segunda-feira, 25 de agosto de 2014

O Avesso do Direito na Legislação Arquitetônica

                   

         Por que existe o Código de Edificações do Distrito Federal?
         A resposta a esta questão está contida nos temas tratados por aquele instrumento normativo, que vão desde a obrigatoriedade da observância ao que estabelece a legislação de uso e ocupação do solo até pormenores como as dimensões mínimas de portas e janelas.
         A razão deste nível de detalhamento moldou-se na história que fundamentou a evolução temporal do próprio Código.
         Estruturado no início da década de 1980, ainda com características muito básicas,  e relacionado ao Plano Piloto de Brasília, centrava-se em dados não contidos nos projetos semi-prontos fornecidos pelo Poder Público na forma de “croquis de cadastro”.
         Os croquis tratavam, como tratam até hoje, os lotes e suas edificações em dois níveis: O horizontal, definindo numericamente cada locação, o relacionamento com os lotes vizinhos, as circulações de pedestres e veículos, as galerias, se fosse o caso, e as áreas públicas verdes inseridas no trecho. No nível vertical, representam as cotas de soleira, de coroamento e da face inferior de galerias, caso existam.
         Estes dados, enquanto elementos rigidamente pré-fixados, em associação com lotes de mesmas dimensões, conforme estabelecido pelo projeto urbanístico, resultou na uniformidade e, por que não, na unidade que garantiu a organização absoluta do Plano Piloto – ora positiva, ora negativa, mas nunca ignorada.
         Em função deste resultado, as edificações surgiam muito parecidas em seu partido arquitetônico, acentuada a circunstância pelo uso específico de cada setor, rigidamente definido.
         Diante destes dados fixos, o Código colocava em relevo as áreas e dimensões mínimas de compartimentos e de suas janelas, além do dimensionamento de portas, de acordo com a atividade presente.
Desde os primeiros Códigos relacionados ao Plano Piloto ficou clara, portanto, a preocupação com dados muito básicos, traduzidos em questões que sequer necessitariam de abordagem legal – se ficasse demonstrado em todos os projetos, sem exceções, o propósito de obter dimensionamentos mínimos compatíveis com os requisitos humanos. Mas, desde sempre, o problema centrava-se nas exceções.
         Por requisitos humanos entenda-se o sistema de espaços necessários ao exercício das diferentes funções – morar, trabalhar, estudar e outros. Contexto onde se subentende a presença de níveis mínimos de iluminação, ventilação,instalações prediais, dimensionamentos de acessos para a passagem de pessoas, máquinas e equipamentos e mobiliário, além das questões associadas à segurança.
O somatório destes requisitos traduz-se, se tratados convenientemente, em parte significativa do desejado bem estar de toda uma população.
Mas, por vezes, as condições mínimas são relegadas a planos secundários. Fatores de natureza econômica, considerado o valor monetário do metro quadrado no Plano Piloto, tendência que se expandiu por todo o Distrito Federal, se impuseram como decisivos e coercitivos em relação aos condicionantes humanos.
A partir desta motivação, o anseio por introduzir, especialmente em habitações coletivas, o maior número possível de unidades imobiliárias no polígono de terra disponível, associado à verticalização, quando não tratado eficientemente relega à desimportância o conteúdo do polígono, que se espera de qualidade mínima.
Alguns projetos, felizmente poucos, apresentam burlas em termos de áreas e dimensões mínimas de compartimentos, portas e janelas.
 Em relação aos compartimentos, a impressão que ficava, em certa época, era a de que as paredes atrapalhavam os projetos. Mas este tênue sentimento perdeu, aos poucos, o seu caráter vago para transformar-se em certeza, na medida em que normas surgidas posteriormente abriram a possibilidade da construção de “apartamentos conjugados”, introduzindo a noção de “ambiente”, que se caracteriza por local onde se desenvolvem diferentes funções residenciais – sala, quarto e cozinha – sem interposição de paredes divisórias.
Não se trata de considerar o apartamento conjugado ou o ambiente um fato ruim em si mesmo. Absolutamente, não. O que preocupa é a evidência do valor do metro quadrado no DF impulsionar a ocupação destes imóveis por famílias compostas por muitos membros, quando a privacidade é abolida.
Ainda outra ocorrência é preocupante: A definição de paredes, em habitações coletivas, que perderam os  seus 15cm de espessura, em favor de dimensionamentos inferiores, sob a alegação de serem construídas em material que garante as mesmas condições de isolamento acústico e segurança associados às paredes de 15cm.
Outra alteração normativa assumiu direção semelhante: A permissão para banheiros de habitações coletivas serem construídos sem ventilação, admitindo-se a exclusão dos prismas fechados. Tudo em nome do aproveitamento máximo do polígono de terra disponível.
Então nos questionamos: O que é o avesso e o que é o direito?
Ao que requer o ser humano une-se, atavicamente, a privacidade, mesmo interna a uma única unidade imobiliária. Também é imprescindível que pelo menos uma cama entre e seja acomodada em um dormitório, e que uma mesa tenha condições de ser instalada em uma sala e permita a utilização simultânea por todos os membros de uma família.
Ao mesmo tempo, ventilar convenientemente um banheiro é questão básica, consideradas as funções deste compartimento. Não podem se aceitáveis argumentos de que a utilização de energia elétrica necessária à ventilação forçada seja a solução adequada e definitiva. A carência de água nos grandes centros urbanos é assunto que deveria incomodar. Será que a produção energética é assunto de menor importância?

Certamente o avesso tem ocupado o espaço do direito, como roupas remendadas pelo lado errado.

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