terça-feira, 26 de junho de 2012

O Direito de Tapagem, os Condicionantes Urbanísticos e Arquitetônicos e o Respeito à Vizinhança


Os elementos utilizados como delimitadores de propriedades constam do novo Código Civil Brasileiro (Art. 1297 e 1298) sob a designação de limites entre Prédios e Direito de Tapagem, prerrogativa concedida ao proprietário de Unidade Imobiliária de isolar a sua porção de área em relação ao meio circundante.
Por meio circundante entende-se as demais áreas confrontantes, urbanas e rurais, públicas ou privadas, excluídas dos limites de determinada propriedade.
Do referido Código Civil consta como direito do proprietário a construção de cerca de arame ou madeira, muro, vala, sebes vivas, muretas, árvores ou outras plantas ou qualquer outro meio, em área urbana ou rural, como marco divisório entre a sua propriedade e as demais áreas confinantes. Deste mesmo instrumento legal consta a possibilidade de serem implantados estes divisores no ponto médio entre propriedades vizinhas, pertencente a ambos os proprietários e sob a responsabilidade de construção e manutenção distribuída entre ambos.
No Distrito Federal, os elementos divisores entre as unidades autônomas foram tratado por dois tipos de instrumentos normativos – pela Legislação de Uso e Ocupação do Solo e pelo Código de Edificações do Distrito Federal.
A Legislação de Uso e Ocupação do Solo, instrumento urbanístico, define o tipo de cercamento passível de ser construído sobre as divisas dos lotes, havendo, em muitos casos, variações na natureza dos materiais utilizados nas divisas laterais e posterior e na divisa frontal. Ao mesmo tempo, determina a altura máxima (em alguns casos, também a altura mínima) passível de permissão.
O Código de Edificações do DF, por sua vez, trata de conceitos e critérios construtivos específicos relacionados a muros, enquanto construções em alvenaria, concreto ou material equivalente.
Em observância ao que determina o Código Civil Brasileiro, que concede ao proprietário o direito de edificar barreiras sobre os limites de sua área, por razões de segurança, sossego e saúde dos habitantes, muros não necessitam de aprovação ou visto de projeto arquitetônico. Contudo, é obrigatória a estrita observância aos parâmetros urbanísticos vigentes, sob este aspecto, para a área urbana (ou rural) onde se localiza o imóvel, enquanto determinantes dos materiais a serem empregados nas respectivas divisas, sobretudo na testada do lote, e a altura permitida, além da obrigação do proprietário de dar tratamento às paredes externas, voltadas para área pública ou lote vizinho, em padrão de acabamento igual ou similar aos tratamentos internos desta construção.
O Código Civil Brasileiro prevê, ainda, algumas ocorrências relacionadas à construção e manutenção de muros:
    Se o muro for relacionado exclusivamente ao lote vizinho, e for constato qualquer risco iminente, o proprietário da área confinante pode exigir a sua reparação ou demolição do muro, além de caução pelo dano previsto.
    Muros construídos sobre o eixo das divisas são de responsabilidade de ambos os proprietários.
Muros de arrimo ou contenção são obrigatórios quando o movimento de terra implicar em diferença de nível superior a 1,00m em relação ao entorno do lote. Este tipo de muro, considerada a sua função específica, deve ter seu projeto arquitetônico aprovado e licenciado, o que exige apresentação de projeto estrutural.
Caso o movimento de terras seja contíguo ou próximo a cursos d’água ou linhas de drenagem, a área de solo mole ou sujeita a inundações, em área de várzea alagadiça ou área declarada de proteção ambiental ou sujeita a erosões, é obrigatória a apresentação, pelo interessado, do resultado de consulta ao órgão ambiental, onde estarão definidas as providências a serem adotadas para a minimização dos impactos causados ao meio ambiente. Apenas depois da apresentação desta consulta o projeto arquitetônico poderá ser aprovado.

A legislação contida no Código de Edificações do DF representa um avanço no tratamento da questão relacionada à construção de muros sobre as divisas de lotes.
De ninguém é desconhecida as inúmeras e constantes disputas e desavenças entre vizinhos motivadas pela localização de muros. Há quem brigue por 15 cm de terreno quando toma ciência de um muro que invadiu a sua área.
Diante destas demandas, o Código de Edificações do DF obrigou à total independência entre paredes e quaisquer outros elementos de edificações vizinhas e geminadas, desde o subsolo até o limite superior da cobertura. Aboliu o compartilhamento. Isto inclui os muros, que devem ser independentes para cada edificação. Esta determinação eliminou os conflitos resultantes do travejamento de paredes comuns, permitido pelo Código Civil, incluindo a construção que utiliza os muros sobre as divisas e os conseqüentes questionamentos judiciais.
As outras formas de tapagem, permitidas pelas legislações de Uso e Ocupação do Solo aplicáveis às cidades do Distrito Federal, referem-se a cercas metálicas, cervas vivas e mistas, cercas metálicas/muretas (cercas sobre muros, até alturas pré-determinadas). Esta última opção é muito comum em divisas frontais dos lotes, quando é exigido um mínimo de 70% de visibilidade da área do cercamento, em elevação.
A despeito de toda esta legislação aplicável a cercamentos de divisas, o Distrito Federal tem sido prolífico em avanços com cercas, e até mesmo muros, além dos limites dos lotes. Certas circunstâncias podem ser chamadas de absurdas, como é o caso das Quadras Econômicas Lúcio Costa, no Guará.
Naquele local, constituído por edificações, na maioria, destinadas a Habitações Coletivas, a ausência de vagas para veículos em subsolo, aliada à inexistência de estacionamentos públicos para atendimento a edificações com estas destinações, provocou a mais absoluta desordem urbanística, com cercas metálicas instaladas em áreas públicas, que deveriam ser verdes, recobertas por cascalho. Em alguns locais, a passagem de pedestres é quase proibitiva, restando apenas uma calçada pública estreita, constrangida por cercas de ambos os lados, no percurso de, pelo menos, 60m. Sem contar os casos em que os moradores de um Bloco acessam o estacionamento através da cerca de outro Bloco.
No Distrito Federal, cercar edificações destinadas às Habitações Coletivas é questão extremamente discutível, considerado o princípio de liberdade de deslocamento do pedestre. Afinal, com este objetivo foram propostos os Pilotis das edificações, como forma de eliminar barreiras construtivas sob os pontos de visto físico e visual.
Nos limites do Plano Piloto de Brasília, área tombada por seus atributos histórico, artístico e cultural, cercar edificações observa normas urbanísticas bem definidas sob o ponto de vista da permeabilidade visual – não se admite muros – e habitações coletivas não podem ser cercadas. Entretanto, o que vem ocorrendo fora do perímetro de tombamento beiraria o grotesco se não fosse tão grave.
Os condomínios verticais, multiplicados pela displicência dos Planos Diretores Locais, em nome do terror urbano originado nas profundas disparidades sociais e no sucateamento da educação, têm produzido e reproduzido muralhas ao redor dos pretensos oásis de paz e harmonia regados a piscinas, quadras de esporte e outras enganações.
Quanto mais alta a muralha, maior a suposta noção de segurança, de inatingibilidade. E lá se vão multiplicando as caixas urbanas, protegendo a coisa preciosa contra o olhar e o andar dos passantes. Quem quiser que dê a volta, mesmo que seja grande o percurso. Me pergunto se, no decorrer do tempo, retornaremos ao já abolido hábito ancestral de implantar muralhas vigiadas ao redor das cidades.
Conhecedores que somos das profundas marcas urbanas causadas pela violência e, ao mesmo tempo, da incontida ausência de respeito pela propriedade, gerada nos meandros da ganância, não é possível posicionar-se contrariamente à instalação de elementos delimitadores de lotes. A questão é como poderá ocorrer esta materialização. Mas em condições que respeitem quem está por dentro e quem está por fora, garantindo a condição em que os olhares se encontrem.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

O Urbanismo e o Espaço/Tempo

Por parcelamento urbano entende-se, de acordo com as Leis Federais nºs 6766/79 e 9785/99, o retalhamento do solo, para fins urbanos, através de dois procedimentos distintos:
1.  Loteamento: desmembramento de gleba em lotes, quando é necessária a abertura de vias de circulação de veículos. Subentende a criação de novos logradouros públicos, ou modificação e ampliação das vias já existentes.
2.  Desmembramento: subdivisão de gleba em lotes, com aproveitamento do sistema viário já existente, sem abertura de novos logradouros públicos, nem modificação, prolongamento ou ampliação dos já existentes.
Ambos os casos têm como causa o aumento da densidade demográfica urbana, seja por migrações ou crescimento vegetativo. E os resultados destas intervenções são relacionados, no loteamento, ao crescimento do tecido urbano ou ao adensamento da malha já existente. No desmembramento, a malha é mantida e adensada.
Qualquer parcelamento urbano através de loteamento, seja de interesse público (programas de iniciativa Municipal e do Distrito Federal, onde se incluem a criação de novas áreas habitacionais de interesse social e as regularizações de parcelamentos e assentamentos clandestinos) ou destinado às faixas de renda média e alta, pressupõe a obrigatoriedade de previsão de condições satisfatórias relacionadas ao bem-estar da população já existente e futura, onde são analisados e propostos, no mínimo, os seguintes elementos:
·      Infra-estrutura básica: equipamentos comunitários (saúde, educação, segurança e outros), equipamentos urbanos de iluminação pública, energia elétrica domiciliar, telefonia, gás, abastecimento de água potável, escoamento de águas pluviais, esgotamento sanitário, vias de circulação de veículos, além de áreas livres para uso da população.
No caso de desmembramento, o acréscimo de lotes, resultante da partição de outros pré-existentes, exige a verificação do atendimento às novas demandas surgidas do adensamento populacional, além dos investimentos necessários à adequação da infra-estrutura à nova demanda.
Aliás, o desmembramento não se produz apenas no sentido horizontal, mas também no vertical, quando lotes antes destinados a determinada atividade são alçados a outra situação, permitindo a existência de novas unidades imobiliárias, associadas ao solo criado, com inserção de novos usos e atividades que induzirão ao adensamento urbano, mesmo que horizontalmente não se permita a subdivisão do lote.
Quando a alteração do solo urbano, através de loteamento ou desmembramento, se produz em municípios circunscritos em áreas metropolitanas, é obrigatório o atendimento não apenas às restrições urbanísticas próprias daquela cidade específica, observadas as suas peculiaridades, mas também é necessário atender ás regras a que estão submetidas as demais cidades que constituem o município, as regras estaduais e as determinações advindas da condição de cidade integrante daquela Região Metropolitana.
Entende-se por Região Metropolitana a área de grande extensão onde está implantada a cidade principal, que dá nome a Região, e onde também se inserem as cidades e municípios vizinhos, todos com relação de proximidade e de interferência no sistema de trocas e de trabalho. A sede da Região Metropolitana é o ponto de maior atração dos habitantes pelos serviços disponíveis.
O Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10257/2001, estabelece como objetivo da política urbana e pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, para as atuais e futuras gerações.
Em busca desta meta, define as seguintes diretrizes gerais: o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte, aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer.
Estabelece, ainda, que o planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e da sua área territorial de influência deve observar a necessidade de corrigir distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente (natural ou antropizado).
Com este objetivo, determina que a ordenação e o controle do uso do solo devam evitar:
·      A proximidade entre usos incompatíveis ou inconvenientes
·      O excessivo ou inadequado adensamento do solo e de usos que pressionem a infra-estrutura urbana, incluindo os Pólos Geradores de Tráfego, sem a previsão de ampliação destes equipamentos urbanos.
Este instrumento legal obriga à elaboração de Plano Diretor para cidades nas seguintes condições:
·      Com mais de 20 mil habitantes;
·      Integrantes de Regiões Metropolitanas e Aglomerações Urbanas
·      Integrante de áreas de Especial Interesse Turístico
·      Localizadas na área de influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional;
·      Onde o Poder Público pretenda utilizar os instrumentos do parcelamento ou edificação compulsórios, do IPTU Progressivo e da desapropriação, todos estes caracterizados como institutos que permitem a intervenção do Estado na propriedade, previsto no Art. 182, Parágrafo 4º, da Constituição Federal.
A análise em paralelo destas duas legislações, a Lei Federal 6766/79, alterada pela Lei 9785/99, e o Estatuto da Cidade, Lei Federal 10257/2001, nos permite concluir pelo significativo avanço contido no Estatuto da Cidade em relação aos elementos básicos de planejamento urbano previstos pela Lei 6766/79.
Enquanto a Lei 6766/79, a despeito da sua atualidade em temos do detalhamento requerido para projetos urbanísticos de parcelamento do solo, exige apenas à infra-estrutura básica, incluindo a implantação e/ou a adequação de redes de serviços públicos, vias de circulação de veículos e equipamentos públicos comunitários de saúde, educação, segurança, cultura, lazer, supermercados e feiras livres, o Estatuto da Cidade vai bem mais adiante, estabelecendo Diretrizes Gerais compatíveis com o modo de vida das populações urbanas e seus direitos democráticos.
Nesta direção, garante os direitos à terra urbana, à moradia, ao saneamento básico, à infra-estrutura urbana, ao transporte, aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, exigindo, ainda, que o desenvolvimento das cidades, a distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência sejam efetivamente planejados de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente natural e antropizado.
Desenvolvimento urbano e crescimento urbano são conceitos muito diferentes entre si.
Desenvolver o meio urbano implica em torná-lo próspero, produtivo, adequado á população no sentido de atender de modo eficiente e eficaz às suas necessidades presentes e futuras. Requer diagnóstico, análise e prognóstico.
Crescer representa o avanço das ocupações urbanas. Se não corretamente tratado, o crescimento pode significar um processo de aumento de quantidade, de volume, enfim, um inchamento desordenado, resultando em profundos malefícios à população de uma cidade, de um município e de toda a Região Metropolitana.
Neste sentido, não é suficiente que se cuide da infra-estrutura urbana. É fundamental que se atente a todos os aspectos do funcionamento da estrutura urbana, promovendo o acesso, também, à moradia, ao saneamento ambiental, à terra, ao transporte, aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer.
Estes seis objetivos funcionam como uma malha indissociável em sua interdependência. Não há como excluir qualquer dos elementos, nem tratar de alguns em detrimento de outros.
Entretanto, a questão relacionada ao trabalho, base da sobrevivência humana, é função de importância substancial por induzir transformações nas demais: sem trabalho não há acesso à terra urbana, nem à moradia, nem aos benefícios que resultam em custos decorrentes da implantação de infra-estrutura urbana, de saneamento ambiental, de transporte, de serviços públicos e de lazer.
Contudo, sob a perspectiva exclusiva do planejamento urbano, prover a população de condições de trabalho tem se demonstrado tarefa nada fácil, por depender de mecanismos econômicos que extrapolam os limites próprios do urbanismo. Só podemos criar condições favoráveis. Apenas isso.
As cidades mais populosas, de um modo geral, sejam brasileiras ou de outras partes do mundo, convivem com um problema estrutural relacionado aos diversos modos de vida que se superpõe ao longo de seus muitos anos de existência. A dinâmica do ritmo vital se altera continuamente, em decorrência nas novas necessidades e aspirações das pessoas, variáveis com cada período histórico, visto na perspectiva do tempo/espaço. A estrutura urbana, por sua vez, sofre alterações quase sempre pontuais, num esforço adaptativo às novas exigências, mas sem amoldar-se completamente a cada período sucessivo.
O mais grave problema tem sido as necessidades de deslocamento casa-trabalho.
Como já mencionado, as cidades crescem em número de habitantes, seja por migrações, seja vegetativamente. O atendimento às constantes exigências passa por garantir moradia aos novos contingentes populacionais, através do parcelamento do solo, na forma de loteamento ou desmembramento, o que impõe pressões sobre os modos de transitar.
Tomando como foco de análise a Região Metropolitana de Brasília, constatamos que todos os vetores de movimento apontam para o Plano Piloto. Este é o local onde se concentram os serviços e postos de trabalho prestados à população deste grande aglomerado urbano que exerce profunda atração não apenas sobre as demais cidades dos limites territoriais do Distrito Federal, mas também do seu entorno, abrangendo cidades de Goiás.
Diariamente, intenso volume de automóveis acessa as rodovias e vias do DF, além do vultuoso movimento dos transportes coletivo – ônibus, abarrotados de pessoas em condições indignas. Além do recurso do Metrô, solução ainda restrita ao trecho sul/ oeste da Região Metropolitana.
Quando da criação Brasília, ocorrida no ano de 1960, os padrões da ocupação urbana refletia um modo de vida muito peculiar de uma cidade recém inaugurada, onde a maioria dos moradores eram servidores Federais, e logo depois também Distritais, absorvidos pela estrutura administrativa localizada próxima às superquadras, os locais de moradia.
Em pouco tempo, as cidades instaladas no entorno de Brasília, mais especificamente do Plano Piloto, tornaram-se centros de compras, sobretudo de produtos básicos, onde a população residente no Plano Piloto se abastecia. Aquelas cidades, Núcleo Bandeirante e Taguatinga, se auto geriam em termos de oferta de empregos, pelo menos de forma rudimentar, ao mesmo tempo em que muitos operários residentes trabalhavam nas obras do Plano Piloto.
Contudo, a busca por atendimento hospitalar – no Hospital Distrital, depois denominado Hospital de Base – já atraía a população daqueles dois núcleos urbanos iniciais.
A população do Plano Piloto cresceu, na medida em que as superquadras ficavam prontas. Simultaneamente, novas cidades foram erguidas dentro do quadrilátero do DF.
Enquanto cidade planejada urbanisticamente, o Plano Piloto se desenvolvia e crescia de modo ordenado, promovendo ofertas de empregos e serviços nas mais diferentes áreas. Desta forma, a população das demais cidades e do entorno do DF passou a deslocar-se para as áreas centrais, para a W3/Sul e, posteriormente, para a W3/Norte. Desafortunadamente, estas cidades não dispunham de oferta de empregos e serviços compatíveis com as necessidades da população residente. Por muitos anos, aqueles núcleos urbanos foram denominados cidades-dormitórios, termo que designava o próprio movimento diário dos seus moradores. Saiam pela manhã e só retornavam à noite.
Até a publicação do Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT), muito pouco mudou, a não ser o rápido crescimento urbano do DF e entorno. Embora as cidades satélites tenham sido tratadas do ponto de visto do Ordenamento Territorial, este trabalho não foi muito além das criações e remanejamentos de áreas e elaboração de normas urbanísticas enquanto, paralelamente, as invasões de terras se processavam a todo o vapor. O sucesso dos parcelamentos e desmembramentos irregulares se fundamentou em claros fatores: a inércia do Poder Público em promover o desenvolvimento urbano ordenado, em atendimento à carência de ofertas de habitações para a população, os preços extorsivos do solo do DF, proibitivo para o cidadão comum e a dificuldade, ou talvez o desinteresse, em fiscalizar as ocupações irregulares.
O inchamento resultante agravou, ainda mais, o quadro de concentração de vetores sobre o Plano Piloto.
O atual PDOT, Lei Complementar nº 803, de 25/04/2009, enquanto revisão do Plano anterior, Lei Complementar nº 17, de 28/01/97, se propôs a uma árdua tarefa, contida em seus objetivos gerais: melhorar a qualidade de vida da população, e simultaneamente, resguardar o Conjunto Urbanístico do Plano Piloto de Brasília, como sítio urbano tombado e Patrimônio Cultura da Humanidade.
Como forma de atenuar a concentração populacional que pressiona o Plano Piloto, resultante do fluxo de trabalho e ofertas de serviços, o PDOT propôs a ampliação das oportunidades de trabalho, de forma equilibrada no território do Distrito Federal, distribuídas através das áreas concentradoras de população urbana.
Além disso, propôs a distribuição equilibrada de áreas destinadas a equipamentos públicos urbanos e comunitários, ao mesmo tempo em que pretende promover o desenvolvimento de novas centralidades no DF.
Em outras palavras, se propõe reduzir a pressão da demanda sobre o Plano Piloto, através da distribuição de novos locais denominados “centralidades”, e ainda distribuindo equilibradamente as áreas destinadas a Equipamentos Públicos Comunitários (saúde, educação, segurança, centros comerciais e outros) e Equipamentos Públicos Urbanos (infra-estrutura urbana).
Para a consecução destes objetivos, pretende delimitar áreas econômicas, diversificar atividades em áreas já instituídas e implantar centros de negócios e pólos de atividades econômicas.
As áreas econômicas, para implantação ou tratamento prioritários, foram subdivididas em consolidadas, de revitalização de espaços urbanos e áreas já instituídas, mas ainda não consolidadas.
As áreas econômicas consolidadas encontram-se no Gama, Taguatinga, Brazlândia, Núcleo Bandeirante, Guará, Santa Maria, Riacho Fundo, Candangolândia, Sudoeste e Setor de Indústria e Abastecimento.
As áreas de revitalização, consideradas de alta concentração de postos de trabalho, situam-se nos Setores Centrais de Brasília, W3 Norte e Sul e Setor de Indústrias Gráficas, além do Setor Central do Gama e do Complexo de Lazer de Brazlândia.
As áreas econômicas não consolidadas, que exigirão intervenções necessárias ao seu funcionamento adequado, encontram-se no Núcleo Bandeirante, Guará, Sobradinho, Planaltina, Ceilândia, Samambaia, São Sebastião, Recanto das Emas, Lago Sul, Águas Claras e Setor Complementar Indústria e Abastecimento.
A maioria destas áreas foi, há anos atrás, destinada a desenvolvimento econômico (ADE), mas não cumpriu a finalidade prevista pela legislação que as criou. No caso específico do Guará, a ADE se localizou no Pólo de Moda, área criada para abrigar pequenos e médios empreendimentos voltados para o uso industrial. Contudo, já no início de sua implantação, ocorrida por vota do ano de 2001, o objetivo inicial foi absurdamente desviado pelas construções de inúmeras quitinetes, subdividindo lotes indivisíveis, pela partição do térreo em duas ou mais lojas, onde apenas uma era admitida e pelo desrespeito à altura máxima e número de pavimentos permitidos, no afã de introduzir cada vez mais quitinetes, em processo local popularmente conhecido como “venda de laje”.
Naquela área, poucos cumpriram o compromisso de geração de emprego, objetivo que determinou a sua criação, favorecida que foi por incentivos econômicos concedidos pelo Poder Público.
As áreas econômicas a serem implantadas, denominadas de dinamização, igualmente prioritárias, encontram-se na Ceilândia, Taguatinga, Eixo Estrada Parque Indústria e Abastecimento (EPIA), Eixo Via Interbairros, Pólo JK (Santa Maria), Pólo Capital Digital (próximo ao Torto), Pólo de Agronegócios Área I (entrada para o Vale do Amanhecer, Planaltina), Pólo de Agronegócios Área II (Arapoanga, Planaltina).
Para estas áreas, o PDOT propõe o uso comercial e de serviços, institucional, industrial e habitacional. Contudo, foram propostas atividades âncoras variáveis com cada localidade, de acordo com a sua vocação e necessidades.
Nestes termos, nos eixos das Vias EPIA e Interbairros a atividade âncora é comercial e de serviços, em Ceilândia foi proposto Pólo Educacional, em Taguatinga propôs-se Centros Comerciais, Hipermercados, Universidades e Pólos de Diversão (Via Hélio Prates, Pistão Norte e Pistão Sul), Plataforma logística para o Pólo JK, Pólo de Informática para o Capital Digital e Máquinas e Equipamentos Agrícolas para os Pólos de Agronegócios de Planaltina.
Ao mesmo tempo, foram propostas novas áreas econômicas para Brasília, Gama, Taguatinga, Planaltina, Ceilândia, Samambaia, Santa Maria, Recanto das Emas, Riacho Fundo II, Lago Norte e Sobradinho II, além dos denominados Pólos Multifuncionais do Catetinho, Taguatinga, Grande Colorado, Metropolitana, Planaltina, Samambaia, São Sebastião, Sul e Torto.
Os Pólos Multifuncionais, estruturas voltadas para Equipamentos Públicos e Comunitários, Comércio e Serviços, incluindo hospedagem, além do uso Habitacional Coletivo, situam-se nas confluências entre Estradas Parques e entre DFs e Estradas Parques. A localização e as atividades previstas foram propostas com o objetivo de reduzir as necessidades de deslocamento e a articulação com a rede estrutural de transporte coletivo.
Retornando à questão da superposição de diferentes características urbanas, de acordo com cada período da história, próprio de cada cidades, podemos concluir que, no caso do Distrito Federal, como em diversas áreas densas brasileiras ou de outros Países, apenas uma poderosa “bola de cristal” seria capaz de predizer a intrincada gama de carências, anseios e alterações resultantes das transformações do modo de vida dos seus habitantes.
O PDOT propôs duas estruturas distintas, mas complementares, na forma de tratamento da questão trabalho: as áreas de dinamização estão ao longo de eixos, às margens de importantes rodovias, da mesma forma que os denominados Pólos Multifuncionais se localizam nos entroncamentos de rodovias mais significativas. Simultaneamente, tanto as áreas de dinamização, quanto os Pólos Multifuncionais, da mesma forma que as áreas econômicas consolidadas, as de revitalização e as não consolidadas, se localizam próximo a rodovias, em pontos urbanos centralizados, como forma de facilitar acessos através do transporte coletivo.
Se por um lado foi considerada a situação presente, já de longa data instalada, da necessidade dos trabalhadores de cumprir longos percursos entre casa e trabalho, através de transporte de massa, por outro lado foi prevista a construção de estruturas voltadas para o trabalho em áreas mais próximas às cidades de maior demanda, considerado não apenas o Distrito Federal, mas também as cidades do entorno. Estes, os vetores mais significativos de pressão sobre o Plano Piloto.
A proposta é coerente? Evidentemente o é. A capacidade de atendimento a duas formas distintas de abordagem da questão, pela superposição de duas diferentes estruturas, a antiga, relacionada aos deslocamentos, e a atual, que permite a relação de maior proximidade entre casa e trabalho, se convenientemente tratada, produzirá efeitos muito positivos sobre o bem-estar da população envolvida e reduzirá de modo significativo a pressão sobre o Conjunto Urbanístico Tombado – o Plano Piloto de Brasília.
Já tarda o momento de se entender, em profundidade, que a cidade deve se manter como um organismo vivo, pulsante, satisfatório do ponto de vista de todas as relações que se modificam continuamente no espaço/tempo.
Não se pode entender a criação de parcelamentos urbanos, seja por loteamento ou desmembramento e adensamento, sem a correspondência imprescindível com o provimento dos postos de trabalho e as ofertas de serviços compatíveis com as características da população residente.
Na visível contramão do foco, inúmeros parcelamentos foram criados, não só no Distrito Federal, mas em muitas outras cidades Brasileiras, onde os elementos envolvidos na análise que define a localização excluiu o importante aspecto da necessidade de prover condições de absorção de mão-de-obra local e das áreas circunvizinhas. Sem considerar a ocorrência de quatrocentos condomínios irregulares surgidos dentro do Quadrilátero do DF.
Se observarmos a proposta do PDOT para as novas áreas econômicas a serem implantadas – de dinamização e multifuncionais – verificaremos que as primeiras são associadas ao uso misto e a segunda ao uso habitacional coletivo. A proposta tem excelente objetivo. Mas a prática, como será? O valor excessivo do metro quadrado urbano, no DF, permitirá que os imóveis residenciais a serem oferecidos realmente sejam destinados a projeto tão adequado? Ou será mais um modo de atender à expansão de novas áreas residenciais, mistas ou coletiva? Realmente, ao urbanismo só resta propor e torcer pelo melhor.

sexta-feira, 1 de junho de 2012

O Estudo de Impacto de Vizinhança e seu Papel no Ordenamento Territorial


O Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10257, de 10/07/2001) define, em seu Art. 36, que “Lei Municipal definirá os empreendimentos e atividades privados e públicos em área urbana que dependerão de elaboração de Estudo prévio de Impacto de Vizinhança (EIV) para obter as licenças ou autorizações de construção, ampliação ou funcionamento a cargo do Poder Público Municipal”.
O objetivo deste estudo é avaliar os efeitos resultantes, positivos e negativos, que determinado empreendimento ou atividade causará à população residente na área onde se localizará a obra, e nas suas proximidades, no que se refere à sua qualidade de vida.
O EIV representa, portanto, instrumento fundamental da política urbana, orientador do planejamento Regional, Estadual ou Distrital e Municipal, sob os aspectos do parcelamento, Uso e Ocupação do Solo, do Desenvolvimento Econômico e Social e das Outorgas Onerosas do Direito de Construir e de Alteração de Uso.
A partir destes princípios, qualquer intervenção em área urbana que pretenda modificar ou alterar usos e atividades, que objetive acrescer área construída às unidades imobiliárias já existentes ou a serem criadas, que pretenda promover o desenvolvimento econômico e social, exige a prévia elaboração do EIV, pelo Poder Público, imprescindível à orientação dos caminhos a serem percorridos na obtenção de condições satisfatórias de ordenamento territorial urbano, garantindo o bem-estar social não apenas nas áreas diretamente atingidas pelas intervenções, mas também nas localidades mais próximas e mais remotas.
Considerando que a cidade é organismo a ser continuamente provido de condições vitais, alterar parte deste organismo implica em produzir inevitáveis reflexos sobre a sua totalidade. Da mesma forma que paralisar o organismo, “engessá-lo”, significa condená-lo à inatividade e conseqüente regressão até o desaparecimento.
O termo “bem-estar social” é intrinsecamente associado à gestão democrática do meio urbano. Não é possível entender que alterações sejam impostas à população sem que haja a elaboração de EIV. Elaborar este estudo não só exige o conhecimento técnico/teórico, mas representa ato comum, envolvendo a população direta ou remotamente atingida. Abster-se desta interação resulta em soluções sem sustentação, inoportunas, inúteis, natimortas e, muitas vezes, ofensivas e prejudiciais às comunidades. Só quem vive em determinada área é capaz de conhecer em profundidade os problemas e as vantagens inerentes ao local.
O Estudo de Impacto de Vizinhança é o instrumento que mensura os impactos sobre a circulação de veículos e de pedestres, sobre o fornecimento de água e energia elétrica, sobre o transporte público e sobre a captação de esgoto e águas pluviais. Avalia, também, a influência de novas ocupações sobre áreas verdes e demais áreas livres urbanas, sobre a capacidade de atendimento de equipamentos públicos coletivos (escolas, hospitais, etc.). Enfim, se constitui de diversos temas de análise que possibilitam um diagnóstico das áreas atingidas.
Em resumo, não é possível propor alterações de usos e de potenciais construtivos sem o diagnóstico da área e do prognóstico resultante das intervenções.
A cidade, enquanto organismo vivo, sofre interferências contínuas produzidas por novas construções e pelas alterações necessárias ao seu desenvolvimento. Os riscos resultantes de tratamento incorreto são significativos, capazes de mais provocar prejuízo que benefício às populações envolvidas.
Não representa ocorrência incomum, seja em cidades brasileiras ou mesmo de outros países, que preocupações com o atendimento á demanda por habitações, com a arrecadação de impostos e com a criação de novos postos de trabalho ignore todos os demais aspectos e respectivos condicionantes envolvidos no bem-estar social.
Estudos de Impacto de Vizinhança, imprescindíveis às alterações necessárias, não podem ser elaborados pelos compradores de lotes que, a priori, já efetivaram a aquisição atraídos pelas possibilidades de maiores lucros advindos de mudanças de usos e acréscimos de potenciais construtivos.
Esta circunstância é semelhante à hipótese de um veículo andar em marcha a ré, por longo percurso, sem a observação pelo retrovisor. Ver toda a paisagem em ordem invertida requer ajustes constantes, adaptados ao movimento, e não à ordem da realidade já estabelecida.
As inevitáveis “trombadas” são minimizadas por propostas de correções da realidade instalada, ampliando ou criando vias de circulação de veículos e instalações de serviços públicos, entre outras intervenções capazes de promover a assimilação urbana dos novos empreendimentos.
O sucesso ou o insucesso das propostas depende da capacidade de análise dos condicionantes urbanos envolvendo todos os aspectos inerentes a cada realidade específica. Neste ponto do estudo incide o interesse do proprietário do empreendimento que, convenhamos, não pagaria por este serviço se os resultados fossem desfavoráveis. Afinal, o lote já foi adquirido e o projeto arquitetônico elaborado. Esta é a real situação. Muito diferente seria se as proposições de alterações se fundamentassem na prévia análise da realidade objetiva. Certamente o resultado seria bem outro.
Sempre e continuamente me pergunto sobre os procedimentos adotados por prefeituras e Estados para a aprovação de projetos urbanísticos de inserção de novas áreas urbanas, em nível de extensão e adensamento.
Mesmo que o Estatuto da Cidade, Lei Federal, tenha determinado a obrigatoriedade da elaboração de Plano Diretor para núcleos urbanos com mais de 20 mil habitantes e, conseqüentemente, obrigou à elaboração do EIV para atingir os objetivos do desenvolvimento, como se explica que ainda exista tanto esgoto escorrendo a céu aberto, tanta carência de obtenção de água e energia elétrica e tanta ineficiência no atendimento com hospitais? Mas as obras de grande porte, como condomínios e outros loteamentos não param de surgir por todo o País. Se as condições mais elementares à sobrevivência urbana não são atendidas nas áreas de maior carência, como propor novas áreas?
Quando o crescimento e o desenvolvimento se concentram em áreas comerciais e institucionais sempre se prevê o correspondente acréscimo no recolhimento de impostos e taxas em níveis mais significativos e a aplicação destes recursos, em tese, seria devolvido à população em aprimoramento dos serviços públicos.
Se observarmos a micro-esfera do núcleo urbano do Guará, que obras públicas foram executadas como compensação urbanística? Poucas, na verdade. Mas as conseqüências do adensamento ocorrido começam a surgir. O sinal da TV aberta já não chega a localidades contíguas às edificações extremamente altas e os primeiros problemas de fornecimento de água e energia elétrica já começaram a se delinear.
Por outro lado, não têm ocorrido às necessárias ofertas de novos postos de trabalho, nem as alterações nos transportes coletivos, que permanecem uma catástrofe urbana, ao mesmo tempo em que mais e mais veículos obstruem a totalidade das vias de acesso ao Plano Piloto, local de concentração de empregos. Mas as enormes edificações ainda nem foram ocupadas.
As preocupações com o atendimento às necessidades básicas da população representam fatos antiqüíssimos. Os aquedutos romanos e os canais construídos pelas Civilizações Maias, Incas, Astecas e outras cujos índices de concentração humana atingiram níveis significativos, demonstram, historicamente, que no Brasil a evolução do entendimento de “bem estar social” sempre foi conceito pouco trabalhado. Afinal, desde os primeiros momentos da existência deste País, o trabalho escravo no transporte de águas e dejetos produzidos retratam a indisposição de se providenciar a necessária infra-estrutura urbana. Não é de se surpreender que até o momento atual, século XXI, milhares de residências ainda não disponham de água encanada e interligação domiciliar ao sistema de esgotamento sanitário.
A despeito da extrema complexidade assumida por nossos núcleos urbanos, abordar o tema Estudo de Impacto de Vizinhança, procedimento que deveria ser comum por sua fundamental importância no ordenamento territorial, tornou-se algo que causa ora estupefação e ora indignação daqueles que se habituaram, por décadas, a exercer atividade construtiva predatória. Não apenas alguns responsáveis por grandes obras, mas também muitos proprietários de obras residenciais. Estes últimos, no final de tudo, representam maioria no cálculo das ocupações urbanas, portanto, exercem profunda demanda por serviços públicos.
Provavelmente, as razões desse descaso histórico estejam vinculadas às enormes diferenças econômicas e sociais presentes em nosso País. Quem sempre viveu em áreas urbanizadas talvez não consiga compreender, em profundidade, a carência existente em locais de miséria e pobreza. E quem vive nas áreas carentes não consegue acessar o entendimento das razões do abandono.

A Arquitetura Residencial Unifamiliar


1.     Os Objetivos e Características:
A arquitetura pode ser definida como a materialização de espaços através de elementos delimitadores. A criação dos espaços é orientada pelas necessidades e aspirações dos futuros usuários e se fundamenta no modo de utilização culturalmente estabelecida por cada população e seus hábitos.
Os espaços especificamente residenciais unifamiliares se materializam de acordo com o objetivo de cada obra (uso e atividades). A seguir relacionamos alguns casos:
A.  Habitação Unifamiliar: este uso/atividade pode ser subdividido em dois objetivos, diferenciados pela intenção de quem projeta:
1)  A habitação unifamiliar destinada ao usuário pré-definido – o próprio contratante da obra – que expressa os seus anseios e necessidades de acordo com o número de familiares e os hábitos de cada um, além da sua faixa de renda.
2)  Habitação unifamiliar destinada a usuário indefinido, construída para venda ou aluguel. Neste tipo específico, o objetivo de quem constrói é vinculado muito mais ao valor do imóvel, em conformidade com a faixa de renda do comprador, adequação iniciada na escolha da localização do lote dentro da malha urbana (bairro, setor, quadra e rua) e adaptada às características de dimensionamentos e outros aspectos do programa arquitetônico. Mas sem perder o foco do modo de vida culturalmente instalado daquele usuário futuro.
3)  Habitação Unifamiliar de Interesse Social: edificações desta natureza têm por função primordial abrigar pessoas, geralmente, vítimas do perverso sistema imobiliário que sempre ousou, livremente, especular com o direito básico à moradia.
Obras com objetivo social são sempre construídas em áreas não valorizadas pelo sistema imobiliário, geralmente nas periferias dos centros urbanos, materializadas em lotes unifamiliares ou habitações coletivas.
As edificações individuais são projetadas, geralmente, em modelo único, sempre com base no lote de menores dimensões. A área construída de cada unidade é variável entre 40,00m² e 68,00m², limite aceitável para residência considerada como econômica, e quase sempre idênticas em forma e função.
O Distrito Federal pode construir, igualmente, unidades denominadas econômicas do tipo célula, consideradas pelo Código de Edificações do DF como etapa inicial de unidade econômica com, no mínimo, dois compartimentos.
Embora o objetivo fundamental de edificações desta natureza seja prover abrigo, conhecemos inúmeras circunstâncias em que o beneficiário comercializa a unidade imobiliária, mesmo financiada de modo a atender às suas possibilidades de endividamento e, em seguida, reinscreve-se em outros programas sociais, através de pessoas ainda não beneficiadas, para posteriormente repetir o ato ilegal. Transforma o benefício em fonte irregular de renda.
Inevitavelmente, o sistema imobiliário tem raízes muito mais profundas no meio urbano do que todo o arcabouço cultural e filosófico que orienta as ações do arquiteto. Atos especulativos são muito mais centrados no uso residencial, atividade de “primeira necessidade”, predominante em qualquer núcleo urbano, portanto, a que gera mais lucros, seja na construção para venda, seja para aluguel. Não foi por outra razão que áreas foram invadidas, não só no Distrito Federal, mas em todo o País, reproduzindo ocupações irregulares em locais antes destinados a fazendas, chácaras e áreas públicas, incluindo as de risco e de Proteção Ambiental.
Os princípios que fundamentam a atuação dos arquitetos, relacionados à adequação das funções às necessidades e aspirações do usuário, de há muito foram restritos à sua capacidade criativa de transformar a rigidez da uniformização, requerida pelo atual modo de produção da arquitetura, em objetos a um só tempo bem solucionados e, por isso mesmo, rentáveis.
O que importa agora não é só a questão cultural. A ênfase foi deslocada para os aspectos financeiros e psicológicos introjetados no objeto arquitetônico resultante. O condicionante financeiro sobrepuja qualquer outro por representar a base de sustenção da obra, determinante do que é possível executar, observados os recursos disponíveis e os recursos do público alvo, onde está inserido o aspecto psicológico, reunindo os padrões de natureza cultural de determinada população, resultando no ato de gostar ou não gostar do produto oferecido.
Seja habitação individual ou habitação coletiva, o que hoje está em jogo é a adequação do objeto ao gostar e ao poder de comprar. Na maioria das vezes, o poder de comprar não se afina com o gostar. Os maiores cuidados encerram-se na habitação de interesse social, quando a exigüidade dos recursos públicos, resultantes das enormes carências, impelem ao gostar simplesmente por ser o objeto arquitetônico presente o único disponível.
A partir destas observações, concluímos que a materialização do objeto arquitetônico para uso residencial é, dependente dos seus objetivos, pode ser subdividida em três tipos bem específicos:
a)     A arquitetura “literária”:
Arquitetura que freqüenta salões de exposições, revistas especializadas e documentários exibidos na TV, possui as seguintes características, diferenciadas em dois tipos:
·      Semelhança com a arquitetura oficial, assim chamada aquela paga pelo Poder Público para materialização dos seus espaços funcionais. Compõe-se de grandes espaços, promovidos por caros sistemas construtivos e estruturais, vidros em profusão, grandes linhas retas e generosas curvas compondo volumes bem delineados e efeitos plásticos planejados.
·      Espaços, sistemas construtivos e estruturais menos dispendiosos, adequado e integrado ao entorno sob os aspectos ambientais.
Respeito às necessidades do usuário, incluindo os hábitos culturais.
b)     A arquitetura popular:
Neste tipo específico, o orçamento ou é limitado ou é mais largo. Em ambos os casos se sujeita a modismos de cada época e lugar. Tende ao estigma do modelo, repetido em profusão pelo tecido urbano construído em materiais de maior alarde da propaganda, em geral a preços atrativos. Acaba por definir as características de uma cidade, ou de várias em um mesmo Estado, dependendo do nível de renda de cada população local.
Exemplo curioso são as edificações residenciais construídas em vários subúrbios do Rio de Janeiro, nas décadas de 1950 e 1960. Modelo pronto, semelhante a latas de mesmo conteúdo e marca em prateleira de supermercado, eram projetos reproduzidos e vendidos prontos, por um certo construtor da época, para clientes de classe média baixa. No pacote, vinha a obrigação da obra ser construída pelo mesmo vendedor.
A curiosidade do modelito era a abertura de quarto e banheiro diretamente para a sala de estar, além da impossibilidade de adaptação aos terrenos com considerável desnível, comuns naquela cidade. Então, era construída uma laje apoiada no solo, no acesso à residência, e estrutura sobre longos pilares a partir deste acesso, criando enorme vão inferior sem destinação. Para se chegar ao quintal era obrigatória a descida por longa escada lateral, ou por outra escada, muito íngreme, partindo da área de serviço no trecho posterior da casa.
Estes modelos se repetiam por várias ruas e por incontáveis quarteirões, ocupando inúmeros bairros em seqüência, à semelhança de obras de interesse social, sem de fato o serem. Provavelmente o esperto construtor, que também era o proprietário da loja de materiais de construção e negociador de lotes enriqueceu, sem qualquer pesar pelos estragos arquitetônicos que produziu sobre aqueles tecidos urbanos. Com o advento das favelas, o seu reinado se encerrou substituído pelo terror social.
c)     A arquitetura de interesse social:
Este tipo carrega o estigma da uniformidade, traduzida em modelos absolutamente idênticos, projeto adaptado, precipuamente, aos lotes de menores dimensões.
Experiência interessante ocorreu no Distrito Federal, na Vila Tecnológica do Guará, onde o órgão responsável pelos projetos criou duas opções, uma delas com dois pavimentos.
Razões financeiras e rapidez construtiva determinam a criação de modelos. A execução das unidades, com economia de materiais e sistemas estruturais, permite a elaboração de orçamentos previsíveis e maior celeridade na implantação e entrega, objetivo último determinante da classificação das obras como de interesse social.
Este tipo diverge consideravelmente da arquitetura que chamamos de popular por ocupar área pré-determinada na malha urbana, escolhida pelo Poder Público pelo valor do solo, pela proximidade com sistemas de abastecimento de água, de redes de fornecimento de energia elétrica, de captação de esgoto, todos estes elementos de infra-estrutura urbana, além da facilidade de extensão do sistema de circulação viária e de transportes urbanos. Enfim, não se repete.
Analisando a questão da arquitetura residencial unifamiliar sob o ponto de vista dos objetivos e das características de materialização, podemos concluir que a melhor das abordagens é a arquitetura que chamamos “literária”, mas apenas aquela que traz em sua concepção o respeito às características no meio ambiente circundante e às origens e modo de vida culturalmente instalado em seus futuros ocupantes.
Distante da arquitetura fria que define o bloco de gelo esculpido das concepções “pró-oficiais”, por suas próprias características também se distancia da repetição incessante do que chamamos de arquitetura popular. Produz espaços adaptados a seus objetivos, fisicamente agradáveis, e ao mesmo tempo não se desagrega do conjunto do entorno, na medida em que não tem a pretensão de ser diferente a ponto de chocar os princípios culturais/visuais da vizinhança.
Bem ao contrário, é capaz de alterar o ritmo monocórdio resultante das sucessivas cópias com pequenas alterações, estimulando a noção do “eu” inserido no “nós”.
Basta, para se chegar a um fim melhor sucedido, que a comunicação com o cliente tenha sempre como esteio a necessária pesquisa.