sexta-feira, 10 de agosto de 2012

A Triste História Urbanística e Arquitetônica do Pólo de Moda do Guará - Dos Princípios de Criação à Tragédia Especulativa


            Toda cidade, em qualquer lugar onde se encontre, deve estar continuamente em processo de desenvolvimento para que se aproxime, cada vez mais, do foco ideal de atendimento às necessidades, anseios e aspirações de seus habitantes.
            O tratamento Urbanístico dado aos núcleos urbanos deve obsevar, em profundidade, o modo de vida da população, a sua dinâmica própria relativa à busca por serviços, sua ótica de apreensão do espaço, suas direções e deslocamentos, além de outras características específicas daquela comunidade, considerados os aspectos social, econômico e cultural envolvidos nessa malha de relações complexas.
            A cidade do Guará muito evoluiu desde a sua fundação, cujo objetivo inicial foi atender a carência habitacional de servidores públicos. De assentamento urbano passou, gradativamente, com considerável velocidade, a núcleo de classe média e média alta, em caráter predominante, em função da sua centralidade na malha urbana do Distrito Federal e por manter características de cidade tranquila e organizada.
            As transformações sócio- econômicas resultaram na coexistência de diferentes categorias sociais, circunstância que reclamava a criação de postos de trabalhos e atendimento àqueles cujas atividades econômicas, realizadas em residências, encontrassem locais adequados ao seu desenvolvimento e permitissem absorção de mão-de-obra.
            Grande parcela destas atividades era voltada para a confecção de vestuários e artefatos afins. Por esta razão, foi criada área específica para abrigar esta demanda, denominada Pólo de Moda.
            Com o objetivo de atendimento às necessidades originadas desta implantação, de acordo com o Memorial Descritivo do Projeto Urbanístico (MDE 105/98), foram previstas 406 lotes destinados, ao uso industrial de baixo impacto e pequeno porte, uso comercial e de serviços como apoio ao uso principal, uso misto residencial e industrial, além do uso institucional representado por equipamentos públicos e comunitários (EPC).
            Especialmente em relação ao uso misto, foram previstos 298 lotes com esta finalidade. A edificação era constituída, de acordo com a norma vigente à época (NGB 105/98), de no máximo três pavimentos (térreo mais dois), onde o 1º e o 2º pavimentos eram destinados ao uso industrial, e o 3º pavimento ao uso habitacional unifamiliar, objetivando oferecer moradia ao proprietário da edificação ou a funcionário.
            Para o uso comercial de serviços, onde não era admitido o uso residencial, foram previstos 98 lotes. Os EPCs, destinados a Administração Pública, educação, entidades associativas, templos e saúde, somavam 10 lotes.
            A partir desta distribuição prevista pela legislação urbanística aplicável à época, conclui-se que o Pólo de Moda poderia conter apenas 298 unidades habitacionais, uma em cada lote onde eram permitidos três pavimentos.
            Esta previsão fundamentou-se nos resultados do EIA/RIMA que precedeu a Elaboração do Projeto Urbanístico da localidade e nas consultas ao órgão de Meio Ambiente (à época, IEMA - DF) que avaliou os condicionantes ambientes e emitiu recomendações relacionadas, entre outros aspectos, à taxa de ocupação e densidade populacional da área, que deveriam manifestar-se da menor forma possível, considerada a proximidade do córrego Vicente Pires e o tipo de solo existente. Com estes cuidados, pretendia-se a redução de impactos agravantes sobre os recursos hídricos e o risco de serem desencadeados processos erosivos. Consequentemente, fazia resalvas ao uso residencial na área.
            Contudo, em meados do ano 2000, já nas primeiras apresentações de Projeto Arquitetônico, com vistas à aprovação, foi demonstrado o mais afrontante descaso com os condicionantes urbanísticos que regiam as construções e, consequentemente, com as expressas recomendações do Órgão Ambiental.
            Neste afã, multiplicavam-se as tentativas de aprovar partidos arquitetônicos repletos de quitinetes. O indeferimento das propostas causava profunda ira naqueles interessados, que prometiam construir de acordo com suas próprias metas e garantiam que ninguém iria impedi-los.
            As ameaças logo se tornaram realidade. Os interessados que se encaixavam neste perfil – felizmente não todos, mas apenas uma parcela – sequer construíram edificações industriais. Bem ao contrário, sobretudo nos lotes de esquina, subdividiram o térreo em várias lojas e moldaram inúmeras quitinetes nos pavimentos superiores, em geral áreas sem iluminação e ventilação, sem circulação adequada para acesso às unidades e com número de pavimentos acima do permitido. Quem podia construir dois pavimentos, construiu três, sob o argumento pífio de se sentir subtraído, já que outras edificações vizinhas poderiam ter três pavimentos. Quem podia ter três pavimentos, construiu quatro.
            O absurdo não se deteve. Mesmo sob ação fiscalizatória constante, não havia respeito às notificações, embargos, intimações demolitórias ou multas. O fim a ser alcançado, o retorno financeiro pelos aluguéis ou vendas de quitinetes e lojas era muito superior aos “incômodos” causados pela fiscalização. Valia a pena, até mesmo, ser inscrito em dívida ativa.
            A partir da publicação do PDL a situação agravou-se ainda mais. Este Instrumento Urbanístico permitiu que as edificações de dois e de três pavimentos tivessem o coeficiente de aproveitamento majorado para três vezes a área do lote, ao mesmo tempo em que eliminou a obrigatoriedade, prevista na legislação anterior, de criar galeria de circulação de pedestres no nível do térreo, possibilidade que aumenta a área construída dos lotes.
            Não tardou e surgiram edificações com cinco pavimentos. Verificou-se, com perplexidade, que as edificações estavam sendo subdivididas entre vários proprietários, a partir de um curioso sistema de “venda de laje”: quem estivesse interessado em construir quitinetes, comprava uma “laje” inteira, correspondente a todo pavimento, ou podia adquirir apenas parte do pavimento, construído para alugar ou vender as unidades obtidas. Evidentemente, tentavam obter o máximo possível de unidades habitacionais no espaço disponível. O resultado foi a construção de apartamentos sem iluminação e ventilação, corredores intransponíveis pela largura insuficiente, além da ausência de elevador, quando o número de pavimentos atingiu o limite de cinco, circunstância em que o Código de Edificações do DF exige a instalação deste mecanismo de acesso vertical.
            Hoje, quando o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade impede aprovações de projeto, na medida em que foi extinto o Art. 36 que definia os usos dos lotes do Guará, não poderia ser mais expressiva a propriedade da ocasião para a realização de estudos e a proposta de soluções para deter as crescentes irregularidades daquela área.
            Caberá à Lei de Uso e Ocupação do Solo, que irá ser implementada em substituição ao PDL, conforme previsto pelo PDOT, definir critérios rigorosos o suficiente para impor freios à desordem instalada no Pólo de Moda. Ao mesmo tempo, os Estudos requerem a consciência do princípio básico determinante dos ônus que decorrem dos bônus que beneficiam.
            Não se pode simplesmente regularizar sem estabelecer limites estruturados em regras que premiem quem construiu dentro dos princípios legais e condicionem as regularizações às correções urbanísticas e arquitetônicas. Incluindo o pagamento da mais valia aos cofres públicos pelo aumento do potencial construtivo e mudanças de destinação, sobretudo envolvendo habitações coletivas.
            Não é possível aceitar que as estreitas ruas do Pólo de Modas, projetadas para os usos industrial, comercial e habitacional unifamiliar sejam intensamente demandadas pelo uso habitacional coletivo, por sua própria natureza, Pólos Geradores de Tráfego.
            Não se pode aceitar que pessoas residam em quitinetes sem iluminação e sem ventilação, sem elevadores para os pavimentos acima de quatro níveis e com outros problemas de circulação, apenas a título de atendimento às reivindicações originadas por aqueles que afrontaram princípios urbanísticos.
            Ao mesmo tempo, não se pode relegar a plano inferior as recomendações do órgão do Meio Ambiente sobre os cuidados a que a área deve estar submetida.

terça-feira, 7 de agosto de 2012

Cartas de Habite-se Parcial e em Separado

            Qualquer obra no Distrito Federal, após a sua conclusão, necessita de Carta de Habite-se para ser ocupada. Para tanto deve ser atestado, em vistoria, que a construção observou rigorosamente o Projeto Arquitetônico aprovado ou visado.
            Por qualquer obra, entende-se as iniciais no lote – neste conceito, incluem-se as que ocuparam o lugar de outra pré-existente e que foi totalmente demolida – e também as modificações introduzidas em edificações, sejam relacionadas a acréscimo ou a decréscimo de área construída. Obras de modificações que não impliquem em alteração de área não necessitam da emissão de Carta de Habite-se, da mesma forma que não necessitam de Alvará de Construção, circunstância em que o próprio projeto arquitetônico aprovado ou visado já representa a licença para proceder à alteração.

A.        Cartas de Habite-se, Parcial e Em separado:

Alguns tipos de obras admitem a emissão de Carta de Habite-se antes de totalmente concluídas. Nestas circunstâncias, as Cartas de Habite-se são denominadas Parciais ou Em Separado, de acordo com cada situação específica.

B.       Carta de Habite-se Parcial:

A Carta de Habite-se Parcial pode ser emitida quando parte de uma edificação estiver concluída e em condições de utilização e funcionamento independentes. Mas esta possibilidade não se aplica às habitações coletivas, quando este for o único uso da edificação.
Para exemplificar, suponhamos que determinado lote admita, por legislação urbanística, a construção destinada a Shopping Center. Mas, por questão de planejamento do empreendedor, apenas parte do projeto arquitetônico aprovado foi concluído.
Neste caso, pode ser emitida a Carta de Habite-se Parcial, desde que atendidos aos seguintes condicionantes:
·           O acesso à parte da edificação construída deve ser totalmente independente do trecho ainda em execução, incluindo o acesso de veículos e pedestres, as rampas e demais elementos previstos para acessibilidade.
·           A quantidade de vagas em estacionamentos ou garagem interna ao lote deve corresponder aos parâmetros normativos exigidos para trecho concluído, conforme Código de Edificações do DF.
·           As obras em execução não podem interferir com a parte já executada.
·           O funcionamento da edificação não pode ser prejudicado pela falta de qualquer complementaridade associada ao trecho em execução. Isso inclui sanitários públicos, com quantidade de peças equivalentes ao exigido em normas para o trecho executado.
·           Saídas de emergência e demais requisitos relacionados à segurança da edificação e de seus usuários, previstas pela Legislação aplicada pelo Corpo de Bombeiro Militar do DF, além de elementos requeridos por outras Secretarias do Distrito Federal, são igualmente necessários.
            Habitação Coletiva, enquanto uso exclusivo em determinado lote, não é objeto de Carta de Habite-se Parcial.
            O motivo para esta impossibilidade está relacionado às Habitações Coletivas localizadas em superquadras do Plano Piloto de Brasília. O conjunto Urbanístico é tombado como Patrimônio Artístico, Histórico e Cultural, consequentemente, não é admissível alterar as alturas e o número de pavimentos ou a ocupação da projeção registrada em Cartório e tombada, através de emissão de Carta de Habite-se Parcial. Se as normas urbanísticas aplicáveis determinam a existência de seis pavimentos nas faixas das superquadras 100, 200 e 300, e três pavimentos na faixa das superquadras 400, e a ocupação total da projeção, são parâmetros que implicam nas razões do tombamento do Conjunto Urbanístico, logo, é dessa maneira que se deve materializar o espaço.

C.       Carta de Habite-se em Separado:

            A Carta de Habite-se Em Separado é uma forma de atestar a conclusão de obra construída que faça parte de um conjunto arquitetônico.
            Por conjunto arquitetônico, entende-se várias edificações no mesmo lote. Esta coexistência deve ser permitida pela legislação urbanística aplicável à unidade imobiliária e pode admitir que as construções sejam independentes entre si, desde que voltadas especificamente para o uso e atividades permitidas para aquele lote.
            Suponhamos que a Legislação de Uso de Ocupação do Solo permita que determinada unidade imobiliária seja ocupada por duas ou mais edificações destinadas ao uso comercial, com lojas no térreo e salas comerciais nos demais pavimentos.
            Suponhamos ainda, que desde conjunto de edificações conste uma guarita no acesso ao lote.
            Para que seja emitida a Carta de Habite-se, deverá ser “Em Separado” quando, hipoteticamente, apenas uma edificação tiver sido construída. Mas esta edificação deverá ser voltada para o uso e atividade admitida para o lote – comercial – e sob nenhuma hipótese poderá ser concedida Carta de Habite-se Em Separado para a guarita de acesso ao lote, considerando ser esta uma obra meramente complementar, exclusivamente de apoio às atividades principais. Afinal, o lote não é destinado a “guarita”.
            Da mesma forma que a Carta de Habite-se Parcial, existem condicionantes para a emissão do documento:
·           Aquela edificação deve estar construída exatamente conforme consta de projeto arquitetônico aprovado.
·           A edificação deve ser acessada de modo independente em relação ao trecho da obra ainda em execução, e este acesso – de veículos e pedestre, inclusive acessibilidade - devem constar do projeto aprovado.
·           O número de vagas disponíveis para veículos, e em condições de uso, deve corresponder ao exigindo para aquela edificação concluída, de acordo com o Código de Edificações do DF.
·           O número de sanitários e de peças destinadas ao uso e atividade da edificação concluída deve corresponder ao exigido pelo Código de Edificações do DF.
            A Carta de Habite-se Em Separado pode ser concedida para Habitação Coletiva.
            Contudo, suponhamos que determinado lote seja destinado a Habitação Coletiva, como uso principal, e que admita outros usos e atividades em caráter complementar.
            Neste caso, a Carta de Habite-se Em Separado não poderá ser emitida para qualquer das edificações destinadas ao uso complementar.
            Da mesma forma que a Carta de Habite-se Parcial, se a edificação destinada a Habitação Coletiva, dentro destas condições hipotéticas, estiver apenas parcialmente concluída, então também não deverá ser emitida a Carta de Habite-se Em Separado, considerando que a obra deve estar totalmente concluída, e não parcialmente concluída.
            Se o conjunto de edificações for destinado, hipoteticamente, a um Clube, então poderá ser composto por várias edificações voltadas para este objetivo, além dos equipamentos próprios deste uso e atividade institucional.
            Nestes termos, o seu programa arquitetônico poderá incluir uma edificação destinada à Administração do Clube, uma destinada a banheiros/vestiários, uma destinada a restaurante/bar e outra a salão social, além das quadras esportivas e piscinas.
            A dissociação destas atividades tem por objetivo apenas facilitar a análise.
            A Carta de Habite-se Em Separado poderá ser emitida, exclusivamente, para elementos que tenham utilização independente, mas que garantam o funcionamento do todo, conforme previsto pela Legislação Urbanística aplicável.
            Não se pode emitir a Carta de Habite-se Em Separado apenas para as piscinas e quadras de esporte. Estes elementos, quando descobertos, não são considerados como área construída. Mesmo se forem cobertos, não são suficientes para caracterizar a destinação do lote.
            E assim por diante.
            Então, teríamos que concluir pelos elementos mínimos que, em seu conjunto, representar em célula inicial de um Clube. Sejam garantidores do uso/atividade compatível com o determinado pela Legislação Urbanística. Nestes termos, teríamos a Sede Social, caracterizada pela edificação de onde constem as atividades mais específicas do uso coletivo, somada aos banheiros/vestiários coletivos e a pelo menos uma instalação esportiva – piscina ou quadra de esporte. Tudo isto associado a acessos independentes de veículos e pedestres, inclusive para pessoas com dificuldade de locomoção, além do estacionamento ou garagem atendendo ao determinado pelo Código de Edificações do DF, além do número mínimo de banheiros e peças sanitárias, as condições de segurança exigidas pelo CBMDF e a total independência em relação ao trecho em obras.

D.       Diferenças entre Carta de Habite-se Parcial e Em Separado:

            Embora estas duas modalidades de Carta de Habite-se refiram-se a obras concluídas enquanto parte da totalidade licenciada, a diferença entre elas, como já demonstrado, está na natureza da forma de ocupação do lote.
            A Carta de Habite-se Parcial só pode ser concedida se a edificação for única no lote ou projeção e estiver parcialmente concluída, desde que observado o uso/atividade principal do lote determinados pela Legislação Urbanística aplicável e esteja em condições de utilização e funcionamento independentes em relação à parte da edificação ainda em obras.
            A Carta de Habite-se Em Separado só pode ser concedida quando o lote for ocupado por duas ou mais edificações, desde que permitido pela Legislação Urbanística, em que pelo menos uma destas edificações esteja concluída e em condições de utilização e funcionamento independentes do trecho ainda em obras.
            Obviamente, ambos os procedimentos então intrinsecamente relacionados ao planejamento do empreendedor, cabendo ao Poder Público a conferência dos condicionantes aplicáveis, responsabilidade atribuída à fiscalização quando da vistoria da obra.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

O “Vandalismo Urbanístico” –O Caso das Quadras 700 Norte e Sul do Plano Piloto de Brasília.

            Na primeira metade da década de 1980, anterior, portanto ao Decreto 10829/87 e à Portaria 314/92 do IBPC que tombaram o Conjunto Urbanístico do Plano Piloto de Brasília, enormes pressões eram freqüentemente exercidas sobre o Poder Público no sentido de tornar possível a construção de dois pavimentos nas quadras 700 Sul e Norte.
            Para as edificações nos lotes residenciais daquelas localidades era exigida, já àquela época, a ocupação total da área disponível e a geminação entre as unidades autônomas. Para a iluminação e ventilação adequadas, requeria-se a abertura de amplo prisma de dimensões pré-definidas, atendendo a quartos, cozinha e área de serviço.
            Especificamente nas 700 Sul, as fachadas voltadas para as áreas verdes eram externamente delimitadas por elementos horizontais vazados, à semelhança de persianas de madeira.
            Ambas as faixas, Norte e Sul, tinham altura limitada a 7,50m, onde era admitido um único pavimento – o térreo.
            As pressões sobre o Governo do Distrito Federal surtiram os efeitos desejados pelos postulantes. A despeito das inúmeras negativas das empresas concessionárias de serviços públicos, em especial a CAESB, que previa um significativo aumento na demanda por água e esgotamento sanitário, em níveis superiores aos suportáveis pelas redes, equipamentos e pontos de captação aquífera disponíveis à época, as normas urbanísticas foram alteradas. A partir de então, admitiu-se a construção de dois pavimentos, dentro da altura máxima de 8,50m.
            Neste momento, as normas passaram a admitir formas diferentes de construir naqueles lotes. Já não fazia sentido exigir os antigos prismas específicos para apenas um pavimento, ao mesmo tempo em que a liberdade de composição arquitetônica e, portanto, de fachadas, alterou o sistema referencial nos deslocamentos urbanos.
            Aqueles trechos, antes de simplicidade e clareza clássicas, passaram a abrigar “potentados arquitetônicos”, esteticamente discutíveis, ao lado de estabelecimentos hoteleiros clandestinos criados por quem desejava se beneficiar da maior área construída admissível pela legislação urbanística, além dos avanços do tipo “puxadinhos” em área pública, ocupando calçadas públicas de forma desinibida.
            Uma coisa é a dificuldade de deslocamento urbano decorrente da ausência de referenciais. Outra, e bem diferente, é confundir-se a flexibilização arquitetônica e urbanística com o ato de se tirar proveito desta flexibilização para a satisfação de necessidades e anseios comerciais.
            Surpreendente é a justificativa dos infratores para o acréscimo irregular de mais um pavimento. Afirmar que o fez à revelia e que nenhuma fiscalização impediu é postura alheia às obrigações da cidadania, que pressupõe o cumprimento à legislação urbanística que estabelece limites entre o direito individual e o coletivo.
            Por outro lado, justificar o ato como necessário à acomodação de familiares tem sido de extrema frequência quando o interessado deseja multiplicar a edificação em várias residências em mesmo lote, circunstância não permitida pela legislação urbanística para unidades imobiliárias unifamiliares, sobretudo quando a referência é o conjunto urbanístico tombado do Plano Piloto.
            Esta é apenas uma ocorrência entre muitas que conflitam com a legislação urbanística das diversas áreas do Distrito Federal. E não é recente.
            Costumamos afirmar que o “céu é o limite” em alusão às constantes e já antigas tentativas de obter área construída excedente.
            A única ação verdadeiramente efetiva para frear atos desta natureza não está apenas na fiscalização, mas na conscientização da necessidade de adequar-se ao que é determinado como limite entre dos direitos individuais e os coletivos.
            Afinal, elaborar uma norma urbanística é atividade centrada neste princípio básico, objetivando alcançar, dentro de níveis adequados e possíveis, o bem estar das comunidades onde a legislação será aplicada, respeitando as normas anteriores e, ao mesmo tempo, buscando os meios para responder aos novos anseios e necessidades surgidos da dinâmica urbana.
            Sabemos ser impossível propor normas que produzam efeitos exclusivamente positivos, na medida em que o uso indevido daquilo que se coloca à disposição pode ter, em algumas circunstâncias, resultados indesejáveis.
            A história tem demonstrado que mesmo as melhores idéias e produtos criados pela humanidade podem ter sua aplicação e uso desvirtuados de seu objetivo criador. Com a legislação urbanística não poderia ser diferente.
            Mas se a consciência do dever nem sempre atinge a todos, na medida em que alguns consideram a cidadania como direito civil e político que o Estado reconhece indivíduos e não entendem a essência da reciprocidade, quer em relação ao Estado, quer em relação aos demais indivíduos, não há outro caminho senão o que fere mortalmente o egoísmo – a verdadeira punição dos atos de “vandalismo urbanístico”, somando-se a efetiva derrubada física dos abusos à cobrança de valor monetário compatível com a condição econômica do infrator e a detenção dos ousados.