1. Os Objetivos e Características:
A arquitetura pode ser definida como a materialização de espaços através de elementos delimitadores. A criação dos espaços é orientada pelas necessidades e aspirações dos futuros usuários e se fundamenta no modo de utilização culturalmente estabelecida por cada população e seus hábitos.
Os espaços especificamente residenciais unifamiliares se materializam de acordo com o objetivo de cada obra (uso e atividades). A seguir relacionamos alguns casos:
A. Habitação Unifamiliar: este uso/atividade pode ser subdividido em dois objetivos, diferenciados pela intenção de quem projeta:
1) A habitação unifamiliar destinada ao usuário pré-definido – o próprio contratante da obra – que expressa os seus anseios e necessidades de acordo com o número de familiares e os hábitos de cada um, além da sua faixa de renda.
2) Habitação unifamiliar destinada a usuário indefinido, construída para venda ou aluguel. Neste tipo específico, o objetivo de quem constrói é vinculado muito mais ao valor do imóvel, em conformidade com a faixa de renda do comprador, adequação iniciada na escolha da localização do lote dentro da malha urbana (bairro, setor, quadra e rua) e adaptada às características de dimensionamentos e outros aspectos do programa arquitetônico. Mas sem perder o foco do modo de vida culturalmente instalado daquele usuário futuro.
3) Habitação Unifamiliar de Interesse Social: edificações desta natureza têm por função primordial abrigar pessoas, geralmente, vítimas do perverso sistema imobiliário que sempre ousou, livremente, especular com o direito básico à moradia.
Obras com objetivo social são sempre construídas em áreas não valorizadas pelo sistema imobiliário, geralmente nas periferias dos centros urbanos, materializadas em lotes unifamiliares ou habitações coletivas.
As edificações individuais são projetadas, geralmente, em modelo único, sempre com base no lote de menores dimensões. A área construída de cada unidade é variável entre 40,00m² e 68,00m², limite aceitável para residência considerada como econômica, e quase sempre idênticas em forma e função.
O Distrito Federal pode construir, igualmente, unidades denominadas econômicas do tipo célula, consideradas pelo Código de Edificações do DF como etapa inicial de unidade econômica com, no mínimo, dois compartimentos.
Embora o objetivo fundamental de edificações desta natureza seja prover abrigo, conhecemos inúmeras circunstâncias em que o beneficiário comercializa a unidade imobiliária, mesmo financiada de modo a atender às suas possibilidades de endividamento e, em seguida, reinscreve-se em outros programas sociais, através de pessoas ainda não beneficiadas, para posteriormente repetir o ato ilegal. Transforma o benefício em fonte irregular de renda.
Inevitavelmente, o sistema imobiliário tem raízes muito mais profundas no meio urbano do que todo o arcabouço cultural e filosófico que orienta as ações do arquiteto. Atos especulativos são muito mais centrados no uso residencial, atividade de “primeira necessidade”, predominante em qualquer núcleo urbano, portanto, a que gera mais lucros, seja na construção para venda, seja para aluguel. Não foi por outra razão que áreas foram invadidas, não só no Distrito Federal, mas em todo o País, reproduzindo ocupações irregulares em locais antes destinados a fazendas, chácaras e áreas públicas, incluindo as de risco e de Proteção Ambiental.
Os princípios que fundamentam a atuação dos arquitetos, relacionados à adequação das funções às necessidades e aspirações do usuário, de há muito foram restritos à sua capacidade criativa de transformar a rigidez da uniformização, requerida pelo atual modo de produção da arquitetura, em objetos a um só tempo bem solucionados e, por isso mesmo, rentáveis.
O que importa agora não é só a questão cultural. A ênfase foi deslocada para os aspectos financeiros e psicológicos introjetados no objeto arquitetônico resultante. O condicionante financeiro sobrepuja qualquer outro por representar a base de sustenção da obra, determinante do que é possível executar, observados os recursos disponíveis e os recursos do público alvo, onde está inserido o aspecto psicológico, reunindo os padrões de natureza cultural de determinada população, resultando no ato de gostar ou não gostar do produto oferecido.
Seja habitação individual ou habitação coletiva, o que hoje está em jogo é a adequação do objeto ao gostar e ao poder de comprar. Na maioria das vezes, o poder de comprar não se afina com o gostar. Os maiores cuidados encerram-se na habitação de interesse social, quando a exigüidade dos recursos públicos, resultantes das enormes carências, impelem ao gostar simplesmente por ser o objeto arquitetônico presente o único disponível.
A partir destas observações, concluímos que a materialização do objeto arquitetônico para uso residencial é, dependente dos seus objetivos, pode ser subdividida em três tipos bem específicos:
a) A arquitetura “literária”:
Arquitetura que freqüenta salões de exposições, revistas especializadas e documentários exibidos na TV, possui as seguintes características, diferenciadas em dois tipos:
· Semelhança com a arquitetura oficial, assim chamada aquela paga pelo Poder Público para materialização dos seus espaços funcionais. Compõe-se de grandes espaços, promovidos por caros sistemas construtivos e estruturais, vidros em profusão, grandes linhas retas e generosas curvas compondo volumes bem delineados e efeitos plásticos planejados.
· Espaços, sistemas construtivos e estruturais menos dispendiosos, adequado e integrado ao entorno sob os aspectos ambientais.
Respeito às necessidades do usuário, incluindo os hábitos culturais.
b) A arquitetura popular:
Neste tipo específico, o orçamento ou é limitado ou é mais largo. Em ambos os casos se sujeita a modismos de cada época e lugar. Tende ao estigma do modelo, repetido em profusão pelo tecido urbano construído em materiais de maior alarde da propaganda, em geral a preços atrativos. Acaba por definir as características de uma cidade, ou de várias em um mesmo Estado, dependendo do nível de renda de cada população local.
Exemplo curioso são as edificações residenciais construídas em vários subúrbios do Rio de Janeiro, nas décadas de 1950 e 1960. Modelo pronto, semelhante a latas de mesmo conteúdo e marca em prateleira de supermercado, eram projetos reproduzidos e vendidos prontos, por um certo construtor da época, para clientes de classe média baixa. No pacote, vinha a obrigação da obra ser construída pelo mesmo vendedor.
A curiosidade do modelito era a abertura de quarto e banheiro diretamente para a sala de estar, além da impossibilidade de adaptação aos terrenos com considerável desnível, comuns naquela cidade. Então, era construída uma laje apoiada no solo, no acesso à residência, e estrutura sobre longos pilares a partir deste acesso, criando enorme vão inferior sem destinação. Para se chegar ao quintal era obrigatória a descida por longa escada lateral, ou por outra escada, muito íngreme, partindo da área de serviço no trecho posterior da casa.
Estes modelos se repetiam por várias ruas e por incontáveis quarteirões, ocupando inúmeros bairros em seqüência, à semelhança de obras de interesse social, sem de fato o serem. Provavelmente o esperto construtor, que também era o proprietário da loja de materiais de construção e negociador de lotes enriqueceu, sem qualquer pesar pelos estragos arquitetônicos que produziu sobre aqueles tecidos urbanos. Com o advento das favelas, o seu reinado se encerrou substituído pelo terror social.
c) A arquitetura de interesse social:
Este tipo carrega o estigma da uniformidade, traduzida em modelos absolutamente idênticos, projeto adaptado, precipuamente, aos lotes de menores dimensões.
Experiência interessante ocorreu no Distrito Federal, na Vila Tecnológica do Guará, onde o órgão responsável pelos projetos criou duas opções, uma delas com dois pavimentos.
Razões financeiras e rapidez construtiva determinam a criação de modelos. A execução das unidades, com economia de materiais e sistemas estruturais, permite a elaboração de orçamentos previsíveis e maior celeridade na implantação e entrega, objetivo último determinante da classificação das obras como de interesse social.
Este tipo diverge consideravelmente da arquitetura que chamamos de popular por ocupar área pré-determinada na malha urbana, escolhida pelo Poder Público pelo valor do solo, pela proximidade com sistemas de abastecimento de água, de redes de fornecimento de energia elétrica, de captação de esgoto, todos estes elementos de infra-estrutura urbana, além da facilidade de extensão do sistema de circulação viária e de transportes urbanos. Enfim, não se repete.
Analisando a questão da arquitetura residencial unifamiliar sob o ponto de vista dos objetivos e das características de materialização, podemos concluir que a melhor das abordagens é a arquitetura que chamamos “literária”, mas apenas aquela que traz em sua concepção o respeito às características no meio ambiente circundante e às origens e modo de vida culturalmente instalado em seus futuros ocupantes.
Distante da arquitetura fria que define o bloco de gelo esculpido das concepções “pró-oficiais”, por suas próprias características também se distancia da repetição incessante do que chamamos de arquitetura popular. Produz espaços adaptados a seus objetivos, fisicamente agradáveis, e ao mesmo tempo não se desagrega do conjunto do entorno, na medida em que não tem a pretensão de ser diferente a ponto de chocar os princípios culturais/visuais da vizinhança.
Bem ao contrário, é capaz de alterar o ritmo monocórdio resultante das sucessivas cópias com pequenas alterações, estimulando a noção do “eu” inserido no “nós”.
Basta, para se chegar a um fim melhor sucedido, que a comunicação com o cliente tenha sempre como esteio a necessária pesquisa.
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