terça-feira, 30 de julho de 2013

A História dos Pilotis no Plano Piloto de Brasília



O conceito de pilotis, originado nos princípios da arquitetura moderna e difundidos na Europa de pós-guerra, representou a liberação do espaço térreo das edificações em termos visuais e de deslocamento de pedestres.

As edificações construídas até então eram caracterizadas por blocos compactos, onde o térreo destinava-se ao acesso, constituído por um saguão com elevadores, escadas e alguns outros elementos para atendimento exclusivo aos usuários locais.

Neste mesmo modelo compacto, muitas edificações tiveram a área  do térreo ocupada por lojas, além do mencionado acesso vertical. Nesta caracterização, o espaço do saguão foi significativamente reduzido. Em muitos casos constituído apenas por um corredor de, no máximo, 1,20m de largura, encaminhando os usuários para a circulação vertical.

Ainda hoje, esta forma de utilização compacta das áreas do térreo é profusamente adotada, como forma de aproveitamento máximo da área construída permitida para o lote.

A circulação urbana de pedestres, obviamente, assimila todo o impacto negativo desta forma de captação construtiva do térreo. Se observarmos o meio urbano sob este aspecto, verificaremos que resta ao pedestre o uso das calçadas públicas paralelas às vias de circulação de veículos, ampliando os seus percursos ao longo dos conhecidos quarteirões.

O conceito de pilotis, onde está implícita a liberação do térreo, permite ao pedestre reduzir o tempo de caminhada e a fácil orientação através da visualização dos seus objetivos de chegada.

Nestes termos, foram concebidas as superquadras do Plano Piloto de Brasília, locais específicos para o uso habitacional coletivo.

A concepção de cada uma das superquadras, com os blocos edificados lançados isoladamente sobre o solo, em número e dimensões fixas, rompeu com a antiga ordem dos quarteirões compactos, garantindo a transparência da paisagem urbana e da paisagem natural. Esta é uma das principais razões que leva a se afirmar que o Plano Piloto tem o horizonte aberto.

Nas décadas de 1960 e 1970, os pilotis eram construídos de acordo com os seus princípios de criação: O térreo dos blocos residenciais compunha-se de “entradas”, nomes popularmente dados aos compartimentos para o acesso vertical, compostos por um saguão de cerca de 15m², com escadas, elevadores, depósito para lixo e um compartimento para a zeladoria, além dos pilares de sustentação.

Esta proposta apresentava uma interseção perfeita com as calçadas e jardins do entorno da edificação, tudo em nível, livre de quaisquer barreiras que dificultassem o acesso de pedestres ao térreo.

Por esta época, a legislação urbanística aplicável às habitações coletivas das superquadras tinha a rigidez garantidora da manutenção do princípio dos pilotis. Nada, além dos mencionados acessos e pilares, era permitido construir no térreo das edificações.

Mas, no início da década de 1980, os princípios começaram a ser modificados.

Primeiramente, foram propostos pequenos jardins, localizados entre os acessos verticais. Logo depois, solicitações se avolumavam no órgão urbanístico, requerendo a liberação de parte do térreo para a construção de salão de festas. Argumentavam, sempre, a necessidade dos moradores de dispor de um local para esta finalidade.

Não demorou muito e requereram um depósito para material de limpeza e sala para o condomínio, além da ampliação do salão de festas.

Paralelamente, questionavam: a possibilidade de alterar a forma e o volume das edificações, a construção de varandas sobre área pública em espaço aéreo, as dimensões insuficientes do subsolo destinado à garagem, a possibilidade de implantação dos compartimentos para acesso vertical em área pública e o uso da cobertura para lazer.

Como resultado, surgiu a Lei denominada de Concessão de Direito Real de Uso, onde foram significativamente alteradas as características destas edificações. Neste contexto, foram permitidas várias ocupações no térreo. As dimensões dos pilotis foram mantidas conforme a projeção registrada em cartório, mas as ocupações que alteraram este nível comprometeram a transparência visual.

Ao mesmo tempo, os acréscimos permitidos no subsolo, equivalentes a 150% da área da projeção dos pilotis, produziu consequências negativas para os acessos ao térreo. No momento em que os subsolos afloraram, o nível dos pilotis  se elevou, exigindo escadas para acessá-los.

Em decorrência, não só a transparência visual foi removida, mas também a interseção entre os pilotis e as calçadas públicas, tornando proibitivo ou dificultando o acesso de pedestres.

Em 1998, ano da publicação do Código de Edificações do DF, dois artigos muito significativos foram introduzidos. Um deles exige a construção de rampas para acesso aos pilotis, permitindo até mesmo que seja em área pública, e o outro artigo proíbe a existência de desnível entre os pilotis e as calçadas públicas do entorno imediato. Logo, a eliminação de barreiras voltou a ser requerida.

Esta duplicidade de tratamento – rampas e eliminação de barreiras, ao mesmo tempo – pode fazer pensar em incoerência. Mas não é. As rampas valem para as projeções já construídas em época anterior a 1998 e que apresentem o mencionado desnível, ao mesmo tempo em que garante que as construções a partir de 1988 não tenham desníveis, mesmo que seja um acréscimo de subsolo naquelas em que o número de vagas para veículos seja insuficiente ou a construção de subsolo em locais onde não existir, caso das superquadras 400, onde a proposta do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília (PPCUB).

A Lei Complementar do futuro PPCUB prevê a ocupação dos pilotis em até 30% de sua área registrada em cartório, com acesso vertical, residência para zelador, salão de múltiplas atividades, bicicletário, sala para condomínio, depósito para material de limpeza, dependências para  funcionários, lixeiras, compartimentos técnicos e pilares incluídos na mesma porcentagem.

Se tomarmos como exemplo uma projeção das superquadras 400, com dimensões de 10m X 80m = 800m², os pilotis poderão ser ocupados em 24m² (30% de sua área). Nesta circunstância, nem todos os compartimentos permitidos serão de construção possível. Terá que haver uma escolha.

Ao longo dos anos, foram verificados muitos desvios de finalidade no modo de utilização dos compartimentos dos pilotis. A residência para zelador, em algumas edificações, foi alugada para terceiros e o salão de festas se transformou em objeto de ganhos dos condomínios, igualmente com o aluguel para interessados não residentes na edificação. O que se afasta completamente das justificativas iniciais que embasaram a mudança na legislação aplicável.

Além destes fatos, na década de 1990 tentaram fechar, com cercas, os limites dos pilotis. Houve até uma tentativa de fechar completamente os limites das superquadras. Felizmente a legislação de tombamento de Brasília impediu o intento, e permanece garantindo a manutenção dos princípios que nortearam o caráter inovador (à época) dos pilotis.

A despeito do significativo conteúdo plástico-formal contido na materialização destes princípios e apesar dos pilotis já terem mais de 50 anos de existência, a verdade é que o sentido de apreensão do espaço em caráter coletivo ainda não foi devidamente assimilado. O interesse individual ainda permanece arraigado à maioria de nós.

4 comentários:

  1. Respostas
    1. Oi, Marcelo. È importante saber que a área dos pilotis não representa área pública, mas área de uso comum do condomínio. Realmente essa é uma questão complicada, mas valeria a pena verificar a convenção do condomínio para saber se há referência ao modo de utilização dos pilotis. Dificilmente proibirá o uso por crianças.

      Excluir
  2. Boa tarde. Muito bacana esse artigo. Ficou uma dúvida nesse trecho .... desvios de finalidade no modo de utilização dos compartimentos dos pilotis. A residência para zelador, em algumas edificações, foi alugada para terceiros e o salão de festas se transformou em objeto de ganhos dos condomínios, igualmente com o aluguel para interessados não residentes na edificação... Afinal é ilegal ou legal esse "ganho" para o condomínio? Se sim. Qual a legislação aplicada? Grato.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Daniel, os pilotis de habitação coletiva devem, exclusivamente, servir ao uso dos condôminos. Não são permitidos usos ou atividades diferentes do que dispõe a legislação de uso e ocupação do solo aplicável. Se a destinação de um compartimento é salão de festas, assim deve ser utilizado. Se o compartimento é para residência de zelador, essa determinação deve ser observada com rigor. Quem determina é a "lei de uso e ocupação do solo". Obrigada.

      Excluir