A possibilidade de existirem avanços com edificações sobre área pública, no nível do térreo, em espaço aéreo e em subsolo é tratada por instrumentos normativos desde o Código de Edificações vigente em 1982.
Naquela época, as varandas de habitações coletivas e estabelecimentos hoteleiros, construídos no Plano Piloto de Brasília, podiam avançar em espaço aéreo, fora dos limites das projeções ou lotes isolados, com até 2m de largura. O fechamento destes compartimentos não era permitido.
No início da década de 1990, o Código de Edificações foi alterado. A partir de então, as Normas Gerais de Construção (NGC - 021) nele contidas, tratavam da concessão de uso de subsolo para garagem e ocupação de espaço aéreo para varandas, ambos externos aos lotes e projeções do Plano Piloto.
Especificamente em relação às varandas, a permissão dos avanços continuou restrita a habitações coletivas, hotéis e apart-hotéis. A largura de até 2m foi mantida e a proibição de vedar o compartimento constava do item 2.1, sob o texto “não possuir outro elemento de vedação além do parapeito e eventuais divisores das unidades autônomas”.
Até então, estes avanços tinham caráter oneroso, fossem em hotel e apart-hotel ou em habitação coletiva.
Em agosto de 1998, foi publicada a Lei Complementar nº 130, que alterava a Legislação preexistente relativa a este tema.
Do novo instrumento normativo constava a possibilidade de aplicação da Concessão de Direito Real de Uso. Não apenas às unidades imobiliárias do Plano Piloto, mas ampliando o benefício a todas as cidades do Distrito Federal.
Especificamente em relação aos avanços com varandas, já permitia o fechamento destes compartimentos, desde que restritos às habitações coletivas.
Esta norma aplicava-se a lotes e projeções, desde que isolados, com ocupação de 100% de sua área, ao mesmo tempo em que exigia um afastamento mínimo de 10m em relação a lote ou projeção vizinha. A concessão era onerosa.
Em junho de 2001, foi publicada a Lei Complementar nº 388. Mantinha a possibilidade de compartimentação das varandas em área pública, referia-se a habitação coletiva e a hospedagem, exigindo um avanço máximo de 2m, mas estendeu a possibilidade para lotes com qualquer destinação e outras projeções além de habitações coletivas, fixando o avanço máximo em 1m.
O condicionante para as demais projeções e lotes era a característica isolada destas unidades imobiliárias, a ocupação obrigatória de 100% e o afastamento mínimo de 10m de outro lote ou projeção vizinha. O caráter permanecia oneroso.
Nesta Lei Complementar 388/2000, há referência à obrigatoriedade de afastamento mínimo de 2/3 da distância em relação a projeção ou lotes vizinhos, e já fazia referência, em um de seus artigos, a edificação geminada, mesmo que seja uma negativa para avanço com varanda em edificações desta natureza.
Em 28/01/2008, foi publicada a Lei Complementar nº 775.
Deste instrumento consta a possibilidade de avanço com varanda sobre área pública, com no máximo 2m em habitação coletiva e hospedagem, desde que garantido o afastamento de 2/3 da distância entre o limite da projeção e as projeções ou lotes vizinhos. E permite o fechamento dos guarda-corpos, incorporando as varandas aos compartimentos internos da edificação, embora tenha ocorrido a repetição do texto que proíbe a inclusão de fechamentos além do parapeito e empenas.
Em outras edificações, além de habitação coletiva e hospedagem, o avanço máximo permitido é de 1m.
Para os lotes geminados destinados a habitação coletiva, hospedagem e qualquer outra destinação, passou a ser permitido um avanço máximo de 1m.
A maior perplexidade originada por esta norma ficou por conta da definição de lotes isolados. Enquanto as demais legislações exigiam, com clareza, que o afastamento mínimo entre projeções e lotes deveria ser de 10m, para que contivesse, em si, o significado de isolado, a Lei Complementar nº 755/2008 exibiu a seguinte definição “os lotes isolados deverão estar afastados mais de 10m dos lotes ou projeções vizinhas”. A partir deste distorcido conceito, lote geminado passou a representar a condição de afastamento mínimo fixado em 10m ou menos, contrariando a mais elementar definição de geminação, que significa “duplicar, ligando”, de acordo com o Dicionário Aurélio. Se dois lotes são dissociados, sem divisas comuns, não se pode falar em geminação.
Esta surpreendente manobra, juntamente com a permissão para que os lotes geminados fossem beneficiados pela construção de varandas sobre área pública, permitiu que todo e qualquer lote se habilitasse a esta possibilidade.
Mas um fator foi esquecido: quando dois lotes são realmente geminados, ou seja, têm pelo menos uma divisa em comum, garantir o afastamento de 2/3 da distância entre a extremidade da varanda e o lote vizinho, com no mínimo 7m conforme determina a norma, se torna impossível. Se a distância entre os lotes é zero, então 2/3 de zero é igualmente zero, logo, não é permitida a construção de varandas em lotes verdadeiramente geminados.
Outra questão que inspira cuidados é a permissão contida nesta mesma LC 755/2008 para o fechamento de varandas, tornando-as áreas integrantes dos compartimentos ou ambientes que lhe são contíguos.
Uma forte tendência constatada no Distrito Federal é a de incorporação de áreas públicas às unidades imobiliárias. No caso das varandas sobre área pública, esta tendência foi expressamente facilitada pela legislação específica, no momento em que os projetos arquitetônicos passaram a ser aprovados, já em sua apresentação inicial, com as varandas vedadas acima do guarda-corpo e sem paredes intermediárias entre a varanda e o compartimento que lhe é contíguo.
Esta prática, já muito comum, tem possibilitado a construção de apartamentos com dimensões econômicas onde o avanço sobre área pública amplia consideravelmente os compartimentos contíguos, salas e quartos, transformando os espaços de varandas em áreas “particulares”, sem que o Distrito Federal possa cobrar pelas benesses, obviamente vendidas aos adquirentes das unidades imobiliárias.
A título de exemplo, suponhamos que um apartamento de 68,00m², área máxima para considerá-lo econômico, seja ampliado por estes espaços fechados, onde só deveriam existir varandas.
Se a varanda pode avançar 2m além da fachada então a sala mínima de 2,60m x 3,47m = 9,02m², somada à área estendida (3,47 x 2 = 6,94m²) terá 15,96m², superior, portanto, aos 12m² exigidos para sala em apartamento não econômico.
Um quarto econômico pode ter dimensões de 3,13 x 2,40 = 7,50m². Somadas à área da varanda (3,13 x 2 = 6,26m²), este quarto alcançaria a área de 13,76m² - superior, portanto, à área mínima de 10m² exigida para o 1º quarto de habitação não econômica.
Considerando que dentro da área máxima de 68m², permitida para apartamento econômico, não existe limitação de número de compartimentos, então é possível incluir três quartos na unidade imobiliária, todos com a mesma área mínima obrigatória de 7,50m². Logo, somados às área das respectivas varandas (6,26 x 3 = 18,78m²), ocupariam um total de 41,28m².
A partir desta possibilidade, o apartamento apresentaria uma área total de 93,72m², portanto 25,72m² maior em relação à área máxima de 68m² permitida para apartamento econômico.
Lamentavelmente, todo o espaço é comercializado, em detrimento dos critérios da Concessão de Direito Real de Uso, contidos nos respectivos contratos isentos de ônus.
No momento da aprovação do projeto arquitetônico, ainda há quem argumente que a unidade imobiliária tem apenas 68m² e as áreas incorporadas das varandas não podem ser incluídas neste cálculo. O fazem, até mesmo, quando as varandas são internas ao lote e, portanto, não representam Concessão de Direito Real de Uso.
A partir do histórico desta legislação que permite a ocupação de área pública, verificamos que muitos critérios e parâmetros necessitam ser reavaliados, não apenas sob o ponto de vista das varandas, mas também em relação às ocupações de subsolo, de torres de circulação vertical e outras possibilidades nela contidas.
O que resta muito claro é que esta legislação, revistas por várias vezes desde a década de 1980 até o momento atual, caminha na contramão da crescente complexidade urbana, admitindo contínuas permissividades, bem ao contrário do caráter mais restritivo esperado, na direção de um ordenamento territorial de direções mais estreitas.
Hilda, Sou um jovem arquiteto recém-formado e tenho algumas dúvidas com relação especificamente a esse tópico de concessão de uso.
ResponderExcluirGostaria de saber se o seu livro ainda está disponível, e se poderia contatar você por email.
Abraços e Parabéns pelo Trabalho.
Tasso M.
Oi,Dione, desculpe a demora em responder. A questão da indevassabilidade é muito simples. Se a unidade for contígua a outra, é obrigatório que não haja visibilidade. Basta colocar uma parede, vedada do piso ao teto, sobre os limites laterais da varanda. Só isso. Um abraço
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