segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Sobre Praças, Bancos e Jardins- O Futuro Indistinto.



           
         No Brasil, desde o início da implantação de suas cidades, à semelhança do ocorrido na Europa, são previstas praças em pontos específicos do tecido urbano.
         Como pulmões arrefecendo o efeito das densidades construtivas, as praças surgem como “clareiras” aliviando a compressão de centros urbanos e de qualquer aglomerado, seja qual for a destinação de cada área.
         Algumas praças se tornaram muito conhecidas: No Rio de Janeiro, a Praça da Bandeira e a Praça Quinze. Em São Paulo, a Praça da República e a Praça da Sé. Em Salvador, a Praça Castro Alves e, em Brasília, as Praças dos Três Poderes e 21 de Abril. Todas elas se caracterizam como fortes pontos referenciais urbanos, além da função específica de, a um só tempo, segmentar e integrar o tecido urbano, associando edificações que acabam por desembocar sobre aquele ponto de parada dos movimentos.
         Desde há muito, as praças são ocupadas por equipamentos públicos comunitários ou urbanos, mobiliários e monumentos relacionados às atividades de lazer, esportivas, cívicas, sociais e de repouso.
         Nesta direção, são concebidas, cada qual, de acordo com as destinações das áreas vizinhas. Se residenciais, são previstos playgrounds e quadras esportivas. Se em áreas centrais ou cívicas, instalam-se monumentos e chafarizes. Nas mais antigas, foram construídas igrejas e coretos. Mas, quase em todas elas, são instalados bancos e criados jardins, elementos destinados a propiciar o repouso.
         Nas décadas de 1940 a 1960, as praças localizadas em áreas residenciais eram ativamente utilizadas pela população, sobretudo à noite, nos finais de semana. Mesmo as que não dispunham de playgrounds atraíam pessoas em quantidade suficiente para a ocupação de todos os bancos, enquanto as crianças brincavam. Tudo era cuidadosamente preservado, incluindo os bancos e jardins.
         As praças das áreas centrais eram locais para exposição de literatura e arte. Os transeuntes cessavam momentaneamente os seus afazeres, sentando-se nos bancos entre jardins, para apreciar o conteúdo exposto, muitas vezes para inteirar-se de alguma obra.
         Hoje, entretanto, as referências mudaram sensivelmente. As praças transformaram-se em locais de alta periculosidade.
         Quando se projetam praças, evitam-se barreiras visuais passíveis de ocultar pessoas capazes de por em risco a vida dos passantes.
         Na verdade, os jardins acabaram por se transformar, à noite, em elementos que projetam sombras perigosas. Os bancos, por sua vez, ou são ocupados por quem não deseja a aproximação dos demais ou são destruídos por vândalos.
         As questões que se colocam são as mesmas aplicadas a um viajante posicionado em um entroncamento sem sinalização:
 Até que ponto o urbanismo deve permanecer na direção culturalmente instalada, criando praças nas mesmas tipologias conhecidas? O urbanismo deve aceitar a interferência dos profundos problemas sociais que, a cada período, emergem com maior intensidade, ou deve persistir em seu caminho independente, interagindo com outras áreas do conhecimento e com a população, sempre buscando as melhores formas para o atendimento de todos? Ou existe uma alternativa que permeie estas questões?  


quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Escala Urbana – Origem e Evolução.

                                  
            O significado de escala urbana só pode ser devidamente compreendido na medida em que for inserido no planejamento de todo um território, onde estejam presentes as demais escalas que compõe o ordenamento, associadas às áreas rurais e ambientais.
            O que é o urbano? De forma sucinta, podemos afirmar que o conceito é atribuído às aglomerações instaladas sobre determinado espaço territorial, ocorrência que resulta em necessidades e anseios que refletem a busca por níveis cada vez melhores de qualidade de vida.
            No Brasil, a concentração humana em espaços determinados passou, ao longo dos anos, por alguns estágios em ordem crescente de complexidade.
            Inicialmente, alguns povoados de pouquíssimos habitantes, vinculados à sobrevivência básica, dependiam da presença local de corpos d’água e de terras agricultáveis. O Brasil tem origens eminentemente calcadas em bases rurais.
            Estes povoados, aos poucos, se adensaram, transformando-se em aglomerados com maior nível de complexidade, onde a passagem de viajantes estimulava a criação de ofertas de serviços, como hospedarias, tabernas e oficinas de ferreiros.
            A necessidade de trocas de produtos ampliou a oferta através da implantação de armazéns, onde eram comercializados alimentos originados nas fazendas circunvizinhas.
            Os tropeiros, pessoas que circulavam pelo país levando mulas carregadas com mercadorias, eram os responsáveis pelo fornecimento de sal e outros produtos inexistentes em determinadas regiões A comercialização era feita através dos armazéns.
            Aos poucos, estes pequenos núcleos cresceram, transformando-se em cidades de pequeno porte.
            A partir de então, foi reduzida a dependência absoluta em relação às fazendas, sobretudo em decorrência da industrialização que se instalava.
            Os centros maiores se adensavam, ao mesmo tempo em que os menores perseguiam caminho semelhante.
            As consequências do adensamento se impuseram como determinantes do ordenamento territorial, exigindo a organização do espaço, estabelecendo a proximidade ou o afastamento entre funções, de acordo com as necessidades de acesso mais imediato ou o distanciamento requerido pelo nível de incomodidade presente em cada função.
            Obviamente, a escala urbana tem como condicionante estrutural mais significativo a satisfação da necessidade  de moradia, estabelecendo a organização interna e externa a estas áreas prioritárias, definindo os limites de utilização do solo e as relações de proximidade de outras funções, sempre complementares a este uso.
            Portanto, a partir destas áreas são definidos o sistema viário e sua hierarquização, as circulações de pedestres, os índices de áreas públicas e todos os demais condicionantes necessários à garantia do bem estar da população – embora nas grandes cidades, como Rio de Janeiro e São Paulo, considerados o seu tempo de existência e as deficiências de planejamento verificado em momentos passados, ou mesmo a ausência dele, haja relações não satisfatórias.
            As cidades atuais, pequenas, médias e grandes, têm esta origem. Mesmo as planejadas têm fundamento na análise da relação entre os condicionantes requeridos como suporte da implantação humana e os atributos da área como elementos satisfatórios ou propícios a esta implantação.
            Ainda encontramos, em diversas partes do país, pequenos povoados, em geral à beira das estradas que interligam cidades, iniciados com uma ou duas casas e algumas cabeças de gado. Nestes locais, os moradores dependem, basicamente, de trabalho oferecido pelas fazendas vizinhas. Em algum tempo, instala-se um pequeno bar ou lanchonete para atender viajantes das estradas e funcionários das fazendas.
            Se a evolução deste pequeno local for satisfatória, instalam-se outras atividades compatíveis com a localização e, em algum tempo, transforma-se em pequeno povoado, pelo crescimento vegetativo ou por migrações.
            Na verdade, a dinâmica muito pouco se alterou, considerando que as necessidades básicas humanas são sempre as mesmas. O que se altera são as necessidades decorrentes do próprio crescimento, do aumento de pessoas em determinado espaço territorial, requerendo saúde, educação, redes de serviços públicos, segurança e outros sistemas.
            A área rural, a partir de certo momento, deixa de ser tão preponderante na garantia dos meios quando o território exige tratamento como escala eminentemente urbana. Contudo, por razões de sobrevivência, o rural e o ambiental são escalas indissociáveis de qualquer aglomerado.


quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Fiscalização de Obras no Distrito Federal – Condicionantes e Penalidades.




        O ato de fiscalizar uma obra representa uma das atividades do Poder Executivo relacionadas ao controle do meio urbano, com o objetivo de garantir o ordenamento necessário ao bem estar social.
        No Distrito Federal, para iniciar uma obra é imprescindível que haja o seu licenciamento prévio, seja obra pública ou privada, em área pública ou particular, seja intervenção inicial ou modificação da obra já existente. A mesma regra é aplicada às demolições e à instalação de canteiro de obras em área pública (em área particular, não é necessário. Se em lote vizinho à obra, só é requerida a autorização do proprietário).
        Contudo, a esta orientação geral correspondem exceções, como a seguir relacionadas, exclusivamente dentro dos limites do lote:
1-  Obras sem acréscimo ou decréscimo de área e, simultaneamente, sem alteração estrutural. A licença para construir é o próprio projeto arquitetônico aprovado ou visado.
2-  Pequena Cobertura: Em lote habitacional unifamiliar ou em lote habitacional compartilhado, construída sobre afastamentos mínimos obrigatórios, desde que apenas no nível do térreo, com até 20m², sem vedações ou com vedações restritas a 50 por cento de seu perímetro. Deve estar afastada, no mínimo, 5m em relação à churrasqueira, quando existente.
3-  Guarita: Uma só edificação com até 6m² ou duas edificações com até 4m² cada uma, unidas ou não por cobertura.
4-  Abrigo para Animais Domésticos: Até 6m².
5-  Obra de Urbanização Interna ao Lote: Inclui pérgulas com até 50 por cento de sua face superior vazada (não se constitui em área construída).
6-  Muro: Que não seja de arrimo.
7-  Instalações Comerciais: Apenas equipamentos e decoração.
8-  Pinturas e Revestimentos: Internos e externos à edificação.
9-  Substituição de Elementos Decorativos e Esquadrias: Sem elemento estrutural e sem alterar o vão de iluminação e/ou de ventilação.
10-      Grades de Proteção em Desníveis: Sem elementos estruturais.
11-      Substituição de Telhas e de Suporte de Cobertura: Sem alterar elementos estruturais e sem modificar a altura da edificação.
12-      Reparos e Substituição em Instalações Prediais.

O ato de construir sem o obrigatório licenciamento da obra é considerado como infração, portanto, o proprietário da obra e o Responsável técnico sujeitam-se a penalidades. O mesmo é aplicável a obras licenciadas, mas construídas em desacordo com o projeto arquitetônico aprovado ou visado.
As penalidades são as a seguir relacionadas:
1-  Notificação: Verificada a irregularidade, o agente público notifica o proprietário no sentido de saná-la, estipulando um prazo igual ou inferior a 30 dias, prorrogável por igual período. O não atendimento da notificação implica na emissão de multa.
2-  Embargo: Não atendida a Notificação, além da emissão da multa a obra poderá ser embargada, em sua totalidade ou parcialmente, de acordo com a irregularidade, se total ou parcial.
a.  O embargo parcial pode ocorrer quando a situação de parte da obra não prejudicar a sua, nem representar risco para terceiros e para operários.
b.  Caso a obra não possa adequar-se à legislação vigente através da aprovação ou visto de novo projeto arquitetônico, será embargada imediatamente, considerando não caber notificação exigindo a apresentação de projeto que não poderia
ser aprovado ou visado.
3-  Interdição da Obra: Penalidade aplicável quando for descumprido o embargo ou quando a irregularidade for potencialmente capaz de oferecer risco iminente a operários e a terceiros.
a.  Da mesma forma que o embargo, a interdição pode ser total ou parcial.
b.  De acordo com a Lei Orgânica do DF, cabe à Polícia Militar garantir a manutenção do Embargo ou Interdição. Poderá ser acionada pelo responsável pela fiscalização, a quem é atribuída a vigilância sobre a obra.
4-   Demolição: Penalidade aplicável quando a obra não apresentar condições de ajustar-se à legislação vigente,ou quando o embargo e a interdição forem descumpridos.
a.  Se a irregularidade for insanável, e ocorrer dentro do lote, será dado ao proprietário 30 dias (no máximo) para proceder à demolição total ou parcial. O descumprimento do prazo
Implica na demolição pelo Poder Público. Os ônus da demolição serão atribuídos ao proprietário da obra.
b.  Se a obra estiver em área pública, não haverá prazo. A demolição deve ser imediata.
5-  - Multas: Penalidade aplicável quando não for atendida a Notificação, inclusive a demolitória, ou for descumprido o embargo e a interdição.
a.  A aplicação de multa não isenta o proprietário de sanar as irregularidades presentes na obra.
b.  O Responsável Técnico da obra também pode ser multado, no valor correspondente a 80 por cento da aplicada ao proprietário, além de estar sujeito à representação em seu conselho de classe.

Quando esgotados todos os procedimentos administrativos cabíveis, o proprietário da obra se sujeita à representação criminal, com base no Código Penal.


sábado, 13 de setembro de 2014

A Ação Direta de Inconstitucionalidade do PDL do Guará e a Lei Complementar 890/2014 – Análise Comparativa.



       O Plano Diretor do Guará, Lei Complementar 733/2006 teve, em 2011, vários de seus artigos declarados como de inconstitucionalidade formal pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal.
Por inconstitucionalidade formal entende-se, conforme dados obtidos através do julgamento da ação, a circunstância em que o Poder Legislativo estabelece emendas que tratam de questões de competência exclusiva do Governador, ou que implicam em aumento de despesa, assunto igualmente atribuído ao Poder Executivo.
A Lei Complementar nº 733/2006, publicada em 14/12/2006, originou-se no Projeto de Lei Complementar nº 133/2005, encaminhado pelo Governador à Câmara Legislativa do DF.
Entretanto, muitos artigos previstos pelo Projeto de Lei foram significativamente alterados pela Câmara Legislativa, resultando em Lei Complementar que, sob muitos aspectos e parâmetros, implicaram em “mudança de autoria” da Lei Complementar e em aumento de despesas para o executivo.
Entre os diversos Artigos considerados inconstitucionais incluiu-se o de número 36, que definia as categorias por uso dos diferentes lotes do Guará, considerado o grau de restrição (ou incomodidade) estabelecido no Anexo VIII- Tabela 1 do mesmo PDL.
Por sua importância, enquanto dispositivo legal definidor das funções de quase todos os lotes localizados na RA-X (as exceções foram mínimas), a extinção deste Art.36, espécie de “espinha dorsal” da legislação urbanística, provocou transtornos relacionados à aprovação de projetos arquitetônicos e emissão de Alvará de Construção e, em decorrência, paralisou o Guará em termos de novas edificações.
O extinto Art.36 definia seis categorias:
1-    R0: Prioridade máxima ao uso residencial, permitida a ocupação de 40 por cento da área da edificação com o uso comercial e de serviços e institucional ou coletivo, desde que obtida a anuência da vizinhança diretamente atingida.
2-    R1: Lotes eminentemente residenciais, com alta restrição aos usos comercial, industrial e coletivo ou institucional. Nestes lotes, era admitida a coexistência destes usos com o uso residencial obrigatório, restrita a 50 por cento da área edificada, submetida, igualmente, à anuência da vizinhança diretamente atingida.
3-    R2: Lotes de média restrição aos usos comercial, industrial e coletivo ou institucional. Nestes lotes era permitido construir 100 por cento da área edificada para uso de atividades não residenciais. Não era exigida a anuência da vizinhança, mas algumas atividades requeriam consulta ao órgão urbanístico e a outros órgãos envolvidos com a atividade pretendida.
4-    R3: Lotes de baixa restrição ao uso comercial, industrial e coletivo ou institucional. Nestes lotes era possível construir qualquer destas atividades e, ainda, habitações coletivas, consideradas as  dimensões das áreas disponíveis.
   Especialmente no Polo de Moda do Guará, nestes lotes, maioria naquela localidade, todo o espaço térreo se restringia às atividades comerciais de bens e serviços e industriais. Nos pavimentos acima do térreo, era admitida uma só residência. Proibida a construção de quitinetes ou apartamentos conjugados.  
5-    R4: Lotes com restrição ao uso residencial. Nestes lotes de grandes dimensões, e consideradas as suas localizações no tecido urbano, era permitida a destinação aos usos comercial, industrial e coletivo ou institucional. Vedado o uso residencial, exceto a construção de unidade para moradia de ministros ou titulares religiosos em lotes ocupados por instituições religiosas.
6-    R5: Nestes lotes de consideráveis dimensões, só era permitida a construção de uma residência para zeladoria.  Todos os demais usos não residenciais eram permitidos.

                       A definição dos diferentes níveis de restrição submeteu-se à hierarquia das vias de circulação de veículos. Quanto maior a hierarquia, menor o nível de restrição. Em outros termos, o nível de maior restrição, o R0, prioritário para o uso habitacional, tem localização restrita a lotes contíguos a vias locais. Os lotes R4 e R5, por sua vez, têm localização próxima às avenidas de atividades e de trânsito rápido, respectivamente.  
                       Do Art.36 constava, ainda, a orientação legal para o desmembramento e o remembramento de lotes com níveis de restrição diferentes entre si. Em remembramento, prevalecia o nível de restrição da via de acesso ao lote. Em desmembramento, os lotes voltavam às respectivas categorias, sempre de acordo com a via de acesso de cada um deles.
                       A publicação da Lei Complementar 890/2014 veio suprir o vácuo produzido pela eliminação do referido Art.36, ao mesmo tempo em que promoveu as alterações necessárias:
1-    R0: Priorizou o uso residencial, como era no PDL. Permitiu outros usos, mas eliminou a possibilidade de uso coletivo ou institucional, restringindo-se ao uso comercial e de serviços. Permaneceram a obrigatoriedade de ocupação de apenas 40 por cento da área edificada e a anuência da vizinhança.
2-    R1: Uso residencial obrigatório, mas permaneceu a possibilidade de ocupação com  o uso comercial e de serviços em até 50 por cento da área edificada, desde que obtenha a anuência da vizinhança. Eliminada a possibilidade de ocupação por usos industrial e coletivo ou institucional.
                       3-R2: Afastada a possibilidade de ocupação com       os  usos institucional e industrial, ao mesmo tempo em que o uso residencial passou a obrigatório. Logo, não será possível ocupar todo o lote ou edificação com outro uso, havendo exigência de concomitância com o uso residencial.
3-    R3: Para estes lotes, o PDL permitia os usos residencial, comercial, industrial e institucional. Não houve alteração. No Polo de Moda, permaneceu a proibição de construir quitinete e apartamento conjugado.
4-    R4 e R5:  Não houve alteração relativamente ao que constava do Art.36 do PDL.


                       Concluindo, a LC 890/2014 alterou os dispositivos do Art.36 do PDL que se mostraram inconvenientes, inadequados, ou mesmo nocivos ao uso residencial. Circunstâncias decorrentes de sua efetiva aplicação.                          

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

O Avesso do Direito na Legislação Arquitetônica

                   

         Por que existe o Código de Edificações do Distrito Federal?
         A resposta a esta questão está contida nos temas tratados por aquele instrumento normativo, que vão desde a obrigatoriedade da observância ao que estabelece a legislação de uso e ocupação do solo até pormenores como as dimensões mínimas de portas e janelas.
         A razão deste nível de detalhamento moldou-se na história que fundamentou a evolução temporal do próprio Código.
         Estruturado no início da década de 1980, ainda com características muito básicas,  e relacionado ao Plano Piloto de Brasília, centrava-se em dados não contidos nos projetos semi-prontos fornecidos pelo Poder Público na forma de “croquis de cadastro”.
         Os croquis tratavam, como tratam até hoje, os lotes e suas edificações em dois níveis: O horizontal, definindo numericamente cada locação, o relacionamento com os lotes vizinhos, as circulações de pedestres e veículos, as galerias, se fosse o caso, e as áreas públicas verdes inseridas no trecho. No nível vertical, representam as cotas de soleira, de coroamento e da face inferior de galerias, caso existam.
         Estes dados, enquanto elementos rigidamente pré-fixados, em associação com lotes de mesmas dimensões, conforme estabelecido pelo projeto urbanístico, resultou na uniformidade e, por que não, na unidade que garantiu a organização absoluta do Plano Piloto – ora positiva, ora negativa, mas nunca ignorada.
         Em função deste resultado, as edificações surgiam muito parecidas em seu partido arquitetônico, acentuada a circunstância pelo uso específico de cada setor, rigidamente definido.
         Diante destes dados fixos, o Código colocava em relevo as áreas e dimensões mínimas de compartimentos e de suas janelas, além do dimensionamento de portas, de acordo com a atividade presente.
Desde os primeiros Códigos relacionados ao Plano Piloto ficou clara, portanto, a preocupação com dados muito básicos, traduzidos em questões que sequer necessitariam de abordagem legal – se ficasse demonstrado em todos os projetos, sem exceções, o propósito de obter dimensionamentos mínimos compatíveis com os requisitos humanos. Mas, desde sempre, o problema centrava-se nas exceções.
         Por requisitos humanos entenda-se o sistema de espaços necessários ao exercício das diferentes funções – morar, trabalhar, estudar e outros. Contexto onde se subentende a presença de níveis mínimos de iluminação, ventilação,instalações prediais, dimensionamentos de acessos para a passagem de pessoas, máquinas e equipamentos e mobiliário, além das questões associadas à segurança.
O somatório destes requisitos traduz-se, se tratados convenientemente, em parte significativa do desejado bem estar de toda uma população.
Mas, por vezes, as condições mínimas são relegadas a planos secundários. Fatores de natureza econômica, considerado o valor monetário do metro quadrado no Plano Piloto, tendência que se expandiu por todo o Distrito Federal, se impuseram como decisivos e coercitivos em relação aos condicionantes humanos.
A partir desta motivação, o anseio por introduzir, especialmente em habitações coletivas, o maior número possível de unidades imobiliárias no polígono de terra disponível, associado à verticalização, quando não tratado eficientemente relega à desimportância o conteúdo do polígono, que se espera de qualidade mínima.
Alguns projetos, felizmente poucos, apresentam burlas em termos de áreas e dimensões mínimas de compartimentos, portas e janelas.
 Em relação aos compartimentos, a impressão que ficava, em certa época, era a de que as paredes atrapalhavam os projetos. Mas este tênue sentimento perdeu, aos poucos, o seu caráter vago para transformar-se em certeza, na medida em que normas surgidas posteriormente abriram a possibilidade da construção de “apartamentos conjugados”, introduzindo a noção de “ambiente”, que se caracteriza por local onde se desenvolvem diferentes funções residenciais – sala, quarto e cozinha – sem interposição de paredes divisórias.
Não se trata de considerar o apartamento conjugado ou o ambiente um fato ruim em si mesmo. Absolutamente, não. O que preocupa é a evidência do valor do metro quadrado no DF impulsionar a ocupação destes imóveis por famílias compostas por muitos membros, quando a privacidade é abolida.
Ainda outra ocorrência é preocupante: A definição de paredes, em habitações coletivas, que perderam os  seus 15cm de espessura, em favor de dimensionamentos inferiores, sob a alegação de serem construídas em material que garante as mesmas condições de isolamento acústico e segurança associados às paredes de 15cm.
Outra alteração normativa assumiu direção semelhante: A permissão para banheiros de habitações coletivas serem construídos sem ventilação, admitindo-se a exclusão dos prismas fechados. Tudo em nome do aproveitamento máximo do polígono de terra disponível.
Então nos questionamos: O que é o avesso e o que é o direito?
Ao que requer o ser humano une-se, atavicamente, a privacidade, mesmo interna a uma única unidade imobiliária. Também é imprescindível que pelo menos uma cama entre e seja acomodada em um dormitório, e que uma mesa tenha condições de ser instalada em uma sala e permita a utilização simultânea por todos os membros de uma família.
Ao mesmo tempo, ventilar convenientemente um banheiro é questão básica, consideradas as funções deste compartimento. Não podem se aceitáveis argumentos de que a utilização de energia elétrica necessária à ventilação forçada seja a solução adequada e definitiva. A carência de água nos grandes centros urbanos é assunto que deveria incomodar. Será que a produção energética é assunto de menor importância?

Certamente o avesso tem ocupado o espaço do direito, como roupas remendadas pelo lado errado.