quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

A Frente e o Fundo das Edificações



O entendimento de frente e fundo de lote está vinculado, do ponto de vista da Legislação, à localização da via de acesso de veículos à unidade imobiliária. Se um lote tiver duas ou mais divisas margeadas por vias de circulação de veículos, será considerada como divisa frontal do lote aquela de menor dimensão. A via de circulação de veículo frontal a esta divisa será, então, a via de acesso.

A distinção entre frente e fundo de uma edificação reveste-se de algumas diferenças em relação aos critérios atribuídos ao lote: a frente da edificação pode não ser coincidente com a frente do lote.

Um lote margeado por duas vias de circulação de veículos pode ter a frente da edificação, o mesmo que fachada principal ou frontal, voltada para a via por onde não ocorre o acesso de veículos. Situação semelhante pode acontecer se o lote tiver uma lateral voltada para a área pública, caracterizada como área verde e/ou local de circulação de pedestres, quando a fachada frontal pode estar voltada para esta área. Em ambos os casos, esta possibilidade deve ser admitida pela Legislação de Uso e Ocupação do Solo aplicável ao lote, que também determinará a obrigatoriedade, ou não, do acesso de veículos ocorrer, exclusivamente, através da divisa frontal do lote, aquela de menor dimensão.

Nas cidades brasileiras, lamentavelmente, as edificações sempre tiveram marcas precisas quanto à caracterização de frente e fundo, circunstância vinculada ao Programa Arquitetônico Culturalmente instalado.

A frente de uma residência unifamiliar é sempre reservada a zona social, para onde se voltam a sala de estar, a garagem e quartos. A zona de serviços relega-se ao trecho posterior da residência, onde se constroem a cozinha, a lavanderia, depósito, e outros compartimentos úteis e imprescindíveis, mas que não devem compor a fachada principal.

A frente é dedicada ao ajardinamento, ás calçadas e paredes de revestimento esmerado. Ao fundo, em geral invisível a quem chega ou passa, pouca atenção é dispensada. Em muitas circunstâncias, amontoam-se tranqueiras ao lado de varais, tanques e depósitos de lixo, transformando áreas de trabalho e de extrema importância funcional e vital em algo a esconder, incompatível com a aparência socialmente valorizada da frente da edificação.

Mas esta tendência não é restrita às habitações unifamiliares.

Nas grandes cidades podemos encontrar a noção de frente e fundo bem demarcada em habitações coletivas. Em bairros nobres da Zona Sul do Rio de Janeiro, as fachadas voltadas para avenidas de considerável renome são tratadas como poses de cartão postal, enquanto os encontros de fundos de duas ou mais edificações voltam-se para áreas livres descobertas, dotadas de guarda-corpos que transpassam a visibilidade de áreas de serviço, com tratamento arquitetônico capaz de desorientar quanto a se estar na mesma edificação que se viu para frente.

O princípio urbanístico que norteou a construção do Plano Piloto de Brasília quebrou a identificação frente/fundo tanto nas edificações destinadas às habitações unifamiliares localizadas nas quadras 700 Norte e Sul, quanto nas habitações coletivas nas duas asas.

As residências das quadras 700, geminadas e com 100% de ocupação do lote, têm as fachadas denominadas frontais voltadas para as áreas verdes. Por onde não pode ocorrer o acesso de veículos.

Contíguas a estas frentes, conforme exigido pelo primeiro Código de Edificações de Brasília, era obrigatório a construção de uma sala e um quarto.

Os compartimentos localizados no trecho posterior da edificação, também por obrigatoriedade eram a garagem e o quarto.

Além destes requisitos, onde se incluía, ainda, a existência de um grande prisma de iluminação e ventilação (com dimensionamento pré-definido), para atendimento aos quartos, cozinha e área de serviço com janelas para ele voltadas, era obrigatório o tratamento adequado do fundo da edificação, de modo a não se diferenciar, em qualidade, do tratamento dado a fachada frontal.

As edificações iniciais destinadas às habitações coletivas, construídas entre os anos 50 e 80, diferentes de quaisquer outras até então construídas no Brasil, se caracterizaram por prismas de base retangular, sobre pilotis, pousados sobre o solo verde e distanciadas entre si de modo considerável.

Nestas edificações, a frente e o fundo tiveram tratamento diferenciado, de forma a adequar-se às funções dos compartimentos contíguos. A frente foi tratada por esquadrias envidraçadas de grandes dimensões, para atendimento de sala e quartos, enquanto o fundo foi, todo ele, protegido externamente por cobogós em toda a extensão da fachada, como anteparos às janelas nas áreas de serviço e cozinha.

Para este fundo também foram lançadas as torres de circulação vertical, ocupando área além do limite da projeção, caracterizadas como prismas de base retangular, visualmente encostados na edificação principal. Por suas consideráveis dimensões o acesso de veículos é vinculado ao ordenamento da circulação e não ao posicionamento da frente da projeção.

Aparentemente, pouco se entendeu a respeito do sutil tratamento dado às edificações erguidas naquele período. Não demorou muito a se avolumarem as pressões pelo acréscimo de unidades domiciliares nas habitações coletivas, que de vazadas passaram a dispor de apenas uma fachada, a frontal, para onde se voltam a maioria dos compartimentos, inclusive cozinhas e áreas de serviço, sempre em ambiente único para facilitar o acesso à iluminação e ventilação. Estas soluções se repetem não apenas no Plano Piloto, mas em outras cidades do Distrito Federal. Nas soluções mais elaboradas, as áreas de trabalho se localizam em reentrâncias pouco visíveis, resultantes do mecanismo da compensação de área.

Nas habitações unifamiliares, localizadas nas outras cidades do DF repetiram, em inúmeros casos, a mesma trajetória brasileira do fundo menosprezado. Em muitas localidades, ou em quase todas, as áreas livres posteriores à edificação possibilitaram a construção dos lamentáveis “barracos de fundo”, a serviço de ganhos financeiros extras por meio do aluguel, repetição perversa das vilas encontráveis em cidades mais antigas.

Não se trata de enaltecer soluções arquitetônicas associadas a classes sociais mais privilegiadas, nem posicionamento nostálgico em relação ao passado. A reflexão sobre o antigo e inadequado descaso com o fundo das edificações e contrapô-lo à noção de que o tratamento do fundo pode ser diferente, mas que em nada pode dever ao tratamento dado a frente talvez contribua, pelo menos em parte, para a valorização funcional e estética da obra arquitetônica em sua totalidade. Infelizmente, nem sempre é possível proceder como as plantas que, em sua profunda grandeza, enraiza os seus serviços.

2 comentários:

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  2. PARABÉNS DOUTORA HILMA PELA GRANDE PESSOA E GRANDE AMIGA QUE VC É. OBRIGADO.

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