terça-feira, 18 de setembro de 2012

As Legislações Urbanística, Arquitetônica e Específicas – Os Âmbitos de Aplicação


            Aprovar ou visar um projeto arquitetônico em áreas urbanas significa atestar que os espaços edificados possuem qualidade. Por qualidade, entendemos a capacidade de atendimento às condições  mínimas de saúde, higiene, segurança, conforto e acessibilidade dos usuários e de terceiros, considerada a complexa rede de interações que têm lugar no meio urbano e as implicações ambientais.
            A elaboração de uma norma urbanística regulamentadora das ocupações não é ato subjetivo. A ótica isenta de influências de qualquer natureza, exceto do interesse pelo bem-estar social, advinda do conhecimento da realidade urbana e da gama de interações e características de cada localidade, garantindo o êxito dos resultados, em benefício da população residente ou usuária.
            O procedimento adotado para aprovar ou visar um projeto arquitetônico implica em conhecer a Legislação Urbanística, Arquitetônica e Específica, aplicáveis àquele lote em particular.
            Mas a particularidade é relativa, considerando que muitos lotes se subordinam a uma mesma Legislação Urbanística quando o uso é semelhante, o que decorre do acesso e da hierarquia viária.
            Do ponto de vista arquitetônico, o Código de Edificações estabelece critérios válidos para todo o Distrito Federal, dependentes apenas dos usos e atividades das edificações.
            A Legislação Específica, por sua vez, é aplicável a lotes com mesmas características de uso e atividades, além da localização na malha urbana.
            Os princípios de todas as regras envolvidas nas edificações são o Direito Coletivo e o Direito Individual.
            O Direito Coletivo se sobrepõe ao individual na medida em que organiza o modo de viver de determinada coletividade, reduzindo ao máximo as mútuas interferências entre vizinhos imediatos ou sobre o entorno da mesma porção do território urbano.
            Neste sentido, o Direito Individual de construir deve, obrigatoriamente, observar os limites impostos pelo necessário respeito à vizinhança. No seu conjunto, terminam por somar regras que influenciarão positivamente as condições de vida de um núcleo urbano.

A.     A Legislação Urbanística:

No Distrito Federal, os parâmetros contidos na Legislação de Uso e Ocupação do Solo, como identifica a própria denominação deste conjunto normativo, define de que forma poderão ser usados os lotes das diferentes áreas de determinada cidade e a quais limites construtivos serão subordinados os usos e as atividades.
Esta definição obedece a princípios que envolvem, precipuamente, o uso habitacional e o respeito às condições de baixa incomodidade a uma área desta natureza. Não se pode introduzir, em determinada área essencialmente habitacional, usos e atividades que provoquem ruídos e outros incômodos originados por acessos de veículos pesados, por indústrias, por comércio de grandes proporções e atração de tráfego.
Neste contexto, não se pode admitir que o uso habitacional unifamiliar seja prejudicado por edificações destinadas a outros usos.
O projeto urbanístico da área deve definir claramente a localização das atividades, de modo que o acesso de veículos, sobretudo a atividades caracterizadas como pólos geradores de tráfego, não prejudique, do ponto de vista de sua intensidade e ruído, a atividade  habitacional unifamiliar.
As dimensões das vias de circulação de veículos e os acessos à garagem de outras edificações não podem representar geração de conflito ao trânsito leve dos acessos às residências unifamiliares.
A inexistência de estacionamento ou garagem nas edificações, sejam as comerciais, institucionais ou unifamiliares, são fortes complicadores. Mas, curiosamente, a obrigatoriedade de garagem em residências unifamiliares foi extinta da Legislação Urbanística e do Código de Edificações.
Outra questão de grande significado refere-se às alturas permitidas para as construções.
Definir alturas máximas é ato de extrema complexidade. Muitas variáveis integram os estudos que têm este objetivo. Entre os critérios, incluem-se a escala humana, as alturas das edificações vizinhas, o uso e a atividade a que se destinará a edificação, o sombreamento produzido sobre as demais áreas da vizinhança imediata, o número de unidades imobiliárias passíveis de serem obtidas e as consequências do adensamento resultante sobre o acréscimo de veículos circulando pelo entorno imediato e remoto, as condições de mobilidade urbana, o acesso a transportes coletivos, o dimensionamento do sistema viário, a capacidade do sistema de instalações de água, esgotamento sanitário, energia elétrica, telefonia, captação de águas pluviais, transporte e destino final de resíduos e outros que se fizerem necessários. Dependendo do local, podem ser inseridas variáveis relacionadas à proximidade com o Conjunto Urbano Tombado de Brasília e implicações ambientais.
Outra questão de profundo significado é a determinação da taxa de permeabilidade do solo no interior dos lotes. Esse parâmetro é intrinsecamente associado à segurança de toda a coletividade urbana, na medida em que os níveis adequados de absorção e escoamento de águas pluviais previnem calamidades, frequentes em grandes aglomerados populacionais, onde o crescimento das ocupações não foi acompanhado, no decorrer do tempo, por ações preventivas.

B.    O Código de Edificações do Distrito Federal:

A abordagem deste instrumento normativo, embora seja voltada para os condicionantes intrínsecos ao objeto arquitetônico possui, sob muitos aspectos, absoluta relação de dependência com os parâmetros da Legislação de Uso e Ocupação do Solo.
Se uma obra for construída em determinado lote, deverá obedecer aos condicionantes urbanísticos já mencionados e, ao mesmo tempo, atender aos critérios próprios daquele uso e atividade permitidos para aquele local.
Entre estes critérios constam a localização dos acessos de veículos ao lote, de modo a minimizar os conflitos de circulação urbana, as dimensões destes acessos, a inclinação e largura de rampas, número de vagas exigidas em estacionamento ou garagem interna ao lote, o dimensionamento e número de elevadores para atender a população previstas, largura de vestíbulos, escadas e circulações horizontais, área e dimensão mínima de compartimentos, índices de iluminação  e ventilação e afastamentos obrigatórios das divisas compartilhadas com lotes vizinhos, entre outros condicionantes.
Os critérios mais sensíveis, dentre todos os estabelecidos pelo Código de Edificações do Distrito Federal, são os relacionados às áreas e dimensões mínimas de compartimentos ou ambientes.
A importância destes condicionantes está no ato de interferir e ao mesmo tempo resultar do modo de viver da população, considerados os seus hábitos culturais e sociais e os fatores econômicos envolvidos nesta interação.
As áreas e dimensões mínimas propostas pelo primeiro instrumento normativo aplicável ao Plano Piloto e às demais cidades do DF surgiram dos hábitos de acondicionamento de mobiliário no interior dos compartimentos.
Para uma sala de estar residencial, foram previstos espaços para sofás, dentro das dimensões propostas pela indústria da época, quando estes mobiliários eram volumosos. Ao mesmo tempo, previu-se espaço para mesa de TV e área para refeições integrada ao compartimento. Nas áreas intersticiais, ficaram espaços para circulação livre e confortável. O resultado, foi a área mínima de 12m² e a dimensão mínima de 2,85m. Portanto, a outra dimensão deste compartimento não poderia ser inferior a 4,22m.
Não é por outro motivo que uma sala comercial possui estas mesmas área e dimensão mínima. Esta proposição foi apenas um reflexo, considerando o mobiliário envolvido nesta montagem. Na época, era comum, além da utilização de mesa, a presença de um sofá para receber os clientes de modo confortável e bem menos formal que uma mesa, como um “bunker”, entre duas pessoas.
Os quartos tinham dimensões de 10m², qualquer que fosse o número deles em uma residência. A razão era a mesma, associada às dimensões de camas e armários necessários a esta função.
Por interferência do mercado imobiliário, desde 1998, data de publicação do atual Código de Edificações do Distrito Federal, apenas o maior quarto, ou 1º quarto, necessita apresentar área de 10m². Este é considerado o quarto do casal, onde a cama possui maiores dimensões. Para o segundo quarto, foi exigida a área mínima de 9m² e para o terceiro, 8m².
A respeito das diferentes áreas, a dimensão mínima, em qualquer deles, foi mantida em 2,40m. Em decorrência, a outra dimensão do 1º quarto pode ser de 4,17m, a do 2º quarto, 3,75 e a do 3º quarto, 3,34m.
As áreas mínimas de compartimentos da residência considerada econômica (com área construída total de até 68m²) resultaram de porcentagens aplicadas sobre as já mencionadas não econômicas.
Estes compartimentos podem ter áreas correspondentes a 75% das exigidas para não econômicas.
A sala de estar necessita área de 9m², o 1º, 2º e demais quartos, 7,50m². Contudo, as dimensões mínimas são as mesmas requeridas para não econômicas, exceto a sala, que pode ter dimensão mínima de 2,60m.
O aspecto mais questionável desta redução é, exatamente, a incoerência entre o dimensionamento do mobiliário, que pouco ou nada mudou desde a fixação inicial das áreas mínimas de compartimentos, e as áreas permitidas para moradias econômicas.
Um quarto econômico com dimensões de 2,40m x 3,125m = 7,50m², ocupado por uma cama de casal de, aproximadamente, 1,80m x 2m = 3,60m² e por armário com medidas próximas de 0,70cm x 2m = 1,40m², terá ocupação total cerca de 5m, restado 2,50m² para circulação e abertura de portas, onde certamente algo nesta função resultará muito prejudicado – a circulação ou abertura de portas ou o mobiliário ou mesmo a ventilação/iluminação, condições que afrontam os hábitos culturalmente instalados na população brasileira.
De resto, estas dimensões não ficam distantes dos 8m² permitidos para o terceiro quarto do apartamento não econômico.

C.    Legislação Específica:

     Muitas são as Legislações Específicas envolvidas nas construções. Umas são aplicáveis a toda e qualquer obra e outras são aplicáveis apenas a determinadas obras. Entre estas últimas, existem aquelas relacionadas ao uso/atividade e as que se relacionam ao uso/atividade e à localização do lote na malha urbana e até as vinculadas às alturas das edificações:
1.     Legislações Específicas aplicáveis a toda e qualquer obra: Legislações da CEB, da CAESB, de Telefonia, do Corpo de Bombeiros do DF, da NOVACAP, entre outras passíveis de interferência na obra.
2.    Legislações Específicas próprias do uso/atividade das edificações: dependendo do objetivo da obra, podem intervir as Legislações da Secretaria de Saúde (hospitais, clínicas e afins), da Secretaria de Educação (escolas), do Ministério da Educação (universidades e faculdades), da Secretaria de Segurança (centros prisionais e de internação e reabilitação), da Secretaria de Assuntos Sociais (centros de convivência, asilos, centros de assistência e outros).
    De acordo com as atividades presentes na mesma edificação, mais de uma destas Legislações é aplicável ao mesmo projeto, como é o caso de centros de reabilitação infanto-juvenis, onde são relevantes os aspectos sociais, educacionais, de assistência à saúde e de segurança; Legislação de Acessibilidade.
3.    Legislações Específicas aplicáveis a usos/atividades, dependentes da localização do lote na malha urbana: subsolos, circulações, varandas e instalações prediais em área pública; Legislação relacionada ao Conjunto Urbanístico Tombado; Legislação Ambiental; Legislação da CEB sobre faixas de transmissão de energia elétrica.
4.    Legislações Específicas aplicáveis às alturas das edificações: Legislação da Aeronáutica, relacionada ao cone de aproximação de aeronaves; Legislação de Telecomunicações relacionada aos feixes de transmissão, inclusive para elementos estruturais com função decorativa.
            Outras Legislações Específicas podem intervir, dependendo da natureza da edificação e da sua localização urbana.
            O objetivo de todas, naturalmente, está relacionado ao bem-estar coletivo e individual, estabelecendo os limites atingidos por cada apropriação.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

A Lei de Concessão de Direito Real de Uso e as Varandas em Área Pública


            A possibilidade de existirem avanços com edificações sobre área pública, no nível do térreo, em espaço aéreo e em subsolo é tratada por instrumentos normativos desde o Código de Edificações vigente em 1982.
            Naquela época, as varandas de habitações coletivas e estabelecimentos hoteleiros, construídos no Plano Piloto de Brasília, podiam avançar em espaço aéreo, fora dos limites das projeções ou lotes isolados, com até 2m de largura. O fechamento destes compartimentos não era permitido.
            No início da década de 1990, o Código de Edificações foi alterado. A partir de então, as Normas Gerais de Construção (NGC - 021) nele contidas, tratavam da concessão de uso de subsolo para garagem e ocupação de espaço aéreo para varandas, ambos externos aos lotes e projeções do Plano Piloto.
            Especificamente em relação às varandas, a permissão dos avanços continuou restrita a habitações coletivas, hotéis e apart-hotéis. A largura de até 2m foi mantida e a proibição de vedar o compartimento constava do item 2.1, sob o texto “não possuir outro elemento de vedação além do parapeito e eventuais divisores das unidades autônomas”.
            Até então, estes avanços tinham caráter oneroso, fossem em hotel e apart-hotel ou em habitação coletiva.
            Em agosto de 1998, foi publicada a Lei Complementar nº 130, que alterava a Legislação preexistente relativa a este tema.
            Do novo instrumento normativo constava a possibilidade de aplicação da Concessão de Direito Real de Uso. Não apenas às unidades imobiliárias do Plano Piloto, mas ampliando o benefício a todas as cidades do Distrito Federal.
            Especificamente em relação aos avanços com varandas, já permitia o fechamento destes compartimentos, desde que restritos às habitações coletivas.
            Esta norma aplicava-se a lotes e projeções, desde que isolados, com ocupação de 100% de sua área, ao mesmo tempo em que exigia um afastamento mínimo de 10m em relação a lote ou projeção vizinha. A concessão era onerosa.
            Em junho de 2001, foi publicada a Lei Complementar nº 388. Mantinha a possibilidade de compartimentação das varandas em área pública, referia-se a habitação coletiva e a hospedagem, exigindo um avanço máximo de 2m, mas estendeu a possibilidade para lotes com qualquer destinação e outras projeções além de habitações coletivas, fixando o avanço máximo em 1m.
            O condicionante para as demais projeções e lotes era a característica isolada destas unidades imobiliárias, a ocupação obrigatória de 100% e o afastamento mínimo de 10m de outro lote ou projeção vizinha. O caráter permanecia oneroso.
            Nesta  Lei Complementar 388/2000, há referência à obrigatoriedade de afastamento mínimo de 2/3 da distância em relação a projeção ou lotes vizinhos, e já fazia referência, em um de seus artigos, a edificação geminada, mesmo que seja uma negativa para avanço com varanda em edificações desta natureza.
            Em 28/01/2008, foi publicada a Lei Complementar nº 775.
            Deste instrumento consta a possibilidade de avanço com varanda sobre área pública, com no máximo 2m em habitação coletiva e hospedagem, desde que garantido o afastamento de 2/3 da distância entre o limite da projeção e as projeções ou lotes vizinhos. E permite o fechamento dos guarda-corpos, incorporando as varandas aos compartimentos internos da edificação, embora tenha ocorrido a repetição do texto que proíbe a inclusão de fechamentos além do parapeito e empenas.
            Em outras edificações, além de habitação coletiva e hospedagem, o avanço máximo permitido é de 1m.
            Para os lotes geminados destinados a habitação coletiva, hospedagem e qualquer outra destinação, passou a ser permitido um avanço máximo de 1m.
            A maior perplexidade originada por esta norma ficou por conta da definição de lotes isolados. Enquanto as demais legislações exigiam, com clareza, que o afastamento mínimo entre projeções e lotes deveria ser de 10m, para que contivesse, em si, o significado de isolado, a Lei Complementar nº 755/2008 exibiu a seguinte definição “os lotes isolados deverão estar afastados mais de 10m dos lotes ou projeções vizinhas”. A partir deste distorcido conceito, lote geminado passou a representar a condição de afastamento mínimo fixado em 10m ou menos, contrariando a mais elementar definição de geminação, que significa “duplicar, ligando”, de acordo com o Dicionário Aurélio. Se dois lotes são dissociados, sem divisas comuns, não se pode falar em geminação.
            Esta surpreendente manobra, juntamente com a permissão para que os lotes geminados fossem beneficiados pela construção de varandas sobre área pública, permitiu que todo e qualquer lote se habilitasse a esta possibilidade.
            Mas um fator foi esquecido: quando dois lotes são realmente geminados, ou seja, têm pelo menos uma divisa em comum, garantir o afastamento de 2/3 da distância entre a extremidade da varanda e o lote vizinho, com no mínimo 7m conforme determina a norma, se torna impossível. Se a distância entre os lotes é zero, então 2/3 de zero é igualmente zero, logo, não é permitida a construção de varandas em lotes verdadeiramente geminados.
            Outra questão que inspira cuidados é a permissão contida nesta mesma LC 755/2008 para o fechamento de varandas, tornando-as áreas integrantes dos compartimentos ou ambientes que lhe são contíguos.
            Uma forte tendência constatada no Distrito Federal é a de incorporação de áreas públicas às unidades imobiliárias. No caso das varandas sobre área pública, esta tendência foi expressamente facilitada pela legislação específica, no momento em que os projetos arquitetônicos passaram a ser aprovados, já em sua apresentação inicial, com as varandas vedadas acima do guarda-corpo e sem paredes intermediárias entre a varanda e o compartimento que lhe é contíguo.
            Esta prática, já muito comum, tem possibilitado a construção de apartamentos com dimensões econômicas onde o avanço sobre área pública amplia consideravelmente os compartimentos contíguos, salas e quartos, transformando os espaços de varandas em áreas “particulares”, sem que o Distrito Federal possa cobrar pelas benesses, obviamente vendidas aos adquirentes das unidades imobiliárias.
            A título de exemplo, suponhamos que um apartamento de 68,00m², área máxima para considerá-lo econômico, seja ampliado por estes espaços fechados, onde só deveriam existir varandas.
            Se a varanda pode avançar 2m além da fachada então a sala mínima de 2,60m x 3,47m = 9,02m², somada à área estendida (3,47 x 2 = 6,94m²) terá 15,96m², superior, portanto, aos 12m² exigidos para sala em apartamento não econômico.
            Um quarto econômico pode ter dimensões de 3,13 x 2,40 = 7,50m². Somadas à área da varanda (3,13 x 2 = 6,26m²), este quarto alcançaria a área de 13,76m² - superior, portanto, à área mínima de 10m² exigida para o 1º quarto de habitação não econômica.
            Considerando que dentro da área máxima de 68m², permitida para apartamento econômico, não existe limitação de número de compartimentos, então é possível incluir três quartos na unidade imobiliária, todos com a mesma área mínima obrigatória de 7,50m². Logo, somados às área das respectivas varandas (6,26 x 3 = 18,78m²), ocupariam um total de 41,28m².
            A partir desta possibilidade, o apartamento apresentaria uma área total de 93,72m², portanto 25,72m² maior em relação à área máxima de 68m² permitida para apartamento econômico.
            Lamentavelmente, todo o espaço é comercializado, em detrimento dos critérios da Concessão de Direito Real de Uso, contidos nos respectivos contratos isentos de ônus.
            No momento da aprovação do projeto arquitetônico, ainda há quem argumente que a unidade imobiliária tem apenas 68m² e as áreas incorporadas das varandas não podem ser incluídas neste cálculo. O fazem, até mesmo, quando as varandas são internas ao lote e, portanto, não representam Concessão de Direito Real de Uso.
            A partir do histórico desta legislação que permite a ocupação de área pública, verificamos que muitos critérios e parâmetros necessitam ser reavaliados, não apenas sob o ponto de vista das varandas, mas também em relação às ocupações de subsolo, de torres de circulação vertical e outras possibilidades nela contidas.
            O que resta muito claro é que esta legislação, revistas por várias vezes desde a década de 1980 até o momento atual, caminha na contramão da crescente complexidade urbana, admitindo contínuas permissividades, bem ao contrário do caráter mais restritivo esperado, na direção de um ordenamento territorial de direções mais estreitas.

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

A Legislação de Uso e Ocupação do Solo –As Necessidades do Guará e a Infeliz Abordagem do PDL

                        As normas urbanísticas a serem adotadas pelas cidades do Distrito Federal, intituladas Leis de Uso e Ocupação do Solo (LUOS), abrangerão a totalidade do DF, observando as peculiaridades das zonas estabelecidas pelo PDOT e, portanto, referidas às características das diferentes Regiões Administrativas. Este princípio consta da Lei Orgânica do DF, em especial da Emenda nº 49, de 2007, Art. 318, § 2º.
                        Por peculiaridades ou características próprias das Regiões Administrativas, entende-se os usos predominantes e ainda os adequados e inseridos ou a serem excluídos de cada uma destas localidades, associados ao conjunto de índices urbanísticos a serem atribuídos, de acordo com as atividades previstas.
                        Por índices urbanísticos entende-se o coeficiente de aproveitamento, altura total da edificação, taxa de permeabilidade, afastamentos, acessos de veículos e outras condicionantes aplicáveis a cada lote ou conjunto de lotes com localização e características semelhantes do ponto de vista do uso e atividades.
                        A partir desde princípio, concluímos que a Região Administrativa do Guará, por estar incluída, de acordo com o PDOT, na zona urbana consolidada – juntamente com as áreas urbanas de Sobradinho, Planaltina, Santa Maria, Gama, Recanto das Emas, Riacho Fundo, SIA, Núcleo Bandeirante, Taguatinga, Águas Claras, Ceilândia, Samambaia e parte do Park Way – Terá Lei de Uso e Ocupação de Solo muito próxima da aplicável aos demais núcleos urbanos, atendendo às seguintes diretrizes do PDOT:
·        Uso diversificado, com o objetivo de otimizar o transporte público e a oferta de empregos;
·        Otimizar a utilização da infraestrutura urbana e dos equipamentos públicos.
A partir destas diretrizes, concluímos pela possibilidade oferecida pelo PDOT de aproximar, em mesmos espaços, os locais de moradia e de trabalho, de modo a reduzir os deslocamentos urbanos, logo, limitar a demanda por transportes públicos. Ao mesmo tempo, pretende ampliar a demanda pelas redes de água, energia, esgoto, pluvial, além das vias de circulação de veículos e equipamentos públicos, como escolas, hospitais e outros serviços prestados à população. Supostamente, existiria disponibilidade de redes e equipamentos capazes de atender a novas interligações, portanto, o sistema teria uma capacidade parcialmente ociosa.
Por ocasião das consultas às empresas concessionárias de serviços públicos, procedimento obrigatório para a elaboração de Estudo de Impacto e Vizinhança, verificou-se que o adensamento do Guará II, relativamente aos lotes da Avenida Central e Contorno, obtiveram os seguintes resultados:
A.   Drenagem Pluvial:
·        Limitação de capacidade e recomendados cuidados com escoamentos superficiais de áreas montantes (Avenida Central);
·        Área especial 2 da Via de Contorno: Sistema não dimensionado para receber a contribuição – necessidade de elaboração de projeto para o seu atendimento.
B.   Abastecimento de Água: (Avenida Central e de Contorno do Guará II).
·        A partir de 2020, necessidade de ampliação da capacidade de produção de água potável e do sistema de adutoras, incluindo remanejamento e reforços.
C.   Escoamento Sanitário:
·        Ampliação dos interceptores e implantação da Estação elevatória de Esgotos e respectiva linha de recalque, a partir de 2014.
D.   Fornecimento de energia elétrica: Possível necessidade de instalação de estação transformadora (Avenida Central e de Contorno do Guará II).
As consultas sobre adensamento do SGCV, SMAS-Trecho 01 e SOF/S tiveram os seguintes resultados:
A.    Drenagem Pluvial:
·        Inexistência de sistema pluvial implantado para atendimento àquelas áreas.
B.   Abastecimento de água:
·        Necessidade de ampliação do sistema para a população projetada.
C.   Energia elétrica: O atendimento aos empreendimentos projetados para o cenário de 2013 depende da implantação da infraestrutura de redes de distribuição.
A partir destes resultados, podemos refutar a diretriz do PDOT que pretende a otimização da infraestrutura urbana instalada. Na verdade, muitos e dispendiosos investimentos serão necessários até o cenário de 2020.
O fato preocupante é que estes estudos foram elaborados para um certo número de edificações, não abrangendo a totalidade dos lotes existentes naquelas áreas. Muito diferentes seriam os resultados se fossem Estudos de Impacto e Vizinhança que abordassem, em amplitude, ambos os setores.
Então, o que devemos esperar da LUOS?
Embora o Guará esteja localizado na zona consolidada, onde as ações propostas pelo PDOT pretendam o adensamento populacional e a instalação de novos postos de trabalho, com isto reduzindo tanto a demanda por transportes públicos, quanto os investimentos em infraestrutura urbana, muito se aprendeu com os resultados concretos do PDL.
Legislação consideravelmente permissiva em termos de coexistência de usos e atividades, de acréscimo em coeficientes de aproveitamento e alturas das edificações, podemos afirmar que o PDL promoveu em salto brusco no trato urbanístico, na medida em que não caminhou passo a passo em direção ao atendimento às necessidades da população local. Diversamente ao esperado, o Guará terminou por representar um dos nichos para solução de moradia no Distrito Federal. Mas na verdade, os preços dos imóveis são inacessíveis ao morador que paga aluguel.
A configuração do Guará foi significativamente alterada. De Núcleo Urbano predominantemente horizontal em suas linhas, passou a exibir torres de proporções verticais correspondentes a, pelo menos, cinco vezes a altura das habitações unifamiliares. A permissão para construir edificações destinadas a usos não residenciais ao longo das vias de atividades provocou vários gargalos nos acessos aos conjuntos habitacionais, além de outras incomodidades resultantes da proximidade de usos, incluída a questão de inexistência de vagas para veículos em estacionamentos ou garagens internas aos lotes. E não exigidas pelo PDL.
A Legislação de Uso e Ocupação do Solo que virá substituir o PDL deverá representar instrumento de dupla correção. Espera-se que responda adequadamente às necessidades do Guará, superando o caráter obsoleto das normas aplicáveis anteriormente ao PDL, especificamente no que diz respeito aos usos e atividades das áreas especiais. Mas, por outro lado, deseja-se que sejam contidos os excessos promovidos pelo PDL, em termos da proximidade inadequada entre o uso residencial unifamiliar e uso comercial ou institucional, além de observar a escala vertical própria deste Núcleo Urbano e a capacidade de suportar o adensamento populacional.
Enfim, espera-se que o Guará permaneça como um local onde a qualidade de vida se preserve. Afinal, se é Núcleo Urbano onde o metro quadrado do solo encareceu, esta ocorrência decorre do aspecto tranquilo, quase bucólico, de suas características urbanas, ao lado do atendimento à maioria das demandas por serviços de sua população.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Afastamentos Obrigatórios de Lotes - A Ocupação Questionável

Afastamentos obrigatórios são considerados, pelo Código de Edificações do DF, “faixas definidas na legislação de uso e ocupação de solo, situadas entre os limites do lote e a área passível de ocupação pela edificação”.
                        O entendimento do significado destes afastamentos requer a compreensão de outros dois conceitos: Taxa de Ocupação e Taxa de Construção.
                        De acordo com o Código de Edificações do DF, Taxa de Ocupação representa “percentual previsto na legislação de uso e ocupação do solo que determina a superfície do lote ocupada pela projeção horizontal da edificação ao nível do solo”.
                        Taxa de Construção, o mesmo que Coeficiente de Aproveitamento, é definida como “percentual previsto na legislação de uso e ocupação do solo que determina a área de construção de edificação”.
                        Por Edificação entende-se a concretização de qualquer elemento construtivo, seja ele composto por paredes de vedação ou autoportantes ou apenas por elementos estruturais sem vedação, por artefatos industriais, enfim, qualquer intervenção construtiva que crie e delimite espaços, sejam cobertos ou descobertos.
                        A partir destes conceitos, concluímos pela existência de elementos construtivos, ou edificações, que representam área construída, mas não se incluem na Taxa de Construção ou Coeficiente de Aproveitamento. Outras Edificações sequer representam área construída.
                        Existem, ainda, edificações que podem se localizar em afastamentos obrigatórios e se incluem no cálculo da área construída e no Coeficiente de Aproveitamento, enquanto outras, mesmo não sendo consideradas como área construída, não podem ocupar os afastamentos obrigatórios.
                        As razões destas diferentes possibilidades então centradas no objetivo destes afastamentos.
                        Estas faixas exigidas pela Legislação de Uso e Ocupação de Solo têm por finalidade garantir iluminação, ventilação, indevassabilidade e uma margem de flexibilidade ao Projeto Urbanístico de determinado parcelamento, como uma “reserva de área” para possíveis necessidades futuras de ampliação de redes de infraestrutura urbana. No caso da área tombada, o Plano Piloto de Brasília, constituem-se as molduras verdes das superquadras em parte essencial do Projeto Urbanístico e subordinam-se à Legislação de Preservação (Decreto nº 10.829/87 e Portaria nº 314/92 - IBPC). Mesmo a urbanização para recuperar as áreas livres públicas deve observar as recomendações do Órgão competente quanto ao plantio de espécies vegetais, nos termos da Legislação pertinente.
                        Os elementos construtivos passíveis de ocupação dos afastamentos mínimos obrigatórios são os a seguir relacionados:
·        Varandas acima do térreo;
·        Guarita;
·        Bilheteria;
·        Piscina e caixa d’água enterrada;
·        Casas de máquinas;
·        Castelo d’água e torre ou campanário;
·        Chaminé
·        Passagem Coberta;
·        Pequena cobertura;
·        Brise;
·        Molduras (elemento decorativo);
·        Churrasqueira;
·        Pérgula com 80% ou mais de áreas vazadas, no plano horizontal;
·        Marquise
·        Subestações elétricas;
·        Área de serviço descoberta;
·        Beiral da cobertura com até 1,50m, em balanço.

                        Entre estes os elementos que não representam área construída estão a seguir relacionados:
·        Pérgula;
·        Área de serviço descoberta;
·        Piscina (desde que descoberta);
·        Brises;
·        Beiral da cobertura com até 1,50m, em balanço.

                        Os que não se incluem no Coeficiente de Aproveitamento são os a seguir relacionados:
·        Marquise, desde que de construção obrigatória;
·        Guarita;
·        Subestação;
·        Casa de máquinas;
·        Caixa d’água enterrada;
·        Varandas acima do térreo.

                        Dentre estas edificações incluem-se as que são dispensadas da apresentação de Projeto e de Licenciamento:
·        Guarita – Incluída no cálculo da área construída, mas excluída do cálculo do Coeficiente de Aproveitamento;
·        Pequena cobertura térrea – incluída no cálculo da área construída e no cálculo do Coeficiente de Aproveitamento.

                        A construção de qualquer destas edificações exige o atendimento a critérios específicos:
1.     Varandas acima do térreo:
·        Ocupação máxima de 1/3 do afastamento obrigatório, com avanço máximo de 1m.
·        Sem comunicação com cozinha e área de serviço;
·        Sem qualquer outra vedação senão empena (parede lateral da edificação) e possíveis divisores entre varandas contíguas pertencentes à mesma unidade imobiliária ou pertencentes a unidades imobiliárias vizinhas.
2.    Guarita:
·        Área máxima: uma edificação de 6m² ou duas de 4m² cada uma;
·        Pé-direito mínimo: 2,25m.
3.    Bilheteria:
·        Pé-direito mínimo: 2,25m;
·        Circulação frontal mínima: 90 cm.
4.    Piscina e caixa d’água enterradas:
·        Afastamento mínimo das divisas do lote: 50 cm;
·        Acesso a caixa d’água pelas áreas comuns da edificação.
5.    Castelo d’água e torre ou campanário:
·        Afastamento da divisa: 1/5 da sua altura com, no mínimo, 1,50m;
6.    Passagem coberta:
·        Sem vedação lateral;
·        Função: interligar edificações do lote e ligando-as aos limites do lote;
·        Proibida em habitação unifamiliar e em habitações em lote compartimento;
·        Largura máxima: 3m
·        Pé-direito mínimo: 2,25m;
·        Não obstruir aberturas nem o acesso do CBMDF.
7.    Pequena cobertura:
·        Edificação térrea;
·        Área máxima: 20m²;
·        Sem vedação lateral em, no mínimo, 50% do seu perímetro;
·        Exclusiva para habitações unifamiliar. E habitações em lote compartilhado;
·        Distância mínima de churrasqueira: 5m.
8.    Brise:
·        Avanço máximo sobre o afastamento mínimo obrigatório: 1m;
·        Exclusivo para proteção solar.
9.    Churrasqueira:
·        Exclusiva para habitação unifamiliar e habitações em lote compartilhado
·        Complementos permitidos: sauna, ducha, banheiro e pequeno depósito;
·        Pavimento térreo;
·        Área construída: 25m²
10.      Pérgula:
·        Partes vazadas: 80% do plano horizontal;
11.      Marquise:
·        Em balanço;
·        No nível do térreo;
·        Ocupação do afastamento: 50%, com no máximo 2m.
12.      Subestação elétrica:
·        Recuo mínimo de 60 cm da divisa frontal do lote;
13.      Moldura (elemento decorativo):
·        Avanço máximo: 40 cm.
14.      Beiral da cobertura:
·        Em balanço;
·        Avanço máximo: 1,50m, desde que ocupe apenas 50% do afastamento;
·        Afastamento da divisa do térreo: 50 cm;
·        Afastamento da divisa nos pavimentos superiores ou pilotis: 1m;
·        Se possuir canalização de águas pluviais, pode estar sobre as divisas, em qualquer pavimento.
15.      Área de serviço:
·        Exclusivamente descoberta.
16.      Chaminé:
·        Acima da cobertura da edificação.

                        A partir destas informações, concluímos que os elementos com permissão para ocupar os afastamentos obrigatórios são caracterizados como de quatro naturezas – obras exclusivamente complementares ao uso principal, equipamentos de edificação, elementos de composição estética e de paisagismo.
                        Contudo, com fundamento no significado de afastamento obrigatório, do ponto de vista de sua função urbanística é possível questionar se realmente é apropriado permitir que estas faixas sejam ocupadas por qualquer tipo de edificação.
                        Analisando estes elementos, podemos concluir que mesmo aqueles desconsiderados como área construída, como pérgulas, brises, área de serviço descoberta, piscina e beirais de cobertura não necessitam ocupar este espaço, digamos, de segurança. Em qualquer circunstância futura, poderiam representar fortes entraves a intervenções urbanas imprescindíveis à coletividade.
                        Por outro lado, marquises, guaritas, subestações elétricas, casas de máquinas, caixas d’água enterradas e varandas acima do térreo, incluídos no cálculo da área construída, mas excluídos do Coeficiente de Aproveitamento, se constituem em edificações intrinsecamente interligadas à edificação principal, cuja remoção futura por interesse público geraria problemas consideráveis aos moradores e usuários, requerendo intensas ações de parte do Poder Público e, possivelmente, demandas judiciais. Sem abordar as necessárias modificações prediais envolvidas nas alterações requeridas.
                        A questão que emerge, desde algum tempo, a partir do aumento de densidade dos núcleos urbanos, já não se estabelece sob a antiga ótica da edificação sem complexidade, submetida a critérios limitados, apta a ocupar os afastamentos obrigatórios.
                        A abordagem é mais complexa, mais restritiva, na medida em que as situações se voltam muito mais para os direitos coletivos do que para os individuais.
                        A atenção a ser dada a este critério já não se distancia, em termos gerais, do exigido para outros tipos de recuos obrigatórios, como os aplicáveis ao longo das margens de rodovias e ferrovias (faixas de domínio), onde leis específicas reservam áreas para futuras operações e ampliação dos transportes de massa que nada mais são do que infraestrutura urbana, classificada como equipamento público urbano.
                        Outros cuidados que impõe limitações, diferentes em objetivos específicos, mas convergentes em termos dos direitos coletivos, são os recuos em relação às margens de corpos hídricos, onde ocupações podem comprometer o imprescindível equilíbrio ambiental.
                        Também garantidores do interesse coletivo são as normas contidas no Código de Edificações do DF sobre a altura máxima de edifícios em relação aos cones de aproximação de aeronaves e dos feixes de telecomunicações.
                        Enfim, a questão da reserva de afastamentos mínimos obrigatórios de edificações já não é questão restrita apenas aos condicionantes de iluminação e ventilação e de indevassabilidade (caso dos afastamentos internos ao lote, entre edificações e em relação a edificações vizinhas). Do mesmo modo, já não pode ser vista como faixa de possível intervenção, em caráter condescendente, onde se permite edificações consideradas pouco importantes. Mesmo, curiosamente, quando relacionadas às varandas de habitações coletivas ou outros usos e atividades de porte semelhante. A questão já se tornou complexa e profunda, reclamando o esvaziamento total destas áreas em futuras proposições urbanísticas.