quarta-feira, 12 de setembro de 2012

A Lei de Concessão de Direito Real de Uso e as Varandas em Área Pública


            A possibilidade de existirem avanços com edificações sobre área pública, no nível do térreo, em espaço aéreo e em subsolo é tratada por instrumentos normativos desde o Código de Edificações vigente em 1982.
            Naquela época, as varandas de habitações coletivas e estabelecimentos hoteleiros, construídos no Plano Piloto de Brasília, podiam avançar em espaço aéreo, fora dos limites das projeções ou lotes isolados, com até 2m de largura. O fechamento destes compartimentos não era permitido.
            No início da década de 1990, o Código de Edificações foi alterado. A partir de então, as Normas Gerais de Construção (NGC - 021) nele contidas, tratavam da concessão de uso de subsolo para garagem e ocupação de espaço aéreo para varandas, ambos externos aos lotes e projeções do Plano Piloto.
            Especificamente em relação às varandas, a permissão dos avanços continuou restrita a habitações coletivas, hotéis e apart-hotéis. A largura de até 2m foi mantida e a proibição de vedar o compartimento constava do item 2.1, sob o texto “não possuir outro elemento de vedação além do parapeito e eventuais divisores das unidades autônomas”.
            Até então, estes avanços tinham caráter oneroso, fossem em hotel e apart-hotel ou em habitação coletiva.
            Em agosto de 1998, foi publicada a Lei Complementar nº 130, que alterava a Legislação preexistente relativa a este tema.
            Do novo instrumento normativo constava a possibilidade de aplicação da Concessão de Direito Real de Uso. Não apenas às unidades imobiliárias do Plano Piloto, mas ampliando o benefício a todas as cidades do Distrito Federal.
            Especificamente em relação aos avanços com varandas, já permitia o fechamento destes compartimentos, desde que restritos às habitações coletivas.
            Esta norma aplicava-se a lotes e projeções, desde que isolados, com ocupação de 100% de sua área, ao mesmo tempo em que exigia um afastamento mínimo de 10m em relação a lote ou projeção vizinha. A concessão era onerosa.
            Em junho de 2001, foi publicada a Lei Complementar nº 388. Mantinha a possibilidade de compartimentação das varandas em área pública, referia-se a habitação coletiva e a hospedagem, exigindo um avanço máximo de 2m, mas estendeu a possibilidade para lotes com qualquer destinação e outras projeções além de habitações coletivas, fixando o avanço máximo em 1m.
            O condicionante para as demais projeções e lotes era a característica isolada destas unidades imobiliárias, a ocupação obrigatória de 100% e o afastamento mínimo de 10m de outro lote ou projeção vizinha. O caráter permanecia oneroso.
            Nesta  Lei Complementar 388/2000, há referência à obrigatoriedade de afastamento mínimo de 2/3 da distância em relação a projeção ou lotes vizinhos, e já fazia referência, em um de seus artigos, a edificação geminada, mesmo que seja uma negativa para avanço com varanda em edificações desta natureza.
            Em 28/01/2008, foi publicada a Lei Complementar nº 775.
            Deste instrumento consta a possibilidade de avanço com varanda sobre área pública, com no máximo 2m em habitação coletiva e hospedagem, desde que garantido o afastamento de 2/3 da distância entre o limite da projeção e as projeções ou lotes vizinhos. E permite o fechamento dos guarda-corpos, incorporando as varandas aos compartimentos internos da edificação, embora tenha ocorrido a repetição do texto que proíbe a inclusão de fechamentos além do parapeito e empenas.
            Em outras edificações, além de habitação coletiva e hospedagem, o avanço máximo permitido é de 1m.
            Para os lotes geminados destinados a habitação coletiva, hospedagem e qualquer outra destinação, passou a ser permitido um avanço máximo de 1m.
            A maior perplexidade originada por esta norma ficou por conta da definição de lotes isolados. Enquanto as demais legislações exigiam, com clareza, que o afastamento mínimo entre projeções e lotes deveria ser de 10m, para que contivesse, em si, o significado de isolado, a Lei Complementar nº 755/2008 exibiu a seguinte definição “os lotes isolados deverão estar afastados mais de 10m dos lotes ou projeções vizinhas”. A partir deste distorcido conceito, lote geminado passou a representar a condição de afastamento mínimo fixado em 10m ou menos, contrariando a mais elementar definição de geminação, que significa “duplicar, ligando”, de acordo com o Dicionário Aurélio. Se dois lotes são dissociados, sem divisas comuns, não se pode falar em geminação.
            Esta surpreendente manobra, juntamente com a permissão para que os lotes geminados fossem beneficiados pela construção de varandas sobre área pública, permitiu que todo e qualquer lote se habilitasse a esta possibilidade.
            Mas um fator foi esquecido: quando dois lotes são realmente geminados, ou seja, têm pelo menos uma divisa em comum, garantir o afastamento de 2/3 da distância entre a extremidade da varanda e o lote vizinho, com no mínimo 7m conforme determina a norma, se torna impossível. Se a distância entre os lotes é zero, então 2/3 de zero é igualmente zero, logo, não é permitida a construção de varandas em lotes verdadeiramente geminados.
            Outra questão que inspira cuidados é a permissão contida nesta mesma LC 755/2008 para o fechamento de varandas, tornando-as áreas integrantes dos compartimentos ou ambientes que lhe são contíguos.
            Uma forte tendência constatada no Distrito Federal é a de incorporação de áreas públicas às unidades imobiliárias. No caso das varandas sobre área pública, esta tendência foi expressamente facilitada pela legislação específica, no momento em que os projetos arquitetônicos passaram a ser aprovados, já em sua apresentação inicial, com as varandas vedadas acima do guarda-corpo e sem paredes intermediárias entre a varanda e o compartimento que lhe é contíguo.
            Esta prática, já muito comum, tem possibilitado a construção de apartamentos com dimensões econômicas onde o avanço sobre área pública amplia consideravelmente os compartimentos contíguos, salas e quartos, transformando os espaços de varandas em áreas “particulares”, sem que o Distrito Federal possa cobrar pelas benesses, obviamente vendidas aos adquirentes das unidades imobiliárias.
            A título de exemplo, suponhamos que um apartamento de 68,00m², área máxima para considerá-lo econômico, seja ampliado por estes espaços fechados, onde só deveriam existir varandas.
            Se a varanda pode avançar 2m além da fachada então a sala mínima de 2,60m x 3,47m = 9,02m², somada à área estendida (3,47 x 2 = 6,94m²) terá 15,96m², superior, portanto, aos 12m² exigidos para sala em apartamento não econômico.
            Um quarto econômico pode ter dimensões de 3,13 x 2,40 = 7,50m². Somadas à área da varanda (3,13 x 2 = 6,26m²), este quarto alcançaria a área de 13,76m² - superior, portanto, à área mínima de 10m² exigida para o 1º quarto de habitação não econômica.
            Considerando que dentro da área máxima de 68m², permitida para apartamento econômico, não existe limitação de número de compartimentos, então é possível incluir três quartos na unidade imobiliária, todos com a mesma área mínima obrigatória de 7,50m². Logo, somados às área das respectivas varandas (6,26 x 3 = 18,78m²), ocupariam um total de 41,28m².
            A partir desta possibilidade, o apartamento apresentaria uma área total de 93,72m², portanto 25,72m² maior em relação à área máxima de 68m² permitida para apartamento econômico.
            Lamentavelmente, todo o espaço é comercializado, em detrimento dos critérios da Concessão de Direito Real de Uso, contidos nos respectivos contratos isentos de ônus.
            No momento da aprovação do projeto arquitetônico, ainda há quem argumente que a unidade imobiliária tem apenas 68m² e as áreas incorporadas das varandas não podem ser incluídas neste cálculo. O fazem, até mesmo, quando as varandas são internas ao lote e, portanto, não representam Concessão de Direito Real de Uso.
            A partir do histórico desta legislação que permite a ocupação de área pública, verificamos que muitos critérios e parâmetros necessitam ser reavaliados, não apenas sob o ponto de vista das varandas, mas também em relação às ocupações de subsolo, de torres de circulação vertical e outras possibilidades nela contidas.
            O que resta muito claro é que esta legislação, revistas por várias vezes desde a década de 1980 até o momento atual, caminha na contramão da crescente complexidade urbana, admitindo contínuas permissividades, bem ao contrário do caráter mais restritivo esperado, na direção de um ordenamento territorial de direções mais estreitas.

2 comentários:

  1. Hilda, Sou um jovem arquiteto recém-formado e tenho algumas dúvidas com relação especificamente a esse tópico de concessão de uso.

    Gostaria de saber se o seu livro ainda está disponível, e se poderia contatar você por email.

    Abraços e Parabéns pelo Trabalho.

    Tasso M.

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  2. Oi,Dione, desculpe a demora em responder. A questão da indevassabilidade é muito simples. Se a unidade for contígua a outra, é obrigatório que não haja visibilidade. Basta colocar uma parede, vedada do piso ao teto, sobre os limites laterais da varanda. Só isso. Um abraço

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