Por que existe o Código de Edificações do Distrito Federal?
A resposta a esta questão está contida nos temas tratados
por aquele instrumento normativo, que vão desde a obrigatoriedade da
observância ao que estabelece a legislação de uso e ocupação do solo até
pormenores como as dimensões mínimas de portas e janelas.
A razão deste nível de detalhamento moldou-se na história
que fundamentou a evolução temporal do próprio Código.
Estruturado no início da década de 1980, ainda com
características muito básicas, e
relacionado ao Plano Piloto de Brasília, centrava-se em dados não contidos nos
projetos semi-prontos fornecidos pelo Poder Público na forma de “croquis de
cadastro”.
Os croquis tratavam, como tratam até hoje, os lotes e suas
edificações em dois níveis: O horizontal, definindo numericamente cada locação,
o relacionamento com os lotes vizinhos, as circulações de pedestres e veículos,
as galerias, se fosse o caso, e as áreas públicas verdes inseridas no trecho.
No nível vertical, representam as cotas de soleira, de coroamento e da face
inferior de galerias, caso existam.
Estes dados, enquanto elementos rigidamente pré-fixados, em
associação com lotes de mesmas dimensões, conforme estabelecido pelo projeto
urbanístico, resultou na uniformidade e, por que não, na unidade que garantiu a
organização absoluta do Plano Piloto – ora positiva, ora negativa, mas nunca
ignorada.
Em função deste resultado, as edificações surgiam muito
parecidas em seu partido arquitetônico, acentuada a circunstância pelo uso
específico de cada setor, rigidamente definido.
Diante destes dados fixos, o Código colocava em relevo as
áreas e dimensões mínimas de compartimentos e de suas janelas, além do
dimensionamento de portas, de acordo com a atividade presente.
Desde
os primeiros Códigos relacionados ao Plano Piloto ficou clara, portanto, a
preocupação com dados muito básicos, traduzidos em questões que sequer
necessitariam de abordagem legal – se ficasse demonstrado em todos os projetos,
sem exceções, o propósito de obter dimensionamentos mínimos compatíveis com os
requisitos humanos. Mas, desde sempre, o problema centrava-se nas exceções.
Por requisitos humanos entenda-se o
sistema de espaços necessários ao exercício das diferentes funções – morar,
trabalhar, estudar e outros. Contexto onde se subentende a presença de níveis
mínimos de iluminação, ventilação,instalações prediais, dimensionamentos de
acessos para a passagem de pessoas, máquinas e equipamentos e mobiliário, além
das questões associadas à segurança.
O
somatório destes requisitos traduz-se, se tratados convenientemente, em parte
significativa do desejado bem estar de toda uma população.
Mas,
por vezes, as condições mínimas são relegadas a planos secundários. Fatores de
natureza econômica, considerado o valor monetário do metro quadrado no Plano
Piloto, tendência que se expandiu por todo o Distrito Federal, se impuseram
como decisivos e coercitivos em relação aos condicionantes humanos.
A
partir desta motivação, o anseio por introduzir, especialmente em habitações
coletivas, o maior número possível de unidades imobiliárias no polígono de
terra disponível, associado à verticalização, quando não tratado eficientemente
relega à desimportância o conteúdo do polígono, que se espera de qualidade
mínima.
Alguns
projetos, felizmente poucos, apresentam burlas em termos de áreas e dimensões
mínimas de compartimentos, portas e janelas.
Em relação aos compartimentos, a impressão que
ficava, em certa época, era a de que as paredes atrapalhavam os projetos. Mas
este tênue sentimento perdeu, aos poucos, o seu caráter vago para
transformar-se em certeza, na medida em que normas surgidas posteriormente
abriram a possibilidade da construção de “apartamentos conjugados”,
introduzindo a noção de “ambiente”, que se caracteriza por local onde se
desenvolvem diferentes funções residenciais – sala, quarto e cozinha – sem
interposição de paredes divisórias.
Não
se trata de considerar o apartamento conjugado ou o ambiente um fato ruim em si
mesmo. Absolutamente, não. O que preocupa é a evidência do valor do metro
quadrado no DF impulsionar a ocupação destes imóveis por famílias compostas por
muitos membros, quando a privacidade é abolida.
Ainda
outra ocorrência é preocupante: A definição de paredes, em habitações
coletivas, que perderam os seus 15cm de
espessura, em favor de dimensionamentos inferiores, sob a alegação de serem
construídas em material que garante as mesmas condições de isolamento acústico
e segurança associados às paredes de 15cm.
Outra
alteração normativa assumiu direção semelhante: A permissão para banheiros de
habitações coletivas serem construídos sem ventilação, admitindo-se a exclusão
dos prismas fechados. Tudo em nome do aproveitamento máximo do polígono de
terra disponível.
Então
nos questionamos: O que é o avesso e o que é o direito?
Ao
que requer o ser humano une-se, atavicamente, a privacidade, mesmo interna a
uma única unidade imobiliária. Também é imprescindível que pelo menos uma cama
entre e seja acomodada em um dormitório, e que uma mesa tenha condições de ser
instalada em uma sala e permita a utilização simultânea por todos os membros de
uma família.
Ao
mesmo tempo, ventilar convenientemente um banheiro é questão básica, consideradas
as funções deste compartimento. Não podem se aceitáveis argumentos de que a
utilização de energia elétrica necessária à ventilação forçada seja a solução
adequada e definitiva. A carência de água nos grandes centros urbanos é assunto
que deveria incomodar. Será que a produção energética é assunto de menor
importância?
Certamente
o avesso tem ocupado o espaço do direito, como roupas remendadas pelo lado
errado.