Por áreas de risco entendem-se os locais impróprios ou proibitivos para a construção de assentamentos ou loteamentos, por apresentarem características que os sujeitam a ocorrência de riscos naturais, além dos riscos originados pela ação humana sobre o meio ambiente.
Muitos são os locais assim classificados. A seguir, listamos alguns:
A. Áreas Naturais:
· Margens de rios e córregos inundáveis
· Topos, encostas e sopés de morros
· Áreas alagadas
· Solos instáveis
· Terrenos com inclinação superior a 30%
B. Áreas resultantes da ação humana:
· Contaminadas por resíduos tóxicos (inclusive aquelas antes ocupadas por lagoas de oxidação e próximas de rodovias e ferrovias)
· Próximas de equipamentos e redes elétricas cujo porte desaconselhem a ocupação humana
· Próximas de equipamentos e redes de abastecimento de água de grande porte
· Próximas de redes de escoamento de águas pluviais, de grande porte
Do ponto de vista do Planejamento Urbano, a legislação mais significativa enquanto reguladora das ocupações humanas é a Lei Federal 6.766/79.
O Art. 3º, Parágrafo Único deste instrumento legal proíbe o parcelamento do solo urbano em áreas que apresentem as seguintes condições:
· Terrenos alagadiços e sujeitos a inundação (antes de serem tomadas as devidas providências que resultem no escoamento das águas).
· Terrenos que tenham sido alterados com material nocivo à saúde pública (sem que tenham sido previamente saneados).
· Terrenos com declividade igual ou superior a 30% (antes de tomadas as providências necessárias pelo Poder Público).
· Terrenos onde as condições geológicas não aconselhem a edificação
· Áreas de Preservação Ecológica
· Áreas poluídas de modo a impedir as condições sanitárias suportáveis (até que haja a correção)
A partir deste dispositivo concluímos pela obrigatoriedade de observação e correção prévia, em qualquer parcelamento, das condições topográficas, ambientais e geológicas da área objeto de intervenção. Esta obrigatoriedade recai sobre o Poder Público ou sobre o particular.
Caso o parcelamento seja irregular, o Poder Público poderá sanar as deficiências do solo, por interesse público, circunstância que abrange tanto o bem-estar do adquirente quanto a manutenção das condições urbanísticas satisfatórias da localidade.
Do Art. 4º, Inciso III, da mesma Lei Federal 6766/79, constam limitações urbanísticas relacionadas às áreas contíguas às áreas correntes, ao mesmo tempo em que se refere aos elementos introduzidos pela ação humana – domínio público de rodovias, ferrovias e dutos. Nestes casos, deve ser reservada faixa “Non Aedificandi” de, no mínimo, 15m de cada lado. Contudo, lei específica, inclusive Estadual, Municipal ou Distrital, pode exigir afastamento maior que este mínimo estabelecido, conforme consta do Art. 5º da mesma Lei Federal, quando se refere a áreas “Non Aedificandi” obrigatórios em relação a equipamentos de abastecimento de água, colete de esgotos, energia elétrica, águas pluviais, rede telefônica e gás canalizado, inclusive se internas a lotes.
Do Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257/2011, Art. 2º, constam as diretrizes gerais que orientam o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana.
Entre estas diretrizes consta a obrigatoriedade de se evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente; o controle do uso do solo como instrumento para evitar a poluição e a degradação ambiental; a proteção, a preservação e a recuperação do meio ambiente natural.
A despeito da objetividade destas legislações federais, apesar da obrigatoriedade da elaboração de Planejamento Urbanístico como elemento fundamental do Plano Diretor definido como instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana (Estatuto da Cidade, Art. 40), para cidades com mais de 20 mil habitantes e para cidades integrantes de regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, os problemas e tragédias ocorridas no Brasil, decorrentes de ocupações humanas em áreas de risco, a cada dia se avolumam.
Não se pode ignorar que cidades do Rio de Janeiro, de São Paulo, de Minas Gerais, da Região Nordeste e da Região Sul têm sido severamente atingidas por calamidades, ora naturais, ora resultantes de ocupações com residências ou outros usos em locais não apropriados.
Os centros urbanos foram excessivamente adensados. Seja qual for a grande cidade brasileira, em nome da redução de gastos com equipamentos públicos urbanos e comunitários (redes de serviços públicos, vias de circulação de veículos e edificações destinadas a hospitais, escolas, segurança pública, entre outros), foram multiplicadas as edificações, com reduzidos afastamentos entre uma e outra e entre cada uma delas e a área pública confrontante.
Mesmo as áreas antes caracterizadas como livres e verdes foram aos poucos substituídas por pavimentação asfáltica para suprir as necessidades, sempre crescentes, de vias de circulação de veículos e estacionamentos públicos, além da impermeabilização de subsolos sob área pública.
A antiga prática de se comercializar unidade imobiliária (apartamentos, salas comerciais, etc.) com ou sem vaga de veículo interna ao lote transformou-se em prenúncio de catástrofe. Quem não compra a vaga economiza no valor do imóvel, mas, posteriormente, através da formação de grupos de pessoas na mesma situação, pressiona o Poder Público para prever mais e mais vagas em área pública. Obviamente, com a supressão de áreas verdes e a conseqüente impermeabilização do solo, já afetada pelos subsolos destinados a garagem, nos subterrâneos das áreas públicas.
Ao mesmo tempo, estimulou-se, e muito, a produção da indústria automobilística, sem o contraponto da oferta de transporte público em condições se não confortáveis, pelo menos dignas.
Onde antes a vida transcorria serena, segura, hoje as condições climáticas se transformaram em iminente ameaça de caos para os ocupantes e usuários dos centros e subcentros urbanos.
As contínuas ocorrências de inundações destas áreas resultam de um planejamento urbano deficiente, na medida em que o organismo constituído pela cidade é tratado de forma parcial. Na maioria dos casos, a ótica abrange apenas parte do objeto de estudo, restrita à vizinhança imediata, dentro de um raio cuja dimensão ignora as influências impactadoras sobre todo o conjunto em que se constitui a cidade e áreas circunvizinhas.
Sob o ponto de vista específico das inundações, é necessário entender que as águas pluviais, na ausência de áreas de infiltração e de receptores convenientemente dimensionados e livres de obstáculos, certamente irão correr para níveis de menores cotas. Na ausência de desníveis significativos, permanecerão represadas até que se cumpra o processo de lento escoamento, associado à esperada ajuda de condições climáticas favoráveis que promova a evaporação.
Não é mais surpresa que fundações de edificações sofram severos danos, resultando em desabamentos em locais de solos instáveis.
A observação um pouco mais devida nos permite concluir que não apenas os topos, encostas e sopés de morros, as áreas alagadiças as margens de corpos d’água e os terrenos com mais de 30% de declividade representam áreas de risco. Acredito que devamos incluir nesta classificação os centros e subcentros urbanos caracterizados como extremamente densos.
Também não mais surpreende as constantes inundações de áreas urbanas e rurais provocadas pelas subidas dos níveis dos corpos d’água, em locais onde antes o fato não ocorria. As tragédias são devidamente anunciadas pelas impermeabilizações do solo urbano, e o conseqüente deságüe atípico sobre estes corpos. Seja em centros e subcentros urbanos, seja em cidades de médio ou pequeno porte, seja em loteamentos esparsos, regulares ou irregulares.
Especialmente no Distrito Federal, no ano de 2011 a Defesa Civil mapeou as principais áreas de risco. Localizam-se em 11 Regiões Administrativas e representam risco à sobrevivência da população residente, à sua saúde, além de ameaçar a integridade patrimonial pública e privada e, sobretudo, o meio ambiente.
Estas localidades foram subdivididas como de risco muito alto, alto e médio, conforme listagem a seguir:
A. Região a Sul do DF
1. Ceilândia: 04 áreas
· Três parcelamentos irregulares (02 de alto risco e 01 médio)
· Uma área rural (alto risco)
* Assoreamento de córrego, avanço de erosão contra moradias, enxurradas e alagamento.
2. Núcleo Bandeirante: 01 área
· Parcelamento irregular (alto risco)
* Inundações, alagamentos, vendavais, contaminação de águas, lixo, roedores, contaminação e assoreamento de córrego.
3. Park Way: 01 área
· Parcelamento irregular (risco muito alto)
* Inundações e alagamentos, desabamento e doenças
4. Recanto das Emas: 01 área
· Rural (médio risco)
* Contaminação do solo, do lençol freático e de córrego, doenças por água contaminada e lixo, vendavais e desabamentos.
5. Riacho Fundo I: 03 áreas
· Dois parcelamentos irregulares (risco alto)
· Uma área ecologicamente protegida (Parque Ecológico) (risco alto)
* Desabamentos, inundações, enxurradas, doenças por lixo e água contaminada, incêndio em residências e alargamento de erosão.
6. Vicente Pires: 09 áreas
· Três áreas de parcelamento irregular (risco muito alto e alto)
· Duas áreas de uso rural (risco muito alto)
· Quatro áreas ecologicamente protegidas (Córregos) (risco muito alto).
* Erosão, desabamentos, dano ambiental, doenças por lixo e entulho, inundações, enxurradas, dano ao patrimônio público, ameaça à atuação do Corpo de Bombeiros e ameaça de choques elétricos e curtos circuitos.
B. Região a norte do DF
1. Itapoã: 01 área
· Parcelamento irregular (alto risco)
* Inundações e alagamentos
2. Paranoá: 01 área
· Uso rural (alto risco)
* Contaminação de nascente e de córrego
3. Sobradinho II: 03 áreas
· Todas parcelamentos irregulares (risco muito alto)
* Desabamentos, incêndio em residência, doenças por lixo e água contaminada, enxurradas, alagamento e vendaval
4. Sobradinho I: 01 área
· Parcelamento irregular (risco alto)
* Desabamento, deslizamento de terra e pedras e dano ambiental
5. Varjão: 01 área
· Parcelamento irregular (risco muito alto)
* Desabamentos, incêndio em residências, doenças por lixo e água contaminada, córrego contaminado, enxurradas e alagamento.
A Defesa Civil recomendou, em conseqüência das constatações, uma avaliação mais profunda dos riscos através de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e de Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Considera aquela instituição que esta será a forma de detectar outras situações de risco dentro de uma mesma área, além da constatação de novas áreas em condições semelhantes.
A elaboração desta análise da Defesa Civil se fundamentou na metodologia adotada pelo Ministério das Cidades, baseada em critérios que envolvem a relação risco X vulnerabilidade.
Com base nesta pesquisa, concluímos que as áreas de risco no DF se caracterizam como a seguir:
A. Número de áreas: 26
· Região Oeste do DF: 19 áreas
· Região Norte e Nordeste do DF: 07 áreas
1) Parcelamentos Irregulares: 15 áreas
2) Área Rural: 05 áreas
3) Áreas Ambientais: 06 áreas
A partir desta pesquisa, concluímos que 57,69% das áreas de risco estão localizadas em parcelamentos irregulares e que a maioria situa-se na classificação de risco alto e muito alto e estão localizadas na Região Oeste e Sudoeste do DF. As áreas rurais compõem 19,23% do total, localizam-se na maior parte (04 áreas) na Região Oeste e Sudoeste do DF, se caracterizam, na maioria, como áreas de muito alto e alto risco. Lamentavelmente, 23,08% incidem sobre o meio ambientalmente sensível, com riscos entre alto e muito alto. A maioria (06 áreas) estão localizadas na Região Oeste e Sudoeste do DF.
Observa-se, portanto, ter ocorrido grave adensamento predatório, especialmente no trecho oeste e sudoeste do DF onde, aliás, localiza-se a sua área mais adensada. De acordo com o PDOT, a maioria destas áreas é considerada consolidada, e é onde também se situa a maior parte das áreas de proteção ecológica e de interesse ambiental.
Retornando ao que estabelece a Lei Federal 6766/79, verificamos que todos os impedimentos para a ocupação humana no DF foram sistematicamente desconsiderados.
Áreas alagadiças sujeitas à inundação, áreas aterradas com lixo e entulho, áreas com declives superiores a 30%, áreas com condições geológicas impróprias para edificar e áreas de preservação ecológica foram loteadas irregularmente.
Da mesma forma, áreas urbanisticamente limitadas – contíguas a águas correntes, a rodovias, ferrovias e dutos – conforme consta do Estatuto da Cidade estão ou estiveram ocupadas (remoções têm sido feitas pelo Poder Público). Desta Lei constam, também, diretrizes no sentido de se evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano sobre o meio ambiente, além do controle do uso do solo como instrumento para evitar a poluição e a degradação ambiental, e recuperação do meio ambiente natural.
A despeito da imprescindível atuação do Poder Público sobre a preservação e recuperação do meio ambiente natural e apesar das ações desenvolvidas pelos órgãos ambientais, muitos passos ainda deverão ser dados em direção às ações efetivas que modifiquem o modo de tratamento do meio ambiente antropizado.
O esforço despendido pelos órgãos de planejamento urbano e territorial encontram rígidas barreiras que se iniciam na dificuldade dos órgãos de monitoramento e fiscalização; na visão e vontade política que entenda e gerencie cada território em sua totalidade; na integração entre administrações territoriais vizinhas (abrangendo desde cidades e municípios até regiões); na compreensão de que o adensamento excessivo de centro e subcentro urbanos implica em conseqüências negativas que superam em muito a economia com intra-estrutura, por resultarem em consideráveis gastos futuros com obras e serviços de correção de pontos vulneráveis – gastos que invariavelmente resultarão inúteis no decorrer do tempo, exigindo mais e mais investimentos, no rastro veloz do adensamento sem trégua.
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