Recentes discussões decorridas do evento Rio + 20 expuseram fatos de enorme relevância, até então de pouco enfoque.
A questão a que nos referimos é a alteração do clima urbano das metrópoles, ocorridas pelas interferências humanas através de construções onde, inevitavelmente, é utilizado o concreto, além do asfalto das vias de circulação de veículos.
O resultado da utilização destes materiais, em substituição ao meio natural, provoca o aumento da temperatura das cidades de maior porte. Este fenômeno, denominado “ilha de calor”, representa anomalia térmica que torna as metrópoles mais quentes que as regiões vizinhas, sejam áreas não antropizadas ou áreas rurais.
Desde a década de sessenta, chegar ao Rio de Janeiro por via terrestre já permitia constatar esta ocorrência. Descer a serra de Petrópolis, local de extensa cobertura vegetal e clima agradável, possibilitava perceber o acréscimo imediato da temperatura ao se atingir o perímetro urbano, efeito produzido pela urbanização em curso, processo acentuado a partir da década de cinqüenta.
O Plano Diretor de Ordenamento Territorial do DF abordou o tema do meio ambiente estabelecendo diretrizes que abrangem: a proteção e o uso racional dos recursos naturais relacionados à vegetação de cerrado, mananciais e outras áreas de fragilidade ambiental – bordas de chapadas, encostas e fundos de vales – o zoneamento ambiental do território, a educação ambiental, o incentivo à arborização como elemento integrador e de conforto ambiental e a interligação de fragmentos de vegetação natural, associada à recomposição vegetal, favorecendo a constituição de corredores ecológicos ou outras conexões entre as dez unidades de conservação existentes, através de programas e projetos que incentivem a manutenção de áreas remanescentes do cerrado.
Ao mesmo tempo, propõe a criação de conectores ambientais, viabilizados através de porções de ecossistemas naturais ou seminaturais, parques, vias públicas, calçadas, canteiros centrais, praças e playgrounds, providos de arborização e áreas verdes, elementos que permitam a conexão entre espaços naturais e preservados e as unidades de conservação.
Qualquer que seja a cidade, não importa em que país, é local onde o homem transformou o ambiente natural. Esta transformação é negativamente impactante em função da inevitável eliminação de cobertura vegetal.
Nos países menos desenvolvidos, a produção de lixo e a pouca estrutura relacionada a equipamentos de saneamento básico resultam em poluição de corpos d´água pela emissão de dejetos e abertura aleatória de poços de água, em prejuízo aos cursos subterrâneos, além do consumo de água inadequada à saúde.
Nestes mesmos países, por dificuldade em solucionar a questão do transporte público, a cada dia mais veículos individuais circulam pelas vias, demandando o alargamento das existentes e a abertura de novas, além de mais e mais estacionamentos públicos.
Em contraposição ao que estabelece o PDOT-DF, muito difícil será a tarefa de compatibilizar a criação de conectores ambientais pela manutenção e criação de parques e áreas arborizadas ao longo de vias públicas e canteiros centrais, sem solucionar os problemas fundamentais: Transporte público de qualidade e habitações para a população que se multiplica continuamente, sobretudo em relação aos que migram para os grandes centros urbanos em busca de trabalho e condições satisfatórias de saneamento básico.
As conseqüências das implantações de cidades são profundas, sobretudo sobre o meio ambiente natural. Mas permanece a tendência em permitir o adensamento dos núcleos urbanos em proporções intensas.
A questão que se coloca é a necessidade de solucionar o grave problema da intensificação do clima urbano, além dos outros problemas decorrentes das grandes aglomerações, separando a abstração da realidade sufocante.
No Distrito federal existe um decreto, de número 14783, publicado em 1993, que tombou como patrimônio ecológico várias espécies arbóreo-arbustivas. Este instrumento legal estabelece, além do tombamento destas espécies previamente definidas, que o corte, a erradicação, o transplantio e a poda de espécies de qualquer natureza, em zona urbana ou de extensão urbana, em área pública ou mesmo privada, requerem a autorização da Administração Regional competente, ouvida a NOVACAP, órgão responsável pela manutenção dos espaços verdes do Distrito Federal.
Consta também, deste decreto, que a erradicação de árvores é estritamente vinculada ao seu estado fitossanitário, possibilidade iminente de queda, interferência com redes aéreas ou subterrâneas, ocorrência comprovada de malefícios causados à saúde e riscos às edificações.
Além disso, exige que as normas urbanísticas de qualquer área, referentes à aprovação de parcelamentos urbanos, constem de exigências sobre a manutenção de espécies de porte superior a 2,50m ou com circunferência superior a 20m.
Ao lado destas exigências, muitas normas urbanísticas requerem área de permeabilidade interna aos lotes. Contudo, a materialização destas áreas não é claramente especificada por estas legislações. Logo, soluções alternativas são sempre buscadas pelos proprietários, como forma de escapar do ajardinamento e do plantio de árvores. Em alguns casos, a Carta de Habite-se tem sua emissão bloqueada pela vistoria fiscalizadora do imóvel, quando verificada a impermeabilização destas áreas incluídas no projeto arquitetônico aprovado ou visado. Evidentemente, sob o protesto do proprietário.
Lamentavelmente, as áreas de permeabilidade previstas em legislação têm objetivo muito mais associado ao escoamento de águas pluviais – fator, igualmente, de extrema importância – do que à meta tão necessária de atenuar o desconforto ambiental causado pelas construções urbanas.
Neste sentido, muitas normas permitem que a área de permeabilidade seja substituída por sistema de captação e armazenamento de águas pluviais, para posterior utilização específica na edificação, afastada a possibilidade de consumo humano e outras condições que exijam potabilidade.
Ao mesmo tempo, os planos diretores excluíram as áreas de permeabilidade de quase todos os lotes residenciais unifamiliares, na medida em que ampliou a área total das unidades imobiliárias onde a permeabilidade deve ser exigida. Em conseqüência, os lotes de uso residencial unifamiliar, por suas dimensões sempre inferiores aos lotes destinados a outros usos, se ausentaram desta obrigação, mesmo sendo maioria em qualquer núcleo urbano.
Por sua vez, os projetos arquitetônicos de uso residencial unifamiliar refletem, via de regra, a intenção de utilizar a totalidade do lote. Seja qual for a motivação, ocupar todo o espaço disponível é ocorrência comum. Nestes projetos, sequer um pequeno jardim é proposto.
O resultado tem sido a contínua impermeabilização do solo em vasta área urbana, com a supressão, inclusive, de elementos vegetais pré-existentes, que sequer constam do projeto arquitetônico como forma de driblar o que chamam de “burocracia para arrancar uma árvore”.
Muito comuns são as ocorrências em que moradores exigem do Poder Público a retirada de árvores em área pública, que lhes são vizinhas, sob argumentos variados, entre eles a existência de animais silvestres que lhes causam incômodo. Mas o espaço urbano usurpou o meio ambiente natural e, é claro, os animais podem permanecer. Nós ocupamos a área deles, e não o contrário. Se vissem os tamanduás, onças e cobras que circulavam pelo Plano Piloto em 1960!
Enquanto isso, o PDOT propõe a criação de conectores ambientais entre espaços naturais e preservados e as unidades de conservação. Mas até que ponto essa idéia será concretizada não é possível avaliar. Certamente, dentro de algum tempo não teremos áreas verdes urbanas e parques. A ocupação oficializada e a irregular certamente se encarregarão do estrago Em conseqüência, nas grandes cidades, muitos graus centígrados se somarão aos atuais, até que os conflitos ambientais, territoriais, de locomoção, de localização e outros mais sejam encaminhados, pela consciência, para um final menos catastrófico.
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