Em nenhum momento da história urbanística
do Distrito Federal ocorreram modificações tão drásticas quanto as
proporcionadas pela implantação dos Planos Diretores locais e, em especial,
pelo Plano Diretor do Guará (PDL).
A elaboração de qualquer norma
urbanística pressupõe a observância a uma metodologia que inclui a consulta à
população local e o respeito às característica físico-espaciais, culturais,
econômicas e sociais de determinado núcleo urbano.
A partir destes princípios, devem ser
avaliados os aspectos positivos e negativos inerentes à localidade em estudo,
verificando-se os elementos normativos ou introduzidos pela população que
resultaram favoráveis ou desfavoráveis em relação à cidade.
O PDL, em detrimento do que pressupõe
a aplicação desta metodologia, instalou-se no Guará como um instrumento alheio
às características históricas deste núcleo urbano, permitindo mudanças de
destinação inusitadas, além das propaladas alturas excessivas de edificações.
Estas alterações obtiveram o aval da população local.
Um tipo de modificação de uso e atividade
despertou especial atenção – a transformação de lotes antes exclusivamente
residenciais unifamiliares em unidades que poderiam ser comerciais e institucionais,
abrangendo a totalidade das edificações neles erguidas. Estes foram os lotes
classificados pelo PDL como R2.
As unidades imobiliárias assim
beneficiadas pelo PDL estão localizadas ao longo de vias de maior fluxo de
veículos, por demandarem localidades que não apenas a vizinhança imediata.
O PDL não alterou o número de
pavimentos destes lotes. Permaneceu em vigência o limite máximo de três níveis,
mesmo com a total mudança de uso e atividades admitidas.
Diante deste novo cenário, a
edificação, antes exclusivamente residencial unifamiliar, tornou-se uma espécie
de “corpo estranho” no contexto onde se insere.
Considerando a localização destes
lotes, que podem estar de ambos os lados da via local que dá acesso a veículos
aos conjuntos residenciais, dependendo do tipo de atividade neles presente, o
ato de circular em direção às habitações tornou-se seriamente prejudicado.
Casos foram relatados dando notícia sobre veículos de carga que obstruíam a
entrada da via.
Além desse inconveniente, outro, de
mesma seriedade, chegou ao nosso conhecimento – os pavimentos da edificação
foram alugados para atividades diferentes. Não faltaram placas de “aluga-se”
fixadas neste tipo de local.
O PDL impedia, claramente, que lotes
antes residenciais unifamiliares tivessem, cada qual, mais de um ocupante.
Portanto, a aprovação destes projetos voltou-se nesta direção. Mas os desvios
cometidos posteriormente, quando da efetiva ocupação,delineou divergência nas
intenções.
O resultado desta inobservância
revela-se no acúmulo de veículos nos acessos às residências, demandando vias
com capacidades bem superiores às oferecidas, além da necessidade de
estacionamentos públicos compatíveis com o necessário. Providência que o PDL
sequer exigiu para os lotes R2.
A proposta contida na Lei de Uso e Ocupação
do Solo (LUOS) para os lotes antes exclusivamente residenciais unifamiliares
dividiu estas unidades em três possibilidades, de acordo com as respectivas
localizações:
Lotes RO1: Internos aos conjuntos,
são Residenciais (R) em caráter Obrigatório (O), mas admitem outras atividades,
desde que restritas ao âmbito doméstico e não causem incômodos à vizinhança.
Lotes RO2: Frontais às ruas de maior movimento e às
praças são, igualmente, residenciais em caráter obrigatório, mas admitem outras
atividades de maior fluxo de pessoas, ocupando todo o pavimento térreo (antigos
R2).
Lotes CSIIR1NO: Também localizados
nas áreas dos antigos R2, na orla do Guará II, podem conter atividades
comerciais, de serviços, institucionais, industriais e residenciais, sem
qualquer obrigatoriedade de qualquer uma delas, admitindo o uso habitacional
coletivo. Preocupante será o fluxo de veículos que resultará desta
possibilidade.
Enfim, lotes residenciais nos termos
previstos antes do PDL serão apenas uma lembrança de como foi o Guará em
determinada época.
Não podemos pretender a estagnação
deste núcleo urbano, retendo modificações que o adaptariam aos novos momentos
de sua história. Mas algumas questões devem ser objeto de análise: O sistema
viário suportará o fluxo de veículos, já que não foi alterado para receber
estas novas funções? Qual a profundidade do impacto sobre os serviços de
fornecimento de energia elétrica e água, além da coleta de esgotos?
Mesmo que sejam previstas vagas para
veículos internas aos lotes, serão suficientes para atender a demanda que será
instalada, ou as frentes dos lotes residenciais serão obstruídas? A carga e a
descarga de produtos ocorrerão internamente aos lotes ou em vias públicas? No
Guará existem exemplos negativos sob esta função.
Enfim, muitas são as questões a serem
discutidas pela comunidade, independentemente de localização de lotes e das
vantagens atribuídas aos proprietários beneficiados pelas mudanças. O que
concede valorização a determinados imóveis pode subtrair vantagens de muitos
outros.
O mais significativo é o impacto
sobre o modo de viver de toda uma coletividade, respeitados os seus valores
culturais e históricos, elementos que fundamentam a sua identidade.