quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O Guará e as Lições do Plano Diretor Local

                              

Em nenhum momento da história urbanística do Distrito Federal ocorreram modificações tão drásticas quanto as proporcionadas pela implantação dos Planos Diretores locais e, em especial, pelo Plano Diretor do Guará (PDL).
A elaboração de qualquer norma urbanística pressupõe a observância a uma metodologia que inclui a consulta à população local e o respeito às característica físico-espaciais, culturais, econômicas e sociais de determinado núcleo urbano.
A partir destes princípios, devem ser avaliados os aspectos positivos e negativos inerentes à localidade em estudo, verificando-se os elementos normativos ou introduzidos pela população que resultaram favoráveis ou desfavoráveis em relação à cidade.
O PDL, em detrimento do que pressupõe a aplicação desta metodologia, instalou-se no Guará como um instrumento alheio às características históricas deste núcleo urbano, permitindo mudanças de destinação inusitadas, além das propaladas alturas excessivas de edificações. Estas alterações obtiveram o aval da população local.
Um tipo de modificação de uso e atividade despertou especial atenção – a transformação de lotes antes exclusivamente residenciais unifamiliares em unidades que poderiam ser comerciais e institucionais, abrangendo a totalidade das edificações neles erguidas. Estes foram os lotes classificados pelo PDL como R2.
As unidades imobiliárias assim beneficiadas pelo PDL estão localizadas ao longo de vias de maior fluxo de veículos, por demandarem localidades que não apenas a vizinhança imediata.
O PDL não alterou o número de pavimentos destes lotes. Permaneceu em vigência o limite máximo de três níveis, mesmo com a total mudança de uso e atividades admitidas.
Diante deste novo cenário, a edificação, antes exclusivamente residencial unifamiliar, tornou-se uma espécie de “corpo estranho” no contexto onde se insere.
Considerando a localização destes lotes, que podem estar de ambos os lados da via local que dá acesso a veículos aos conjuntos residenciais, dependendo do tipo de atividade neles presente, o ato de circular em direção às habitações tornou-se seriamente prejudicado. Casos foram relatados dando notícia sobre veículos de carga que obstruíam a entrada da via.
Além desse inconveniente, outro, de mesma seriedade, chegou ao nosso conhecimento – os pavimentos da edificação foram alugados para atividades diferentes. Não faltaram placas de “aluga-se” fixadas neste tipo de local.
O PDL impedia, claramente, que lotes antes residenciais unifamiliares tivessem, cada qual, mais de um ocupante. Portanto, a aprovação destes projetos voltou-se nesta direção. Mas os desvios cometidos posteriormente, quando da efetiva ocupação,delineou divergência nas intenções.
O resultado desta inobservância revela-se no acúmulo de veículos nos acessos às residências, demandando vias com capacidades bem superiores às oferecidas, além da necessidade de estacionamentos públicos compatíveis com o necessário. Providência que o PDL sequer exigiu para os lotes R2.
A proposta contida na Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS) para os lotes antes exclusivamente residenciais unifamiliares dividiu estas unidades em três possibilidades, de acordo com as respectivas localizações:
Lotes RO1: Internos aos conjuntos, são Residenciais (R) em caráter Obrigatório (O), mas admitem outras atividades, desde que restritas ao âmbito doméstico e não causem incômodos à vizinhança.
Lotes RO2:  Frontais às ruas de maior movimento e às praças são, igualmente, residenciais em caráter obrigatório, mas admitem outras atividades de maior fluxo de pessoas, ocupando todo o pavimento térreo (antigos R2).
Lotes CSIIR1NO: Também localizados nas áreas dos antigos R2, na orla do Guará II, podem conter atividades comerciais, de serviços, institucionais, industriais e residenciais, sem qualquer obrigatoriedade de qualquer uma delas, admitindo o uso habitacional coletivo. Preocupante será o fluxo de veículos que resultará desta possibilidade.
Enfim, lotes residenciais nos termos previstos antes do PDL serão apenas uma lembrança de como foi o Guará em determinada época.
Não podemos pretender a estagnação deste núcleo urbano, retendo modificações que o adaptariam aos novos momentos de sua história. Mas algumas questões devem ser objeto de análise: O sistema viário suportará o fluxo de veículos, já que não foi alterado para receber estas novas funções? Qual a profundidade do impacto sobre os serviços de fornecimento de energia elétrica e água, além da coleta de esgotos?
Mesmo que sejam previstas vagas para veículos internas aos lotes, serão suficientes para atender a demanda que será instalada, ou as frentes dos lotes residenciais serão obstruídas? A carga e a descarga de produtos ocorrerão internamente aos lotes ou em vias públicas? No Guará existem exemplos negativos sob esta função.
Enfim, muitas são as questões a serem discutidas pela comunidade, independentemente de localização de lotes e das vantagens atribuídas aos proprietários beneficiados pelas mudanças. O que concede valorização a determinados imóveis pode subtrair vantagens de muitos outros.

O mais significativo é o impacto sobre o modo de viver de toda uma coletividade, respeitados os seus valores culturais e históricos, elementos que fundamentam a sua identidade. 

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

A Aprovação de Projeto Arquitetônico, O Alvará de Construção e os Projetos Complementares - Os Grandes Riscos Envolvidos no Processo.

   

            Áreas de risco são locais que representem perigo iminente ou potencial para a integridade física de pessoas.
            Esta definição abrange desde as condições geográficas e topográficas inadequadas à permanência humana até as localizações de áreas urbanas ou rurais sujeitas à violência.
            Entre as muitas situações capazes de oferecer risco às pessoas, uma se revela especialmente perniciosa por seu caráter oculto – as estruturas, fundações e instalações prediais das edificações.
            Quando se analisa um projeto com vistas à sua aprovação, verifica-se o atendimento aos parâmetros urbanísticos e arquitetônicos. Uma vez aprovado, a obra deve receber o Alvará de Construção, documento que autoriza a sua execução.
            Nesta fase, é exigida, além do projeto arquitetônico aprovado, documentação variável para cada caso específico, onde se incluem os projetos complementares – fundações, estrutura e instalações prediais. Estes projetos, que podem ser apresentados no prazo de até 60 dias após a emissão do Alvará, não se submetem a análise, exceto quanto à sua correspondência com o Projeto arquitetônico aprovado. São apenas arquivados.
            Uma vez obtido o Alvará de Construção, a obra pode ser iniciada.
            Quando concluída a obra, o interessado deve requerer a emissão da Carta de Habite-se, documento que atesta a execução exatamente de acordo com o projeto aprovado.
            No decorrer da construção, qualquer mudança ocorrida em relação ao projeto aprovado implica na obrigatoriedade de apresentar novo projeto, como modificação do anterior.
            Contudo, um procedimento tem deixado a desejar – a verificação, pelo Poder Público, da correspondência  entre os projetos arquitetônico e complementares.
            Conforme já mencionado, os projetos complementares podem ser apresentados no prazo de 60 dias após a data de emissão do Alvará. Se não apresentados, a obra pode ser embargada, interditada e sujeita à emissão de multas (Código de Edificações do DF, Decreto 26048/2005, Art.34, Parágrafo 2 ).
            Há anos atrás, anteriores à publicação do referido decreto, a apresentação dos projetos complementares era condição obrigatória para a emissão do Alvará.
            Considerada a especificidade destes projetos, tanto antes, quanto agora, não eram analisados pelo Poder Público, decisão absolutamente correta. A responsabilidade da execução recai, exclusivamente, sobre o autor e sobre o responsável técnico pela obra. Se o projeto arquitetônico, algo verificável in loco, gera responsabilidades em relação ao Poder Público que o aprova, imagine-se assumir responsabilidades por partes da construção que implicam em cálculos específicos e em execução que extrapolam os limites de controle fiscal no decorrer da obra.
            O caráter oculto destes projetos revela-se nos elementos intrínsecos às suas execuções, enterradas, embutidas, ausentes do olhar e, portanto, impossíveis de serem verificadas no decorrer e ao final da construção. Nada mais sensato que atribuir esta responsabilidade aos profissionais habilitados que os criam e conduzem.
            Mas os grandes problemas, persistentes e diuturnos, estão na deficiência das unidades orgânicas do Poder Público, responsáveis pelo licenciamento de obras, em exercer controle sobre a apresentação destes projetos complementares dentro do prazo de 60 dias após a emissão do Alvará de Construção e, ainda, de dispor, em caráter obrigatório, de arquitetos ou engenheiros que possam verificar a compatibilidade entre o que foi apresentado e o projeto arquitetônico apresentado.
            Os riscos envolvidos nesta deficiência deveriam ser avaliados. Obras são executadas com Alvará, mas sem a responsabilidade técnica requerida para os fundamentais projetos complementares, porque dificilmente há o acompanhamento quanto ao prazo estipulado para a apresentação destes projetos e, se apresentados, se realmente guardam relação com o projeto aprovado.
            Caso a obra se rompa estruturalmente ou tenha graves problemas de instalações prediais, parte da responsabilidade caberá ao Poder Público.
            Importante papel neste processo poderá ser exercido pelo órgão fiscalizador, agente que cobraria o cumprimento da legislação vigente sob este aspecto, sob pena de aplicação das penalidades cabíveis.
            O ato de se aprovar um projeto arquitetônico, emitir Alvará de Construção e conceder Carta de Habite-se implica em inúmeras e grandes responsabilidades atribuídas ao Poder Público. Contudo, responsabilidades de igual importância são legalmente assumidas por proprietários, autores de projetos e responsáveis técnicos.

            Cabe ao poder Público se aparelhar, esclarecer e cobrar, de modo a minimizar os enormes riscos envolvidos no processo.

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Teoria e História do “Puxadinho”

                                

            A designação “puxadinho” é dada à obra de modificação com acréscimo em edificações, sem planejamento e sem Alvará de Construção. Muito comum no Brasil, o “puxadinho” é ocorrência há tantos anos entranhada nos hábitos da população que, certamente, é possível afirmar que já se inclui na categoria de costume culturalmente instalado.
            No Brasil colônia, o projeto da casa sede era cópia dos projetos construídos em Portugal.
            A afirmação contida em uma carta remetida àquele país, ainda à época do descobrimento, informava que o relevo das terras brasileiras se assemelhava a território de cabritos. Obviamente, se referia às abruptas diferenças de níveis visualizadas no litoral de Salvador. Em consequência, podemos afirmar, com certa margem de segurança, que a implantação dos projetos portugueses para as casas sede teria que sofrer adaptação a um solo muito desnivelado, proporcionando o aproveitamento de espaços sob o pavimento térreo com porões, logo, um “puxadinho”.
            Da mesma forma, a ocupação dos quintais destes lotes com edificações destinadas a senzalas e serviços, não se duvide, também podiam se caracterizar como escandalosos “puxadinhos”.
            Em Salvador, na década de 60, importantes edificações institucionais datadas do período colonial mantinham intactos os corpos do prédio, mas ao fundo, havia “puxadinhos” caracterizados como áreas para serviços necessários ao modo de funcionamento da instituição naquele período.
            No Rio de Janeiro, nas décadas de 40 e 50, foram construídas habitações populares de finalidade social, constituindo bairros quase inteiros, implantadas em lotes de grandes dimensões.
            O programa arquitetônico das minúsculas residências incluía apenas a sala de estar, dois quartos, banheiro e cozinha. O recuo frontal era de, aproximadamente, 10m e o posterior, cerca de 30m.
            Neste programa, a inexistência da indispensável área de serviço foi um forte motivo que impulsionou os moradores à construção de “puxadinhos” para abrigar esta função. Ao mesmo tempo, a diminuta cozinha, com não mais de 4m², era insuficiente para as suas próprias finalidades.
            Considerando que os núcleos familiares de baixa renda, daquela época, eram bem numerosos e considerando que não se dispunha das facilidades tecnológicas atuais, a área de serviço exigia grandes dimensões e a cozinha precisava de espaço compatível com as suas funções. Fato agravado pela insuficiência de quartos para comportar tantas pessoas.
            Como resultado, todas as casas, que não eram poucas, tinham “puxadinhos” em sua parte posterior, ocupando cerca de 40m², onde eram construídos, pelo menos, mais dois quartos, a área de serviço e a extensão da cozinha, local onde realmente se cozinhava.
            Estes “puxadinhos” abrigavam uma grande mesa, adequada ao tamanho da família, impossível de ser acomodada na pequena sala de estar.
            Por diversas razões, a construção de “puxadinhos” sempre foi, de certa forma, induzida e até mesmo estimulada.
            Além das razões já expostas, outras se alinham, bem contemporâneas, como a dificuldade da população de baixa renda de ter acesso aos serviços de arquitetos e engenheiros. Já passa da época de se pensar em alterar esta realidade, apesar de alguns bons e conscientes profissionais se solidarizarem nesta direção.
            Mesmo no âmbito das classes sociais média e alta, com certa frequência são construídos “puxadinhos”, ação que não exclui, sequer, edificações destinadas a habitações coletivas, institucionais e industriais.

            Portanto, até mesmo arquitetos e engenheiros, vez por outra, fazem os seus “puxadinhos”, só que bem elaborados e estruturados. Consequentemente, quem nunca fez um “puxadinho”, que jogue a primeira brita.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Tributo ao Plano Piloto sem Esquinas

                                        

         Na década de 1970, um instigante comentário circulava pelos meios estudantis da Arquitetura e Urbanismo – O Plano Piloto pecava pela ausência de esquinas.
         A análise desta afirmação transformada em crítica dependia, e muito, da origem de quem a ouvia. Se o estudante provinha de outras cidades brasileiras, havia sentido na afirmação, mas se o aluno havia sido criado no Plano Piloto, restava uma grande dúvida e dificuldade em processar aquela frase.
         O que é uma esquina? Nas cidades de traçados convencionais, esquina é o ponto de convergência entre dois segmentos de reta que estruturam e conduzem lotes sucessivos que compõe um quarteirão. Deste ponto específico, é possível visualizar com maior clareza o panorama do contexto urbano onde o observador se insere, incluindo edificações e sistema viário. Este local sempre foi o preferido ponto de encontro para conversas.
         Mas o Plano Piloto, cidade planejada sem a formação de quarteirões com arestas desta natureza, as esquinas, pelo menos nestes padrões, realmente inexistem.
         Naturalmente, a crítica à cidade sem esquinas, em um primeiro momento, parecia incompreensível ao jovem residente no Plano Piloto desde a sua infância.
         Na verdade, o que se queria afirmar era a inexistência de pontos que chamassem à convivência, à informalidade de conversas, enfim, ao lazer despretensioso.
         Mas o Plano Piloto, mesmo sem esquinas, sempre teve uma vida vibrante e intensa. Apenas o modo de apreensão dos espaços, com objetivos de convivência, foi modificado.
         Os jovens das décadas de 60 a 80 buscavam atividades de duas naturezas: Parte refletia ou era uma extensão de suas atividades educacionais e outra parte era essencialmente descontraída.
         Desta forma, no final da década de 60, o auditório da escola-parque da 308 sul exibia, semanalmente, filmes estritamente artísticos, apresentando grandes diretores brasileiros, suecos, alemães, japoneses, italianos, franceses e russos.
 A plateia, lotada de boquiabertos adolescentes diante de uma tela que os ajudava a moldar e aperfeiçoar a maravilhosa intenção, inerente à idade, de mudar o Brasil e o mundo, nos permite afirmar que aquele local era uma “esquina” de intenso sucesso e de muita reflexão.
Em meados da mesma década de 60, o Cine Brasília exibia filmes infantis nas manhãs de sábado e boas produções à tarde e à noite. Esta dinâmica de interação cultural com a cidade culminou no excelente Festival do Cinema Brasileiro, há cerca de quarenta anos em cartaz naquela mesma “esquina”.
O Teatro Nacional, quando ainda inacabado, sem revestimentos, inclusive no piso em cimento grosso e sem cadeiras, apresentava espetáculos de balé europeu e africano. A aridez do espaço reservado à plateia e às outras funções contrastava com o esmero do acabamento do palco, mostrando conceitualmente a que veio. O brilho nos olhares do público ignorava o desconforto físico, mesclando-se ao brilho de cada espetáculo daquela “esquina”.
A tranquilidade, sem a interferência negativa das agressões urbanas, propiciava passeios à W/3 Sul, com paradas obrigatórias nas excelentes sorveterias e confeitarias, como a Colombo e a Flamingo. Numa época ainda sem shoppings, a W/3 Sul, suas vitrines e larga calçada de distanciadas interrupções era uma longa e aprazível “esquina”, frequentada por adolescentes barulhentos e adultos.
Para os mais velhos, ou melhor, os menos jovens, no início da década de 70 havia bares muito dinâmicos, como a Maloca, na Rua da Igrejinha, e o Beirute na 109 Sul. A Maloca era para uma boa conversa com os amigos e o Beirute cedia espaço para revolucionários políticos, artistas e engajados alunos da UnB. Vez por outra acontecia, nesta “esquina”, uma boa confusão com a polícia, mas tudo muito digerível.
Como aproveitamentos dos trechos finais dos pilotis das habitações coletivas das superquadras, adolescentes se reuniam em grandes turmas para conversar besteirol, rir e gritar à toa, desesperando os moradores do primeiro e segundo pavimentos, bem acima. Não fossem as agressões urbanas, é possível que estas “esquinas” do alarido funcionassem até hoje.
Atualmente, muitos frequentam galerias e praças internas de shoppings. Andam à toa, conversam, riem, enfim, convivem. Esta é uma “esquina” que resistiu ainda razoavelmente segura contra a violência que se embrenha em todos os espaços.
Talvez a discussão sobre esquinas já não tenha lugar. Possivelmente, nos tempos atuais, nenhuma cidade conheça mais a função destes recantos mágicos da interação humana. Mas é importante afirmar que o Plano Piloto teve muitas “esquinas”. Não iguais às esquinas fisicamente moldadas pelo planejamento urbano, mas outras “esquinas”, tão filosóficas, culturais, artísticas, psicológicas, enfim, tão humanas quanto quaisquer esquinas do mundo.






quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Guará – As Transformações Urbanas e os Desvios de Perspectivas.

                

            Núcleo urbano criado para  atender a demanda por moradias de população de menor renda,  o Guará,desde a sua implantação até a década de 1990, transformou-se em cidade consideravelmente adensada, onde muitos dos antigos moradores cederam espaço para uma população de classe média e média alta.
            A razão desta mudança é a sua localização geográfica de centralidade em relação a vários núcleos urbanos do trecho centro-sul do Distrito Federal, entre eles o Plano Piloto e Taguatinga.
            A proposta urbanística original do Guará previa terrenos de grandes dimensões, denominados Áreas Especiais, destinados aos usos industrial, comercial e institucional. Esta providência foi de extrema positividade sob o ponto de vista da possibilidade de oferta de postos de trabalho e serviços que reduziriam significativamente a dependência em relação ao Plano Piloto. Esta característica foi acentuada pela inclusão, em seu perímetro de abrangência, das áreas do Setor de Garagens e Concessionárias de Veículos (SGCV).
            Contudo, a mesma centralidade que promoveu a atração de moradores, removeu a perspectiva de sua independência.
            No início da década de 2000, foi criado o Polo de Modas, destinado à implantação de indústrias e comércio complementar. Mas, desde as primeiras construções ali erguidas, foi transformado em local de amontoado de quitinetes, desvio fomentado pela grande demanda por unidades habitacionais.
            Curiosamente, não foram observadas, à época, as distorções ocorridas na vizinha QE 40, área anterior ao Polo de Modas, onde projeto semelhante  de implantação de atividades geradoras de emprego, renda e serviços resultou, identicamente, em numerosas quitinetes irregulares.
            A partir de Dezembro de 2006, a legislação urbanística do Guará foi substituída pelo Plano Diretor Local (PDL). Instrumento que deveria representar um avanço na forma de uso e ocupação do solo, visando o bem estar da população, o PDL apresentou-se como um desmotivador de  qualquer perspectiva da cidade tornar-se autossuficiente.
            Novamente, a mesma centralidade, aliada à qualidade de vida até então existente e ao esgotamento das projeções destinadas ao uso habitacional coletivo no Plano Piloto, concentrou no Guará o foco  da solução para a carência de unidades habitacionais de média e alta renda.
            Os lotes das Áreas Especiais e do SGCV foram, então, destinados ao uso habitacional coletivo. As alturas das edificações e o número de pavimentos foram extraordinariamente acrescidos, em total desrespeito à horizontalidade construtiva preexistente.
            Entretanto, um elemento surgiu para impor freios à crescente desfiguração da cidade – A Portaria 68/2012 – IPHAN, instrumento Federal que abrangeu o Guará na poligonal de entorno da área tombada.
            A partir desta legislação, as alturas e o número de pavimentos foram significativamente reduzidos. No SGCV, a altura máxima não poderá ultrapassar o limite de 12m, com até 4 pavimentos. Nas outras áreas, a altura passou a ser de, no máximo, 34m, com 10 pavimentos, e dependente da cota de altitude do local.
            A  Legislação de Uso e Ocupação do Solo (LUOS), por sua vez, observou o determinado pela Portaria do IPHAN, reduzindo drasticamente as alturas e o número de pavimentos.
            Ao mesmo tempo, a LUOS limitou o remembramento de lotes, exigiu áreas verdes internas  a estas unidades e determinou afastamentos mínimos obrigatórios em relação às divisas. Além disso, impôs restrições à construção de mais de uma edificação em mesmo lote. Todos estes aspectos eram, no PDL, ora discutíveis e ora omissos.
            Mas, apesar da LUOS, o prejuízo já se instalou. As Áreas Especiais e os lotes do SGCV permanecem como de uso habitacional coletivo. Aliás, a maioria deles encontra-se em processo construtivo ou com obras concluídas.
            O adensamento populacional do Guará já se implantou, apesar da insuficiência do seu sistema viário para a demanda que em pouco tempo será gerada. Muito provavelmente, haverá problemas com abastecimento de água e fornecimento de energia, questões que além de incômodas exigirão consideráveis investimentos públicos que poderiam ser utilizados em obras e serviços de melhoria de condições, e não para corrigir erros cometidos.

            Obviamente, o crescimento e o desenvolvimento das cidades é algo não só obrigatório, mas sobretudo salutar. A estagnação e o engessamento levam à morte qualquer sistema, inclusive o urbano. Mas desde que  as transformações atendam, coletivamente, às necessidades e aspirações de seus habitantes.