terça-feira, 26 de junho de 2012

O Direito de Tapagem, os Condicionantes Urbanísticos e Arquitetônicos e o Respeito à Vizinhança


Os elementos utilizados como delimitadores de propriedades constam do novo Código Civil Brasileiro (Art. 1297 e 1298) sob a designação de limites entre Prédios e Direito de Tapagem, prerrogativa concedida ao proprietário de Unidade Imobiliária de isolar a sua porção de área em relação ao meio circundante.
Por meio circundante entende-se as demais áreas confrontantes, urbanas e rurais, públicas ou privadas, excluídas dos limites de determinada propriedade.
Do referido Código Civil consta como direito do proprietário a construção de cerca de arame ou madeira, muro, vala, sebes vivas, muretas, árvores ou outras plantas ou qualquer outro meio, em área urbana ou rural, como marco divisório entre a sua propriedade e as demais áreas confinantes. Deste mesmo instrumento legal consta a possibilidade de serem implantados estes divisores no ponto médio entre propriedades vizinhas, pertencente a ambos os proprietários e sob a responsabilidade de construção e manutenção distribuída entre ambos.
No Distrito Federal, os elementos divisores entre as unidades autônomas foram tratado por dois tipos de instrumentos normativos – pela Legislação de Uso e Ocupação do Solo e pelo Código de Edificações do Distrito Federal.
A Legislação de Uso e Ocupação do Solo, instrumento urbanístico, define o tipo de cercamento passível de ser construído sobre as divisas dos lotes, havendo, em muitos casos, variações na natureza dos materiais utilizados nas divisas laterais e posterior e na divisa frontal. Ao mesmo tempo, determina a altura máxima (em alguns casos, também a altura mínima) passível de permissão.
O Código de Edificações do DF, por sua vez, trata de conceitos e critérios construtivos específicos relacionados a muros, enquanto construções em alvenaria, concreto ou material equivalente.
Em observância ao que determina o Código Civil Brasileiro, que concede ao proprietário o direito de edificar barreiras sobre os limites de sua área, por razões de segurança, sossego e saúde dos habitantes, muros não necessitam de aprovação ou visto de projeto arquitetônico. Contudo, é obrigatória a estrita observância aos parâmetros urbanísticos vigentes, sob este aspecto, para a área urbana (ou rural) onde se localiza o imóvel, enquanto determinantes dos materiais a serem empregados nas respectivas divisas, sobretudo na testada do lote, e a altura permitida, além da obrigação do proprietário de dar tratamento às paredes externas, voltadas para área pública ou lote vizinho, em padrão de acabamento igual ou similar aos tratamentos internos desta construção.
O Código Civil Brasileiro prevê, ainda, algumas ocorrências relacionadas à construção e manutenção de muros:
    Se o muro for relacionado exclusivamente ao lote vizinho, e for constato qualquer risco iminente, o proprietário da área confinante pode exigir a sua reparação ou demolição do muro, além de caução pelo dano previsto.
    Muros construídos sobre o eixo das divisas são de responsabilidade de ambos os proprietários.
Muros de arrimo ou contenção são obrigatórios quando o movimento de terra implicar em diferença de nível superior a 1,00m em relação ao entorno do lote. Este tipo de muro, considerada a sua função específica, deve ter seu projeto arquitetônico aprovado e licenciado, o que exige apresentação de projeto estrutural.
Caso o movimento de terras seja contíguo ou próximo a cursos d’água ou linhas de drenagem, a área de solo mole ou sujeita a inundações, em área de várzea alagadiça ou área declarada de proteção ambiental ou sujeita a erosões, é obrigatória a apresentação, pelo interessado, do resultado de consulta ao órgão ambiental, onde estarão definidas as providências a serem adotadas para a minimização dos impactos causados ao meio ambiente. Apenas depois da apresentação desta consulta o projeto arquitetônico poderá ser aprovado.

A legislação contida no Código de Edificações do DF representa um avanço no tratamento da questão relacionada à construção de muros sobre as divisas de lotes.
De ninguém é desconhecida as inúmeras e constantes disputas e desavenças entre vizinhos motivadas pela localização de muros. Há quem brigue por 15 cm de terreno quando toma ciência de um muro que invadiu a sua área.
Diante destas demandas, o Código de Edificações do DF obrigou à total independência entre paredes e quaisquer outros elementos de edificações vizinhas e geminadas, desde o subsolo até o limite superior da cobertura. Aboliu o compartilhamento. Isto inclui os muros, que devem ser independentes para cada edificação. Esta determinação eliminou os conflitos resultantes do travejamento de paredes comuns, permitido pelo Código Civil, incluindo a construção que utiliza os muros sobre as divisas e os conseqüentes questionamentos judiciais.
As outras formas de tapagem, permitidas pelas legislações de Uso e Ocupação do Solo aplicáveis às cidades do Distrito Federal, referem-se a cercas metálicas, cervas vivas e mistas, cercas metálicas/muretas (cercas sobre muros, até alturas pré-determinadas). Esta última opção é muito comum em divisas frontais dos lotes, quando é exigido um mínimo de 70% de visibilidade da área do cercamento, em elevação.
A despeito de toda esta legislação aplicável a cercamentos de divisas, o Distrito Federal tem sido prolífico em avanços com cercas, e até mesmo muros, além dos limites dos lotes. Certas circunstâncias podem ser chamadas de absurdas, como é o caso das Quadras Econômicas Lúcio Costa, no Guará.
Naquele local, constituído por edificações, na maioria, destinadas a Habitações Coletivas, a ausência de vagas para veículos em subsolo, aliada à inexistência de estacionamentos públicos para atendimento a edificações com estas destinações, provocou a mais absoluta desordem urbanística, com cercas metálicas instaladas em áreas públicas, que deveriam ser verdes, recobertas por cascalho. Em alguns locais, a passagem de pedestres é quase proibitiva, restando apenas uma calçada pública estreita, constrangida por cercas de ambos os lados, no percurso de, pelo menos, 60m. Sem contar os casos em que os moradores de um Bloco acessam o estacionamento através da cerca de outro Bloco.
No Distrito Federal, cercar edificações destinadas às Habitações Coletivas é questão extremamente discutível, considerado o princípio de liberdade de deslocamento do pedestre. Afinal, com este objetivo foram propostos os Pilotis das edificações, como forma de eliminar barreiras construtivas sob os pontos de visto físico e visual.
Nos limites do Plano Piloto de Brasília, área tombada por seus atributos histórico, artístico e cultural, cercar edificações observa normas urbanísticas bem definidas sob o ponto de vista da permeabilidade visual – não se admite muros – e habitações coletivas não podem ser cercadas. Entretanto, o que vem ocorrendo fora do perímetro de tombamento beiraria o grotesco se não fosse tão grave.
Os condomínios verticais, multiplicados pela displicência dos Planos Diretores Locais, em nome do terror urbano originado nas profundas disparidades sociais e no sucateamento da educação, têm produzido e reproduzido muralhas ao redor dos pretensos oásis de paz e harmonia regados a piscinas, quadras de esporte e outras enganações.
Quanto mais alta a muralha, maior a suposta noção de segurança, de inatingibilidade. E lá se vão multiplicando as caixas urbanas, protegendo a coisa preciosa contra o olhar e o andar dos passantes. Quem quiser que dê a volta, mesmo que seja grande o percurso. Me pergunto se, no decorrer do tempo, retornaremos ao já abolido hábito ancestral de implantar muralhas vigiadas ao redor das cidades.
Conhecedores que somos das profundas marcas urbanas causadas pela violência e, ao mesmo tempo, da incontida ausência de respeito pela propriedade, gerada nos meandros da ganância, não é possível posicionar-se contrariamente à instalação de elementos delimitadores de lotes. A questão é como poderá ocorrer esta materialização. Mas em condições que respeitem quem está por dentro e quem está por fora, garantindo a condição em que os olhares se encontrem.

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