quinta-feira, 2 de agosto de 2012

O “Vandalismo Urbanístico” –O Caso das Quadras 700 Norte e Sul do Plano Piloto de Brasília.

            Na primeira metade da década de 1980, anterior, portanto ao Decreto 10829/87 e à Portaria 314/92 do IBPC que tombaram o Conjunto Urbanístico do Plano Piloto de Brasília, enormes pressões eram freqüentemente exercidas sobre o Poder Público no sentido de tornar possível a construção de dois pavimentos nas quadras 700 Sul e Norte.
            Para as edificações nos lotes residenciais daquelas localidades era exigida, já àquela época, a ocupação total da área disponível e a geminação entre as unidades autônomas. Para a iluminação e ventilação adequadas, requeria-se a abertura de amplo prisma de dimensões pré-definidas, atendendo a quartos, cozinha e área de serviço.
            Especificamente nas 700 Sul, as fachadas voltadas para as áreas verdes eram externamente delimitadas por elementos horizontais vazados, à semelhança de persianas de madeira.
            Ambas as faixas, Norte e Sul, tinham altura limitada a 7,50m, onde era admitido um único pavimento – o térreo.
            As pressões sobre o Governo do Distrito Federal surtiram os efeitos desejados pelos postulantes. A despeito das inúmeras negativas das empresas concessionárias de serviços públicos, em especial a CAESB, que previa um significativo aumento na demanda por água e esgotamento sanitário, em níveis superiores aos suportáveis pelas redes, equipamentos e pontos de captação aquífera disponíveis à época, as normas urbanísticas foram alteradas. A partir de então, admitiu-se a construção de dois pavimentos, dentro da altura máxima de 8,50m.
            Neste momento, as normas passaram a admitir formas diferentes de construir naqueles lotes. Já não fazia sentido exigir os antigos prismas específicos para apenas um pavimento, ao mesmo tempo em que a liberdade de composição arquitetônica e, portanto, de fachadas, alterou o sistema referencial nos deslocamentos urbanos.
            Aqueles trechos, antes de simplicidade e clareza clássicas, passaram a abrigar “potentados arquitetônicos”, esteticamente discutíveis, ao lado de estabelecimentos hoteleiros clandestinos criados por quem desejava se beneficiar da maior área construída admissível pela legislação urbanística, além dos avanços do tipo “puxadinhos” em área pública, ocupando calçadas públicas de forma desinibida.
            Uma coisa é a dificuldade de deslocamento urbano decorrente da ausência de referenciais. Outra, e bem diferente, é confundir-se a flexibilização arquitetônica e urbanística com o ato de se tirar proveito desta flexibilização para a satisfação de necessidades e anseios comerciais.
            Surpreendente é a justificativa dos infratores para o acréscimo irregular de mais um pavimento. Afirmar que o fez à revelia e que nenhuma fiscalização impediu é postura alheia às obrigações da cidadania, que pressupõe o cumprimento à legislação urbanística que estabelece limites entre o direito individual e o coletivo.
            Por outro lado, justificar o ato como necessário à acomodação de familiares tem sido de extrema frequência quando o interessado deseja multiplicar a edificação em várias residências em mesmo lote, circunstância não permitida pela legislação urbanística para unidades imobiliárias unifamiliares, sobretudo quando a referência é o conjunto urbanístico tombado do Plano Piloto.
            Esta é apenas uma ocorrência entre muitas que conflitam com a legislação urbanística das diversas áreas do Distrito Federal. E não é recente.
            Costumamos afirmar que o “céu é o limite” em alusão às constantes e já antigas tentativas de obter área construída excedente.
            A única ação verdadeiramente efetiva para frear atos desta natureza não está apenas na fiscalização, mas na conscientização da necessidade de adequar-se ao que é determinado como limite entre dos direitos individuais e os coletivos.
            Afinal, elaborar uma norma urbanística é atividade centrada neste princípio básico, objetivando alcançar, dentro de níveis adequados e possíveis, o bem estar das comunidades onde a legislação será aplicada, respeitando as normas anteriores e, ao mesmo tempo, buscando os meios para responder aos novos anseios e necessidades surgidos da dinâmica urbana.
            Sabemos ser impossível propor normas que produzam efeitos exclusivamente positivos, na medida em que o uso indevido daquilo que se coloca à disposição pode ter, em algumas circunstâncias, resultados indesejáveis.
            A história tem demonstrado que mesmo as melhores idéias e produtos criados pela humanidade podem ter sua aplicação e uso desvirtuados de seu objetivo criador. Com a legislação urbanística não poderia ser diferente.
            Mas se a consciência do dever nem sempre atinge a todos, na medida em que alguns consideram a cidadania como direito civil e político que o Estado reconhece indivíduos e não entendem a essência da reciprocidade, quer em relação ao Estado, quer em relação aos demais indivíduos, não há outro caminho senão o que fere mortalmente o egoísmo – a verdadeira punição dos atos de “vandalismo urbanístico”, somando-se a efetiva derrubada física dos abusos à cobrança de valor monetário compatível com a condição econômica do infrator e a detenção dos ousados.

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