terça-feira, 16 de julho de 2013

As Intervenções Urbanas e a Influência da Temporalidade no Desenvolvimento das Cidades.

 

Um dos mais desafiantes impasses presentes em qualquer tecido urbano, seja qual for o País ou cidade, independente das dimensões territoriais, é a questão do tratamento a ser oferecido a cada núcleo, consideradas as características que assumem de acordo com as épocas em que são formados.

As cidades surgem de dois modos: espontâneo e planejado.

O modo espontâneo, esta a característica mais comum das cidades brasileiras, da mesma forma que o planejado, decorrem de diferentes necessidades, sempre associadas às estratégias de localização e sua importância no atendimento a interesses econômicos – proximidades de rodovias, de áreas rurais, de corpos d’água, de áreas de mineração, de praias, de núcleos urbanos pré-existentes, de centralização para distribuição de frentes de desenvolvimento regional, além de outros motivos.

A observação das antigas cidades brasileiras de surgimento espontâneo revela uma ordem comum a todas, tornando-as muito semelhantes: Ao centro foram construídas as igrejas, isoladamente em relação às demais edificações, dominando inteiramente a paisagem por sua localização privilegiada e características construtivas quase sempre imponentes, rodeadas por uma praça de dimensões consideráveis.

Voltados para esta mesma praça, em arquitetura um pouco menos imponente, foram construídos os edifícios governamentais.

Ao redor deste local surge o casario de até dois pavimentos, ao longo de vielas estreitas, à época utilizadas por pedestres, carroças e carruagens. A disposição irregular do casario revela uma implantação “desenquadrada” pela ausência de projeto urbanístico e de instrumentos que permitissem o alinhamento entre as obras e em relação à viela.

Cidades planejadas, como Brasília, Belo Horizonte, Goiânia e Palmas, foram concebidas, cada qual, em seu momento histórico, traduzindo em seus traçados os usos residencial, comercial, institucional, industrial e rural, de acordo com as necessidades e aspirações de cada época, em busca do atendimento à dinâmica própria da população.

Como resultado, no caso específico de Brasília, foram criados Setores voltados para os usos e suas diferentes atividades, necessários ao funcionamento do sistema urbano.

Neste contexto, o uso residencial foi concebido com atividade habitacional coletiva ( em caráter quase exclusivo em relação à atividade residencial unifamiliar) desenvolvida em 120 superquadras, localizadas ao longo das asas norte e sul da cidade, intercaladas por edificações comerciais e institucionais. Entre as duas asas, em sentido transversal, foi proposto o uso institucional com atividades governamentais, ao lado de teatros e museus. No centro deste cruzamento, foi construída a Estação Rodoviária, providenciando o acesso da coletividade.

Ao longo das duas margens das asas norte e sul, as áreas foram destinadas ao uso institucional, com atividades, em sua maioria, hospitalares, educacionais, religiosas e governamentais.

A descrição é sucinta, com o objetivo exclusivo de distinguir as diferenças dos modos de tratamento entre cidades espontâneas e planejadas e como a temporalidade influencia os modos futuros de utilização urbana.

As cidades espontâneas, muito antigas, se formaram em uma época em que a ciência médica era pouco desenvolvida, além da população local não representar número que justificasse a existência de atendimento de massas.

A educação não era prioridade. No Brasil, saber ler e escrever era atributo de poucos. Os conhecimentos práticos, transmitidos de pai para filho, que permitissem a comercialização de produtos e a prestação de serviços básicos tinham muito valor em termos de sobrevivência.

A segurança se restringia, igualmente, a providências  práticas – a ponta da arma apontada pelos vazios dos muxarabis, de onde podiam ver sem serem vistos, e as emboscadas pelos caminhos tortuosos de matas asseguravam resultados imediatos.

A presença governamental, quando se fazia, era tênue. Não era acessível à população, exceto se alguém era posto “a ferros” em enxovias, ocasiões em que a função governamental se misturava à judicial.

As cidades planejadas apresentaram melhores formas de organização urbana, de acordo com os princípios e necessidades vigentes às respectivas épocas, além das previsões de futuras demandas.

Contudo, cidades espontâneas e planejadas sofrem as pressões próprias da dinâmica das novas necessidades e aspirações populacionais, sempre ao lado do desenvolvimento tecnológico, cultural, econômico, político, social e ambiental, além de outros fatores interagentes neste processo contínuo.

As cidades espontâneas são as mais atingidas, considerada a fortíssima influência da questão temporal, que subentende profundas modificações no modo de vida da população, sempre se renovando e requerendo imediatas adequações do meio urbano às suas necessidades.

Como, em épocas remotas, poderiam pensar no tráfego de veículos motorizados pelos centros urbanos e ainda na intensidade em que hoje ocorre?

De que forma poderiam prever a densidade populacional tão alta que hoje se acumula nos centros urbanos, sobretudo em São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e outras cidades igualmente surgidas espontaneamente?

Mesmo os núcleos planejados enfrentam problemas semelhantes.

O Distrito Federal foi pensado para uma população de até 500 mil habitantes. Hoje aglomera 2500 pessoas, cinco vezes a população prevista.

Exatamente por ser planejada, Brasília detém quase toda a estrutura de empregos em seu centro, nos moldes pensados pela técnica de planejamento urbano, ainda vigente, que ali concentra edifícios destinados à maior absorção de mão de obra, os centros administrativos nacional e local, os Setores Comerciais, Bancários, Hoteleiros e Autárquicos Norte e Sul.

Na verdade, a ofensiva criação de aglomerados populacionais nas décadas de 1980 e 1990, no entorno do Plano Piloto de Brasília, muito intensa quando a invasão de terras públicas contava com a omissão complacente do Poder Público, não serviu tanto para solucionar os problemas de moradia do DF. Foi ato de forte atração de pessoas de outras unidades da federação, em busca de melhores condições de vida e atraídos pelos altos preços dos lotes urbanos. Para dizer o mínimo.

Em observância ao já obsoleto modelo de estrutura urbana, de concentração de empregos em áreas centrais, o planejado Plano Piloto de Brasília sofre as negativas consequências da impossibilidade de prever ocorrências futuras, da mesma forma que cidades surgidas espontaneamente, como São Paulo e Rio de Janeiro, tiveram os seus centros catalisados como absorvedores de mão de obra.

Diversas cidades espontâneas tiveram áreas do seu entorno destinadas, mediante planejamento, aos novos usos e atividades requeridas pelo crescimento populacional e suas demandas econômicas, sociais, tecnológicas, industriais e outras. Em conformidade com a legislação de preservação de patrimônio histórico, artístico e cultural,  as áreas centrais foram mantidas da forma como criadas, em alguns casos com proibição de trânsito de veículos pesados capazes de expor a riscos as velhas construções e pavimentações.

Contudo, cidades como Salvador, entre outras, sofrem graves consequências pela falta de manutenção de edificações históricas. Vez por outra, uma igreja desaba, vencida por cupins ou inundações resultantes da impermeabilização das áreas adjacentes, acrescidas para atender à demanda habitacional, industrial e outras, sem observância aos requisitos ambientais.

Diante deste quadro crítico, a questão da temporalidade se impõe de forma muito clara, em cidades espontâneas e planejadas.

Como garantir que aquilo feito hoje, com suas propostas e previsões futuras, será útil como contribuição para o crescimento urbano?

Pretende-se que, no futuro, o transporte de massa seja o ideal para a mobilidade urbana. Mas será possível alcançar esta idealização?

Se não conseguimos atender ao hoje, como atender ao depois? Se não temos lentes capazes de corrigir a miopia da falta de interesse político pelas pesquisas urbanísticas, como pensar em telescópio que descerre o amanhâ?

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