Planto Piloto quanto às Cidades Satélites tornavam ainda mais árdua e complexa a análise de qualquer projeto arquitetônico. Fornecer informações ao interessado, proprietário ou autor do projeto, era procedimento inseguro.
Em 1967 foi publicado o segundo Código de Edificações de Brasília (Decreto nº 596, de 08/03/67). E em 14/02/69, publicou-se o Código de Edificações das Cidades Satélites.
A existência de um Código para o Plano Piloto e outro abrangendo todas as Cidades Satélites resultou das diferenças de características arquitetônicas e urbanísticas presentes no modo de construir das áreas distintas, ou seja, o traçado urbano e os partidos arquitetônicos eram significativamente diferentes, considerados os respectivos programas de necessidades.
Mesmo com a vigência do Código de Edificações de Brasília, novos Decretos eram continuamente publicados, considerada a velocidade de crescimento das ocupações e o surgimento de novas circunstâncias de projeto ainda não experimentadas. Portanto, ocorrências que requeriam tratamento normativo específico e, depois, extensivo a casos semelhantes.
A complexidade presente no Plano Piloto, originada em suas características urbanísticas diferenciadas, vetor que introduziu as mudanças no modo de caracterização do espaço arquitetônico, exigiu a publicação do Código de Obras e Edificações, (Decreto nº 13.059, de 08/03/91), substituto do Código de Edificações de Brasília publicado em 1967.
Este novo instrumento normativo foi inicialmente objeto de questionamentos que provocaram a sua suspensão temporária.
Código que estabelecia normas relativas a atividades e normas gerais de construções, apresentava nível de detalhamento que alcançava normas urbanísticas.
Por esta razão, considerada a nova forma de tratamento requerida para as edificações, gerou enorme polêmica entre os profissionais da arquitetura e os proprietários de lotes, que se sentiram impelidos a promover significativas alterações nos projetos em andamento, ou se consideraram prejudicados pela brusca modificação normativa, diferenciada do objeto da compra feita à Terracap.
Em decorrência das intensas reclamações o novo Código teve seus efeitos suspensos por prazo determinado. Tempo suficiente para a adaptação ao novo instrumento normativo. Transcorrido o prazo necessário (05 anos), este instrumento normativo foi ratificado pelo Decreto nº 16.677, de 24/07/96.
A partir de sua aplicação, constatou-se a necessidade de nova revisão do Código de Edificações do Plano Piloto. Por esta época, muitas normas de natureza urbanística, nele contidas, foram tratadas posteriormente como legislação específica, como a Concessão de Direito Real de uso relacionada a avanços sobre área pública em espaço aéreo, térreo e subsolo e utilização para atividades de lazer coletivo e cobertura das edificações destinadas às Habitações Coletivas (Superquadras).
Durante todo este período, as Cidades Satélites permaneciam sob as normas do mesmo Código de Edificações de 1969. Contudo, em decorrência do aumento na demanda por áreas nestas cidades, considerado o decréscimo de ofertas de áreas no Plano Piloto, as edificações a serem construídas se aprofundaram em complexidade de programa nos centro urbanos mais ativos e em processo de crescimento das Cidades Satélites. A partir deste ponto, o Código de Edificações de que dispunham já não respondia eficientemente às novas questões emergidas do processo. Então, foi necessário unificar a linguagem normativa do Plano Piloto e das Cidades Satélites, com a publicação do atual Código de Edificações do DF, Lei 2.105/98 e seus Decretos regulamentadores.
Novas necessidades surgiram no decorrer do tempo, diante da própria dinâmica dos processos urbanos. As Cidades Satélites alcançaram número de habitantes e nível de complexidade aprofundado, requerendo tratamento urbanístico diferenciado entre uma e outra. Tornou-se imprescindível organizar a distribuição e a ampliação dos respectivos territórios, mas em observância ao previsto pelo Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001),
Em decorrência, foram elaborados e implantados os Planos Diretores Locais (PDLs). Legislação de uso e ocupação do solo que estabelece princípios e diretrizes do ordenamento territorial das cidades onde foram aprovados – sete, no total – embora o DF tenha 30 Regiões Administrativas.
As cidades não alcançadas por PDL, da mesma forma que o Plano Piloto, permanecem regidas por NGBs.
O Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT) representa a Lei Complementar definidora dos princípios e diretriz macro-urbanas de todo o Distrito Federal.
Este instrumento foi implantado através da Lei Complementar nº 17, de 28/01/97, e posteriormente foi revisado, conforme Lei Complementar nº 803, de 25/04/2009. A revisão, posterior à data de publicação do Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001), observa integralmente o que estabelece este documento que, por sua vez, regulamentou o contido na Constituição Federal (Art. 182 e 183), definindo os princípios gerais da política urbana.
O PDOT estabeleceu o macro zoneamento de todo o DF, sob os pontos de vista urbano, rural e de Proteção Integral. Ao mesmo tempo, subdividiu as macrozonas em zonas, de acordo com os dados a seguir:
A.     Macrozona Urbana:
·      Zona Urbana do Conjunto Tombado
·      Zona Urbana de Uso Controlado I
·      Zona Urbana de Uso Controlado II
·      Zona Urbana Consolidada
·      Zona de Expansão e Qualificação
·      Zona de Contenção Urbana
B.     Macrozona Rural:
·      Zona Rural de Uso Diversificado
·      Zona Rural de Uso Controlado: I, II, III, IV e V
C.    Macrozona de Proteção Integral
·      Unidades de Conservação
·      Áreas de Proteção de Manancial
·      Áreas de Interesse Ambiental
Considerando que as macrozonas e as zonas se estendem sobre várias Regiões Administrativas (subdivisões administrativas do Distrito Federal, cada qual com sua área de atuação, totalizando 30 RAs), o ordenamento e a gestão do território reuniu estas Regiões em grupos, por proximidade entre elas, em sete Unidades de Planejamento (Central, Territorial, Central-Adjacente 01 e 02, Territorial Oeste, Territorial Norte, Territorial Leste e Territorial Sul).
Como forma de igualar o modo de tratamento do Distrito federal como um todo – da mesma forma que o Código de Edificações do DF o fez – o PDOT estabeleceu, além dos princípios e objetivos gerais, as seguintes diretrizes setoriais e estratégias de ordenamento territorial:
A.     Diretrizes Setoriais
·      Patrimônio Cultural
·      Meio Ambiente
·      Sistema de Transporte, Sistema Viário e de Circulação e Mobilidade
·      Saneamento Ambiental e Energia
·      Desenvolvimento Econômico
·      Urbanização, Uso e Ocupação do Solo
·      Habitação
·      Equipamentos Regionais
·      Desenvolvimento Rural
·      Integração com os Municípios Limítrofes
B.     Estratégias de Ordenamento Territorial
·      Dinamização de Espaços Urbanos
·      Revitalização de Conjuntos Urbanos
·      Estruturação Viária
·      Regularização Fundiária
·      Oferta de Áreas Habitacionais
·      Implantação de Pólos Multifuncionais
·      Integração Ambiental do Território
Ainda foram previstos os Instrumentos de Planejamento Territorial e Urbano e Instrumentos Jurídicos, subordinados às diretrizes e estratégias, como a seguir relacionados:
A.     Instrumentos de Planejamento Territorial e Urbano
·      Lei de Uso e Ocupação do Solo
·      Planos de Desenvolvimento Locais
·      Plano de Preservação dos Conjuntos Urbanísticos de Brasília
·      Lei de Parcelamento do Solo Urbano
B.     Instrumentos Jurídicos:
·      Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsória
·      Direito de Superfície
·      Direito de Preempção
·      Outorga Onerosa de Alteração de Uso (ONALT)
·      Outorga Onerosa de Aumento de Potencial Construtivo (ODIR)
·      Transferência de Direito de Construir
·      Consórcio Imobiliário
·      Concessão de Uso Especial para fins de Moradia
·      Concessão de Direito Real de uso
·      Usucapião Urbano Individual ou Coletivo
·      Compensação Urbanística
·      Estudo de Impacto de Vizinhança (EIV)
Para exemplificar o modo de aplicação do conteúdo legal estabelecido pelo PDOT, associado à legislação aplicável a cada cidade do DF e à legislação prevista pelo Código de Edificações do DF, suponhamos que se pretenda construir determinada obra em uma cidade do DF, o Guará, por exemplo. O procedimento a ser adotado na análise do projeto arquitetônico implica, necessariamente, em observar as seguintes orientações normativas:
a)  Macrozona onde se localizará a obra: Urbana
b)  Zona: Urbana, Consolidada
c)  Diretrizes Setoriais Aplicáveis:
·      Proximidade com a Reserva Ecológica do Guará (unidade de Conservação)
·      Acessos Viários
·      Urbanização, Uso e Ocupação do Solo (PDL)
C.    Instrumentos de Planejamento Territorial e Urbano:
·      Lei de Uso e Ocupação do Solo Aplicável
·      Exigibilidade, ou não, de apresentação de Estudo de Impacto de Vizinhança
D.    Critérios Arquitetônicos:
·      Código de Edificações do DF
E.     Instrumentos Jurídicos:
·      ODIR
·      ONALT
·      Concessão de Direito Real de Uso
·      Exigibilidade, ou não, de apresentação de Estudo de Impacto de Vizinhança
Outros elementos podem estar envolvidos na análise, contudo, este exemplo é simplificado.
Uma construção a ser edificada no Plano Piloto de Brasília obedecerá a critérios semelhantes aos que constam do exemplo apresentado, além de parâmetros específicos estabelecidos por NGB (o Plano Piloto não tem PDL).
Além destes instrumentos normativos, será analisada a coerência mantida com o patrimônio cultural – legislação sobre a preservação do patrimônio cultural, histórico e artístico (tombamento do conjunto urbanístico); critérios da revitalização de conjuntos urbanos. Posteriormente, será aplicado futuro instrumento previsto pelo PDOT relacionado ao Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (em elaboração).
Quanto às cidades que não dispõe de PDL, são utilizadas as NGBs, além dos elementos normativos aplicáveis previstos pelo PDOT.
A aplicação do Código de Edificações do DF à área tombada (Planto Piloto, Cruzeiro, Candangolândia e Sudoeste, Octogonal), igualmente deve observar critérios diferenciados, na medida em que a Portaria nº 314, de 08/10/92 – IBPC, o Decreto nº 10.829/87 e o Relatório do Plano Piloto de Brasília se sobrepõe ao estabelecido pelo Código relativamente aos elementos que especifica, especialmente no que se refere à escalas monumental, residencial, gregária e bucólica, princípios que traduzem a concepção urbana do Plano Piloto.
Do Art. 265 do PDOT consta que os PDLs serão considerados como instrumentos aplicáveis às cidades até a edição dos respectivos Planos de Desenvolvimento Locais e da Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS).
Do Art. 267 consta que até a elaboração da Lei de Uso e Ocupação do Solo ou Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília, as alterações de uso da área tombada podem ocorrer através de legislação específica, nos termos da Lei Orgânica do DF, Art. 57, Parágrafo Único, redação dada pela Emenda nº 49/2007.
A partir das informações contidas neste histórico da legislação do DF, concluímos pela ocorrência de grande avanço no processo de abordagem arquitetônica e urbanística desta Unidade da Federação, sob os pontos de vista dos direitos coletivos e individuais.
Desde os incipientes registros normativos contidos nas PRs, até a aplicação do PDOT, dos PDLs e das futuras Legislações de Uso e Ocupação do Solo (LUOS), instrumentos que, a despeito de apresentarem falhas a serem corrigidas, a legislação urbanística e arquitetônica do DF representa uma abordagem aprofundada e ampliada tanto do território do Distrito Federal, quanto de cada lote ou projeção.


terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

As Áreas de Risco e o Planejamento Urbano


Por áreas de risco entendem-se os locais impróprios ou proibitivos para a construção de assentamentos ou loteamentos, por apresentarem características que os sujeitam a ocorrência de riscos naturais, além dos riscos originados pela ação humana sobre o meio ambiente.
Muitos são os locais assim classificados. A seguir, listamos alguns:
A.     Áreas Naturais:
·      Margens de rios e córregos inundáveis
·      Topos, encostas e sopés de morros
·      Áreas alagadas
·      Solos instáveis
·      Terrenos com inclinação superior a 30%
B.     Áreas resultantes da ação humana:
·      Contaminadas por resíduos tóxicos (inclusive aquelas antes ocupadas por lagoas de oxidação e próximas de rodovias e ferrovias)
·      Próximas de equipamentos e redes elétricas cujo porte desaconselhem a ocupação humana
·      Próximas de equipamentos e redes de abastecimento de água de grande porte
·      Próximas de redes de escoamento de águas pluviais, de grande porte
Do ponto de vista do Planejamento Urbano, a legislação mais significativa enquanto reguladora das ocupações humanas é a Lei Federal 6.766/79.
O Art. 3º, Parágrafo Único deste instrumento legal proíbe o parcelamento do solo urbano em áreas que apresentem as seguintes condições:
·      Terrenos alagadiços e sujeitos a inundação (antes de serem tomadas as devidas providências que resultem no escoamento das águas).
·      Terrenos que tenham sido alterados com material nocivo à saúde pública (sem que tenham sido previamente saneados).
·      Terrenos com declividade igual ou superior a 30% (antes de tomadas as providências necessárias pelo Poder Público).
·      Terrenos onde as condições geológicas não aconselhem a edificação
·      Áreas de Preservação Ecológica
·      Áreas poluídas de modo a impedir as condições sanitárias suportáveis (até que haja a correção)
A partir deste dispositivo concluímos pela obrigatoriedade de observação e correção prévia, em qualquer parcelamento, das condições topográficas, ambientais e geológicas da área objeto de intervenção. Esta obrigatoriedade recai sobre o Poder Público ou sobre o particular.
Caso o parcelamento seja irregular, o Poder Público poderá sanar as deficiências do solo, por interesse público, circunstância que abrange tanto o bem-estar do adquirente quanto a manutenção das condições urbanísticas satisfatórias da localidade.
Do Art. 4º, Inciso III, da mesma Lei Federal 6766/79, constam limitações urbanísticas relacionadas às áreas contíguas às áreas correntes, ao mesmo tempo em que se refere aos elementos introduzidos pela ação humana – domínio público de rodovias, ferrovias e dutos. Nestes casos, deve ser reservada faixa “Non Aedificandi” de, no mínimo, 15m de cada lado. Contudo, lei específica, inclusive Estadual, Municipal ou Distrital, pode exigir afastamento maior que este mínimo estabelecido, conforme consta do Art. 5º da mesma Lei Federal, quando se refere a áreas “Non Aedificandi” obrigatórios em relação a equipamentos de abastecimento de água, colete de esgotos, energia elétrica, águas pluviais, rede telefônica e gás canalizado, inclusive se internas a lotes.
Do Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257/2011, Art. 2º, constam as diretrizes gerais que orientam o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana.
Entre estas diretrizes consta a obrigatoriedade de se evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; o controle do uso do solo como instrumento para evitar a poluição e a degradação ambiental; a proteção, a preservação e a recuperação do meio ambiente natural.
A despeito da objetividade destas legislações federais, apesar da obrigatoriedade da elaboração de Planejamento Urbanístico como elemento fundamental do Plano Diretor definido como instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana (Estatuto da Cidade, Art. 40), para cidades com mais de 20 mil habitantes e para cidades integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, os problemas e tragédias ocorridas no Brasil, decorrentes de ocupações humanas em áreas de risco, a cada dia se avolumam.
Não se pode ignorar que cidades do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Minas Gerais, da Região Nordeste e da Região Sul têm sido severamente atingidas por calamidades, ora naturais, ora resultantes de ocupações com residências ou outros usos em locais não apropriados.
Os centros urbanos foram excessivamente adensados. Seja qual for a grande cidade brasileira, em nome da redução de gastos com equipamentos públicos urbanos e comunitários (redes de serviços públicos, vias de circulação de veículos e edificações destinadas a hospitais, escolas, segurança pública, entre outros), foram multiplicadas as edificações, com reduzidos afastamentos entre uma e outra e entre cada uma delas e a área pública confrontante.
Mesmo as áreas antes caracterizadas como livres e verdes foram aos poucos substituídas por pavimentação asfáltica para suprir as necessidades, sempre crescentes, de vias de circulação de veículos e estacionamentos públicos, além da impermeabilização de subsolos sob área pública.
A antiga prática de se comercializar unidade imobiliária (apartamentos, salas comerciais, etc.) com ou sem vaga de veículo interna ao lote transformou-se em prenúncio de catástrofe. Quem não compra a vaga economiza no valor do imóvel, mas, posteriormente, através da formação de grupos de pessoas na mesma situação, pressiona o Poder Público para prever mais e mais vagas em área pública. Obviamente, com a supressão de áreas verdes e a conseqüente impermeabilização do solo, já afetada pelos subsolos destinados a garagem, nos subterrâneos das áreas públicas.
Ao mesmo tempo, estimulou-se, e muito, a produção da indústria automobilística, sem o contraponto da oferta de transporte público em condições se não confortáveis, pelo menos dignas.
Onde antes a vida transcorria serena, segura, hoje as condições climáticas se transformaram em iminente ameaça de caos para os ocupantes e usuários dos centros e subcentros urbanos.
As contínuas ocorrências de inundações destas áreas resultam de um planejamento urbano deficiente, na medida em que o organismo constituído pela cidade é tratado de forma parcial. Na maioria dos casos, a ótica abrange apenas parte do objeto de estudo, restrita à vizinhança imediata, dentro de um raio cuja dimensão ignora as influências impactadoras sobre todo o conjunto em que se constitui a cidade e áreas circunvizinhas.
Sob o ponto de vista específico das inundações, é necessário entender que as águas pluviais, na ausência de áreas de infiltração e de receptores convenientemente dimensionados e livres de obstáculos, certamente irão correr para níveis de menores cotas. Na ausência de desníveis significativos, permanecerão represadas até que se cumpra o processo de lento escoamento, associado à esperada ajuda de condições climáticas favoráveis que promova a evaporação.
Não é mais surpresa que fundações de edificações sofram severos danos, resultando em desabamentos em locais de solos instáveis.
A observação um pouco mais devida nos permite concluir que não apenas os topos, encostas e sopés de morros, as áreas alagadiças as margens de corpos d’água e os terrenos com mais de 30% de declividade representam áreas de risco. Acredito que devamos incluir nesta classificação os centros e subcentros urbanos caracterizados como extremamente densos.
Também não mais surpreende as constantes inundações de áreas urbanas e rurais provocadas pelas subidas dos níveis dos corpos d’água, em locais onde antes o fato não ocorria. As tragédias são devidamente anunciadas pelas impermeabilizações do solo urbano, e o conseqüente deságüe atípico sobre estes corpos. Seja em centros e subcentros urbanos, seja em cidades de médio ou pequeno porte, seja em loteamentos esparsos, regulares ou irregulares.
Especialmente no Distrito Federal, no ano de 2011 a Defesa Civil mapeou as principais áreas de risco. Localizam-se em 11 Regiões Administrativas e representam risco à sobrevivência da população residente, à sua saúde, além de ameaçar a integridade patrimonial pública e privada e, sobretudo, o meio ambiente.
Estas localidades foram subdivididas como de risco muito alto, alto e médio, conforme listagem a seguir:
A.     Região a Sul do DF
1.  Ceilândia: 04 áreas
·      Três parcelamentos irregulares (02 de alto risco e 01 médio)
·      Uma área rural (alto risco)
*      Assoreamento de córrego, avanço de erosão contra moradias, enxurradas e alagamento.
2.  Núcleo Bandeirante: 01 área
·      Parcelamento irregular (alto risco)
*      Inundações, alagamentos, vendavais, contaminação de águas, lixo, roedores, contaminação e assoreamento de córrego.
3.  Park Way: 01 área
·      Parcelamento irregular (risco muito alto)
*      Inundações e alagamentos, desabamento e doenças
4.  Recanto das Emas: 01 área
·      Rural (médio risco)
*      Contaminação do solo, do lençol freático e de córrego, doenças por água contaminada e lixo, vendavais e desabamentos.
5.  Riacho Fundo I: 03 áreas
·      Dois parcelamentos irregulares (risco alto)
·      Uma área ecologicamente protegida (Parque Ecológico) (risco alto)
*      Desabamentos, inundações, enxurradas, doenças por lixo e água contaminada, incêndio em residências e alargamento de erosão.
6.  Vicente Pires: 09 áreas
·      Três áreas de parcelamento irregular (risco muito alto e alto)
·      Duas áreas de uso rural (risco muito alto)
·      Quatro áreas ecologicamente protegidas (Córregos) (risco muito alto).
*      Erosão, desabamentos, dano ambiental, doenças por lixo e entulho, inundações, enxurradas, dano ao patrimônio público, ameaça à atuação do Corpo de Bombeiros e ameaça de choques elétricos e curtos circuitos.
B.     Região a norte do DF
1.  Itapoã: 01 área
·      Parcelamento irregular (alto risco)
*      Inundações e alagamentos
2.  Paranoá: 01 área
·      Uso rural (alto risco)
*      Contaminação de nascente e de córrego
3.  Sobradinho II: 03 áreas
·      Todas parcelamentos irregulares (risco muito alto)
*      Desabamentos, incêndio em residência, doenças por lixo e água contaminada, enxurradas, alagamento e vendaval
4.  Sobradinho I: 01 área
·      Parcelamento irregular (risco alto)
*      Desabamento, deslizamento de terra e pedras e dano ambiental
5.  Varjão: 01 área
·      Parcelamento irregular (risco muito alto)
*      Desabamentos, incêndio em residências, doenças por lixo e água contaminada, córrego contaminado, enxurradas e alagamento.
A Defesa Civil recomendou, em conseqüência das constatações, uma avaliação mais profunda dos riscos através de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e de Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Considera aquela instituição que esta será a forma de detectar outras situações de risco dentro de uma mesma área, além da constatação de novas áreas em condições semelhantes.
A elaboração desta análise da Defesa Civil se fundamentou na metodologia adotada pelo Ministério das Cidades, baseada em critérios que envolvem a relação risco X vulnerabilidade.
Com base nesta pesquisa, concluímos que as áreas de risco no DF se caracterizam como a seguir:
A.  Número de áreas: 26
·      Região Oeste do DF: 19 áreas
·      Região Norte e Nordeste do DF: 07 áreas
1)  Parcelamentos Irregulares: 15 áreas
2)  Área Rural: 05 áreas
3)  Áreas Ambientais: 06 áreas
A partir desta pesquisa, concluímos que 57,69% das áreas de risco estão localizadas em parcelamentos irregulares e que a maioria situa-se na classificação de risco alto e muito alto e estão localizadas na Região Oeste e Sudoeste do DF. As áreas rurais compõem 19,23% do total, localizam-se na maior parte (04 áreas) na Região Oeste e Sudoeste do DF, se caracterizam, na maioria, como áreas de muito alto e alto risco. Lamentavelmente, 23,08% incidem sobre o meio ambientalmente sensível, com riscos entre alto e muito alto. A maioria (06 áreas) estão localizadas na Região Oeste e Sudoeste do DF.
Observa-se, portanto, ter ocorrido grave adensamento predatório, especialmente no trecho oeste e sudoeste do DF onde, aliás, localiza-se a sua área mais adensada. De acordo com o PDOT, a maioria destas áreas é considerada consolidada, e é onde também se situa a maior parte das áreas de proteção ecológica e de interesse ambiental.
Retornando ao que estabelece a Lei Federal 6766/79, verificamos que todos os impedimentos para a ocupação humana no DF foram sistematicamente desconsiderados.
Áreas alagadiças sujeitas à inundação, áreas aterradas com lixo e entulho, áreas com declives superiores a 30%, áreas com condições geológicas impróprias para edificar e áreas de preservação ecológica foram loteadas irregularmente.
Da mesma forma, áreas urbanisticamente limitadas – contíguas a águas correntes, a rodovias, ferrovias e dutos – conforme consta do Estatuto da Cidade estão ou estiveram ocupadas (remoções têm sido feitas pelo Poder Público). Desta Lei constam, também, diretrizes no sentido de se evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano sobre o meio ambiente, além do controle do uso do solo como instrumento para evitar a poluição e a degradação ambiental, e recuperação do meio ambiente natural.
A despeito da imprescindível atuação do Poder Público sobre a preservação e recuperação do meio ambiente natural e apesar das ações desenvolvidas pelos órgãos ambientais, muitos passos ainda deverão ser dados em direção às ações efetivas que modifiquem o modo de tratamento do meio ambiente antropizado.
O esforço despendido pelos órgãos de planejamento urbano e territorial encontram rígidas barreiras que se iniciam na dificuldade dos órgãos de monitoramento e fiscalização; na visão e vontade política que entenda e gerencie cada território em sua totalidade; na integração entre administrações territoriais vizinhas (abrangendo desde cidades e municípios até regiões); na compreensão de que o adensamento excessivo de centro e subcentro urbanos implica em conseqüências negativas que superam em muito a economia com intra-estrutura, por resultarem em consideráveis gastos futuros com obras e serviços de correção de pontos vulneráveis – gastos que invariavelmente resultarão inúteis no decorrer do tempo, exigindo mais e mais investimentos, no rastro veloz do adensamento sem trégua.